segunda-feira, 30 de junho de 2025

O Segundo Rosto (1966)

 

Júlio Flávio do Nascimento Borges

 

O Segundo Rosto, ou Seconds, no seu título original. É um filme de ficção científica, mistério e de certa forma terror. A obra conta a história de um bancário de meia idade chamado Arthur Hamilton, ele tem uma vida estável, tem uma filha e convive com sua esposa todos os dias, contudo, ele não parece estar contente com o rumo que sua vida tomou. A oportunidade para mudar isso surge de repente, quando uma companhia especializada em recriar de maneira profissional uma nova identidade e aparência, além de falsificar sua morte o convida para ser um de seus inúmeros clientes.

A oportunidade de ter uma nova chance na vida vem com um preço cujo o terror não é sequer cogitado pela mente de Arthur quando o mesmo avalia a oferta. Ele havia sido empurrado àquela situação, mas não pelo seu amigo, que o convidou para essa empreitada na noite anterior, ou pela companhia que o drogou e o fez encenar um estupro para chantagear ele a participar do programa, mas sim pela forma indiferente e sem esperança como que ele vivia todos os dias. E então, sem ter muita escolha, ele aceita fazer o procedimento cirúrgico e morre para renascer como um novo homem.

A partir deste momento, Arthur deixa de existir e passa a ser Antiochus Wilson, um pintor renomado, com diplomas e uma reputação de prestígio. Ele tem novos dentes, novas impressões digitais, um novo rosto, cabelos escuros e um corpo mais esbelto, tudo isso após meses de condicionamento e recuperação, afinal, não é tão fácil assim se recuperar de uma cirurgia. A companhia havia tomado conta de tudo, ela havia escolhido o lugar em que moraria, seus vizinhos e suas faculdades. De forma irônica, o bendito recomeço já havia sido começado por outro alguém.

A fotografia e a montagem deste filme são peças fundamentais para o contar desta história, desde o começo do filme é evidente o quão experimental e estranho será o conto apresentado. Como a abertura de créditos bizarra com planos fechados em diferentes partes de um rosto, quase como um ponto de vista de um cirurgião plástico ao observar o paciente que irá ser reformado, ou os close-ups no rosto do ator em movimento que foram bastante inovadores para a época e que são uma tendência atualmente. Os planos em conjunto com a ambientação nos fazem sentir enjaulados e empurrados junto com Wilson a um novo local e uma nova vida. Muitos planos são fechados e próximos dos corpos dos atores, dando uma camada sensorial a pele e a textura desses corpos, tornando essa aproximação extremamente invasiva e grotesca, esse sentimento fica mais evidente após as cenas de cirurgia plástica que muda completamente o rosto de Arthur.

Este filme nos apresenta diversas críticas e interpretações do sonho americano, o objetivo de vida de Arthur era realizar esse sonho. Ter um bom emprego, uma esposa e uma filha foram objetivos criados e impostos pela sociedade, a realização disso o liberta mas também o aterroriza.

Os espectadores podem se identificar facilmente com esta trama, ao decorrer de nossas vidas é bastante comum se sentirmos desamparados e desconectados com os rumos que tomamos ao decorrer da nossa trajetória, é fácil pensar que: “Tudo seria mais fácil se eu tivesse outra vida”. Mas será que seria mais fácil mesmo? Ou este pensamento é apenas um mecanismo de escape da realidade? É fácil se distrair nessas realidades paralelas e perder o sentido da vida, é importante se manter motivado e ter a noção de nunca é tarde para perseguir outra carreira, outros objetivos, sonhos podem mudar a qualquer momento. Não estamos sujeitos a um molde, estamos sempre predispostos a uma mudança evolutiva de nossos pensamentos e caráter. Frankenheimer fez um ótimo filme, com uma história e montagem extremamente atemporal, que infelizmente não teve a atenção que realmente merece. 

