segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Educomunicação

 


UMA NOVA FILOSOFIA PEDAGÓGICA


Marcelo Bolshaw Gomes 

1. Introdução

A ‘Educação Midiática’ é um movimento mundial contemporâneo, que se desenvolve em vários países com características específicas. Em comum, a necessidade de uma adequação institucional entre mídia e escola, ou ainda entre a mídia e o aprendizado social (dentro e fora do entorno escolar).  A educação midiática, também conhecida como alfabetização midiática, refere-se à capacidade de analisar, avaliar e compreender criticamente os meios de comunicação e suas mensagens. Em um mundo cada vez mais saturado de informações provenientes de várias fontes, a educação midiática tornou-se uma habilidade essencial para os indivíduos navegarem com sucesso na sociedade contemporânea. 

A educação midiática envolve o desenvolvimento de habilidades para acessar, analisar, avaliar e criar mensagens em uma variedade de formas de mídia, incluindo notícias, publicidade, entretenimento, redes sociais e outras plataformas. O objetivo principal da educação midiática é capacitar os indivíduos a serem consumidores críticos e produtores responsáveis de conteúdo midiático. Isso inclui a compreensão de como as mensagens são construídas, quem as produz, como são distribuídas e quais impactos podem ter na sociedade. A educação midiática desenvolve habilidades como análise crítica, pensamento crítico, interpretação de mensagens, reconhecimento de viés, discernimento entre fatos e opiniões, e habilidades de produção de mídia. 

Os currículos de educação midiática podem abordar uma variedade de tópicos, incluindo ética na comunicação, diversidade e representação na mídia, alfabetização digital, segurança online e compreensão de como as plataformas de mídia funcionam. Com a predominância da comunicação digital, a educação midiática frequentemente se concentra em questões relacionadas à internet, redes sociais, notícias online, desinformação e fake news.

A educação midiática também enfatiza a importância da representação inclusiva de grupos diversos na mídia, promovendo a compreensão da diversidade cultural, étnica, de gênero e outros aspectos da sociedade. A ideia de ‘igualdade’ é equitativa e proporcional, não subtraindo as diferenças ou impondo maiorias em nome do coletivo. 

Muitos sistemas educacionais incorporaram a educação midiática em seus currículos, abordando essas habilidades em disciplinas como literatura, ciências sociais e até mesmo em aulas específicas de educação midiática. Através da educação midiática, os indivíduos são capacitados a tomar decisões informadas, a questionar fontes de informação e a participar ativamente na sociedade digital. A educação midiática é fundamental para equipar as pessoas com as habilidades necessárias para participar de forma crítica e consciente na era da informação, onde o acesso à mídia é ubíquo e as mensagens são abundantes e variadas. Sem tais habilidades cognitivas e tecnológicas para vida midiática, a pessoa será culturalmente excluída e relegada socialmente a condição de subalterno, não apenas do ponto de vista econômico, pela exploração do trabalho manual, mas, sobretudo, pela reprodução das desigualdades sociais em todos os níveis. 

A difusão das tecnologias da informação não resultou e não resultará em desemprego. Mas, as relações sociais entre o capital e o trabalho sofreram uma transformação profunda. A mão-de-obra está desagregada em seu desempenho, fragmentada em sua organização, diversificada em sua existência e dividida em sua ação coletiva. Capital e trabalho tendem cada vez mais a existir em diferentes espaços e tempos: o espaço de fluxos e o espaço dos lugares, tempo instantâneo de redes computadorizadas versus tempo cronológico da vida cotidiana. O Capital é global; o trabalho, local (Castells,1999, p. 499).

A educação midiática é importante tanto para que o capitalismo global forme as elites de diferentes países como também para os que lutam ampliação democrática da atual sociedade de redes. Entre as correntes progressistas da Educação Midiática atual, o movimento latino-americano da Educomunicação ocupa lugar de destaque. 


2. Educomunicação

O argentino Mario Kaplún (1998) desenvolveu, na década de 70, experiências de rádio e TV críticos e participativos com comunidades agrícolas. A iniciativa atesta a característica política do movimento latino (Bona; Conteçote; Costa, 2007). 

