Júlio Flávio do Nascimento Borges
O Segundo Rosto, ou Seconds, no seu título original. É um filme de ficção científica, mistério e de certa forma terror. A obra conta a história de um bancário de meia idade chamado Arthur Hamilton, ele tem uma vida estável, tem uma filha e convive com sua esposa todos os dias, contudo, ele não parece estar contente com o rumo que sua vida tomou. A oportunidade para mudar isso surge de repente, quando uma companhia especializada em recriar de maneira profissional uma nova identidade e aparência, além de falsificar sua morte o convida para ser um de seus inúmeros clientes.
A oportunidade de ter uma nova chance na vida vem com um preço cujo o terror não é sequer cogitado pela mente de Arthur quando o mesmo avalia a oferta. Ele havia sido empurrado àquela situação, mas não pelo seu amigo, que o convidou para essa empreitada na noite anterior, ou pela companhia que o drogou e o fez encenar um estupro para chantagear ele a participar do programa, mas sim pela forma indiferente e sem esperança como que ele vivia todos os dias. E então, sem ter muita escolha, ele aceita fazer o procedimento cirúrgico e morre para renascer como um novo homem.
A partir deste momento, Arthur deixa de existir e passa a ser Antiochus Wilson, um pintor renomado, com diplomas e uma reputação de prestígio. Ele tem novos dentes, novas impressões digitais, um novo rosto, cabelos escuros e um corpo mais esbelto, tudo isso após meses de condicionamento e recuperação, afinal, não é tão fácil assim se recuperar de uma cirurgia. A companhia havia tomado conta de tudo, ela havia escolhido o lugar em que moraria, seus vizinhos e suas faculdades. De forma irônica, o bendito recomeço já havia sido começado por outro alguém.
A fotografia e a montagem deste filme são peças fundamentais para o contar desta história, desde o começo do filme é evidente o quão experimental e estranho será o conto apresentado. Como a abertura de créditos bizarra com planos fechados em diferentes partes de um rosto, quase como um ponto de vista de um cirurgião plástico ao observar o paciente que irá ser reformado, ou os close-ups no rosto do ator em movimento que foram bastante inovadores para a época e que são uma tendência atualmente. Os planos em conjunto com a ambientação nos fazem sentir enjaulados e empurrados junto com Wilson a um novo local e uma nova vida. Muitos planos são fechados e próximos dos corpos dos atores, dando uma camada sensorial a pele e a textura desses corpos, tornando essa aproximação extremamente invasiva e grotesca, esse sentimento fica mais evidente após as cenas de cirurgia plástica que muda completamente o rosto de Arthur.
Este filme nos apresenta diversas críticas e interpretações do sonho americano, o objetivo de vida de Arthur era realizar esse sonho. Ter um bom emprego, uma esposa e uma filha foram objetivos criados e impostos pela sociedade, a realização disso o liberta mas também o aterroriza.
Os espectadores podem se identificar facilmente com esta trama, ao decorrer de nossas vidas é bastante comum se sentirmos desamparados e desconectados com os rumos que tomamos ao decorrer da nossa trajetória, é fácil pensar que: “Tudo seria mais fácil se eu tivesse outra vida”. Mas será que seria mais fácil mesmo? Ou este pensamento é apenas um mecanismo de escape da realidade? É fácil se distrair nessas realidades paralelas e perder o sentido da vida, é importante se manter motivado e ter a noção de nunca é tarde para perseguir outra carreira, outros objetivos, sonhos podem mudar a qualquer momento. Não estamos sujeitos a um molde, estamos sempre predispostos a uma mudança evolutiva de nossos pensamentos e caráter. Frankenheimer fez um ótimo filme, com uma história e montagem extremamente atemporal, que infelizmente não teve a atenção que realmente merece.