VÁ E VEJA (1985)

 


MARIA JAQUELINE LIMA DA SILVA 

Dirigido por Elem Klimov, o filme segue Flyora, um adolescente bielorrusso que, em 1943, deseja ardentemente se juntar aos partisans soviéticos para lutar contra os invasores nazistas. Apesar das súplicas de sua mãe, ele consegue se juntar ao movimento de resistência. No entanto, o que ele encontra não é a aventura ou a glória que imaginava, mas um pesadelo de carnificina inimaginável e crueldade. O filme é uma descida gradual e aterrorizante à loucura da guerra, vista pelos olhos de um jovem que perde progressivamente sua inocência e humanidade diante da violência extrema. A face de Flyora, interpretado por Aleksei Kravchenko, vai se transformando dramaticamente ao longo do filme, mostrando o custo psicológico e físico da guerra.

O filme se distingue de outros filmes de guerra com sua abordagem quase experimental e imersiva forçando o espectador a sentir o horror através de uma experiência sensorial avassaladora. O design de som é crucial para o filme, o áudio foi manipulado de forma brilhante, alternando entre o silêncio ensurdecedor que precede a catástrofe e uma cacofonia de tiros, gritos e zumbidos que evocam o estado de choque e desorientação de Flyora. Algumas cenas são baseadas em eventos reais e memórias do co-roteirista Ales Adamovich, que servem de testemunho da desumanização que foi o período da Segunda Guerra Mundial.   

Em algumas cenas o ritmo se torna lento ou esticado, mas é de total intenção do diretor, para quem não está acostumado com este tipo de filme pode ser um teste de paciência para alguns espectadores. A sua representação da violência e do trauma pode ser avassaladora e exaustiva, quando acompanhamos Flyora em meio às atrocidades e sua descida à loucura, provoca desconforto e angústia, nos forçando a refletir sobre a capacidade humana para a crueldade e a resiliência diante do sofrimento inimaginável. É uma experiência que pode persistir na mente por muito tempo.

Vá e Veja é uma experiência cinematográfica essencial, uma obra-prima anti-guerra na visão intransigente de Elem Klimov, que deixa uma marca indelével na mente do espectador. É um filme que não apenas nos pede para ver, mas para sentir, lembrar e nunca esquecer.  

 

Ainda Estou Aqui 2

 


Diogo Bertolin


A obra que trouxe ao Brasil, o seu primeiro Oscar de melhor filme internacional conta a história da família Paiva, moradores do Rio de Janeiro nos anos 70, período da ditadura no país trazendo destaque para Eunice Paiva, que teve que lidar com o “sumiço do marido” e seguir sua vida lutando por justiça, cuidando de sua família sozinha. 

A família Paiva, vivia na medida do possível bem durante a ditadura militar, Rubens e Eunice tentavam ao máximo fazer com que seus filhos sentissem o mínimo possível desse período tão cruel. O que a esposa e os filhos não imaginavam era que Rubens junto de alguns amigos ajudavam pessoas presas pela ditadura a manterem contato com suas famílias, fazendo a entrega de cartas para os familiares sem que os militares soubessem. 

Mas essa atitude tão nobre e importante de Rubens, chegou aos militares que o levaram a princípio para um depoimento, porém foram se passando dias, semanas e Eunice cada vez mais aflita sem o retorno do marido, depois de muita procura por respostas a notícia infelizmente chegou da morte de Rubens Paiva. A partir desse momento, a obra traz toda a luta e força de Eunice Paiva, para criar os filhos nesse período e sempre manter o legado de Rubens vivo. 

O filme, é inspirado no livro de Marcelo Rubens Paiva que é filho do casal, o longa tem características marcantes com uma narrativa sensível, por se tratar de um acontecimento que causou grandes traumas em muitas famílias por todo o Brasil e ele conseguiu trazer esses momentos chocantes de prisões e torturas sem precisar mostrar imagens explícitas das torturas, por exemplo. Mas o momento é sentido pelo espectador no destaque do sofrimento e na dor dos familiares. 

A obra tem uma excelente filmagem porque diversifica muito bem momentos com planos fixos e a câmera na mão para trazer dinamicidade e imersão para o telespectador acompanhar a movimentação dos atores. O figurino condizente com o período dos anos 70 e traz uma dualidade na história muito importante entre a beleza do Rio de Janeiro e a tristeza dos acontecimentos da ditadura, como exemplo momentos que a família estava na praia com destaque para as belezas naturais, contudo sobrevoava o céu helicópteros dos militares observando o local. 

São por aspectos como esse e pela excelente atuação de Fernanda Torres e Selton Mello, que interpretaram com excelência Rubens e Eunice trazendo o telespectador para dentro da história, por isso, a obra foi e com razão muito bem premiada. 

Adoráveis Mulheres (2019), de Greta Gerwig

Mayara Hellena Faustino Siqueira


Greta Gerwig não apenas adaptou Little Women; ela o reinventou com uma sensibilidade que pulsa em cada cena. Seu filme é uma carta de amor à arte de contar histórias, às mulheres que ousam sonhar e aos lares que nos moldam. Lançado em 2019, Adoráveis Mulheres é muito mais do que uma história de época: é um retrato atemporal da juventude, das escolhas e das emoções que atravessam os séculos.

A trama acompanha as irmãs Jo, Meg, Beth e Amy crescendo durante a Guerra Civil nos Estados Unidos, cada uma com suas vontades, dores e trajetórias únicas. O grande trunfo de Gerwig está na forma como ela reconstrói a narrativa, misturando passado e presente, memórias e desejos, de maneira fluida e afetiva. Ao invés de seguir a ordem cronológica do livro de Louisa May Alcott, a diretora opta por um mosaico emocional, onde as lembranças ganham cor quente e o presente, tons frios, uma escolha estética que diz muito sobre a nostalgia e a saudade.

Saoirse Ronan, como Jo March, entrega uma atuação vibrante e crua, dando voz a uma mulher que ama intensamente, que quer ser escritora e dona de seu próprio destino. Florence Pugh brilha como Amy, talvez a personagem que mais se transforma, deixando de ser apenas a mimada para se tornar uma mulher complexa e sensível. O elenco é coeso, afiado, e cada irmã brilha em sua própria luz.

Mais do que tudo, Greta faz de Adoráveis Mulheres uma história sobre autoria. Quem escreve sua história? Quem decide o que vale ser contado? Jo, no desfecho do filme, não escolhe apenas um final: ela escolhe poder. Escolhe narrar sua vida com as próprias mãos. É cinema que emociona não só pela beleza visual, mas pela delicadeza com que trata temas como amadurecimento, ambição, família, feminismo e amor.

Assistir a Adoráveis Mulheres é como folhear um diário antigo, mas com a impressão de que ele poderia ter sido escrito hoje. É um filme que aquece e inquieta. Que acolhe e desafia. Um clássico moderno, profundamente humano.

A Felicidade Não Se Compra

Friedda Antonia Lopes dos Santos 

 A “Felicidade Não Se Compra” pode parecer só mais um filme de Natal, mas vai muito além disso. Frank Capra usa essa história para criticar o individualismo e o capitalismo americano, colocando em foco um personagem comum que carrega o peso de escolhas que não foram só dele. George Bailey, interpretado por James Stewart, é um homem que sempre abriu mão dos próprios sonhos pelo bem dos outros e que, por isso, chega à beira do desespero. 

O anjo Clarence entra em cena não só como elemento fantasioso, mas como uma metáfora poderosa. Ele mostra a George e ao público o impacto que uma única vida pode ter numa comunidade inteira. O mais interessante é que essa viagem "mágica" não serve para fugir da realidade, mas para escancarar como o mundo seria pior sem solidariedade. 

A estética do filme muda radicalmente quando vemos a cidade sem George. A fotografia fica mais escura, os rostos mais duros, e tudo perde o brilho. É como se Capra dissesse que o mundo só funciona quando as pessoas se importam umas com as outras. 

O roteiro e a direção equilibram bem o drama e a fantasia. As cenas dentro da casa de George e Mary, por exemplo, são intimistas e apertadas, reforçando a pressão que ele sente o tempo todo. Mary, aliás, é mais do que apenas “a esposa do protagonista”. Ela tem papel ativo na reconstrução da cidade e na manutenção da esperança. 

Mesmo sendo um filme de 1946, muitos dos seus temas ainda fazem sentido hoje. A crítica à ganância, o valor da comunidade e a noção de que ninguém está sozinho são ideias universais. Por outro lado, é preciso notar que a obra reflete as limitações da época, como a ausência de diversidade no elenco. 

No fim das contas, A Felicidade Não Se Compra é um lembrete de que nossas ações, por menores que pareçam, podem transformar a vida de muita gente. É um filme que emociona, mas também provoca reflexão sobre o que realmente importa, especialmente em tempos tão individualistas como os de hoje.