Barbas (2012), inspirada em Paulo Freire, enfatiza o caráter dialógico da Educomunicação, atribuindo a esta a capacidade, por meio do intercâmbio simbólico, de construção coletiva, colaborativa, participativa, criativa e transformadora. A Educomunicação é ainda um paradigma teórico de orientação de práticas sócio-educativo-comunicacionais, com o objetivo de criar e fortalecer ecossistemas comunicativos abertos e democráticos nos espaços educativos; é a interface Comunicação/Educação, constituindo-se como um campo transdisciplinar dialógico .

Conjunto de conhecimentos e ações que visam desenvolver Ecossistemas comunicativos abertos, democráticos e criativos em espaços culturais, midiáticos e educativos formais (escolares), não formais (desenvolvidos por ONGs) e informais (meios de comunicação voltados para a educação), mediados pelas linguagens e recursos da comunicação, das artes e tecnologias da informação, garantindo-se as condições para a aprendizagem e o exercício prático da liberdade de expressão (ABL, 2024).

Soares (2005, 2008, 2014, 2018, 2000, 2020, 2022) é o principal pesquisador responsável pelo desenvolvimento da Educomunicação, tanto como teoria (adaptando os conceitos de ‘autonomia’ de Paulo Freire, de ‘dialogia’ de Mikhail Bakhtin e de ‘mediação’ de Jesus Martin-Barbero) quanto como prática pedagógica, principalmente através do curso de licenciatura da USP  e da rede municipal de ensino de São Paulo . Exemplos práticos de Educomunicação são o uso de rádio escola, web rádio virtual, jornal comunitário, videogames didáticos, softwares de aprendizagem on-line, podcast, blogs, fotografia, produção de notícias para veiculação em mídias comunitários.

O movimento corresponde há quatro demandas atuais (Almeida, 2024, p. 11):

a) em âmbito internacional, os media studies, chamados aqui no Brasil de mídia-educação ou educação para a mídia, que subsidiam os estudos educomunicativos na”;

b) a pedagogia da comunicação, que congrega textos e autores (como Freinet, Vygostky, entre outros) que problematizam a influência entre os dois campos;

c) arte-educação, reunindo textos do campo das artes e da educação, servindo de base para a área de expressão comunicativa por meio da arte; e

d) gestão da comunicação, deriva da interseção entre disciplinas da administração (como marketing) e da comunicação social (relações públicas e publicidade).

O uso de tecnologia para fins educacionais de formas equivocadas - como a EAD (a educação tradicional a distância com turmas gigantes) e a gamificação que se utiliza da ludicidade para formar pessoas competitivas – não tem nada de ‘libertadoras’, são adaptações da tecnologia da comunicação para o aperfeiçoamento do status quo. Não se trata de como usar o celular na sala de aula, mas, sim, de como usar o celular para mudar os hábitos, de como usar a tecnologia para se libertar do enquadramento social e não de ser melhor condicionado socialmente através de máquinas. Apenas incorporando as pedagogias voltadas para o desenvolvimento cognitivo (Montessori, em relação à motricidade; Vygotsky, em relação às interações; Freinet, em relação à comunicação) pode-se pensar em tecnologia na educação. 

A Educomunicação é bastante diferente das chamadas Tecnologia de Informações e Comunicação (TIC). As TIC veem a comunicação (as “mídias sociais”) de forma instrumental, colocando ênfase nos conteúdos e efeitos produzidos em uma estratégia para tornar o aprendizado mais atraente para o aluno. A TIC substitui o quadro negro pelo telão interativo como ferramenta. Já a Educomunicação coloca a sua ênfase no processo construtivista, em que o aluno incorpora a tecnologia a si e é sujeito do conhecimento que produz. 

Do ponto de vista teórico, a dois pontos que considero importantes de ressaltar: o conceito de ‘ecossistema educacional’ e a prática de ‘intervenções pedagógicas’ coletivas em escolas, comunidades e instituições. 


3. Ecossistema educacional

O conceito de sistema mudou muito no decorrer do tempo. De um “espaço em que os elementos interagem entre si” do funcionalismo (Parsons) para um “conjunto de relações auto organizadas para autonomia em relação ao exterior” (Maturana e Luhmann), houve um longo percurso. No começo, os sistemas tendiam à homeostase, ao equilíbrio interno. Com a cibernética, os sistemas se organizavam contra a entropia, para resistir ao caos. Hoje, a autopoesis - a autonomia sistêmica através da auto-eco-organização (da complexidade internas de seus feedbacks e da diversificação de entradas e saídas) - é o objetivo dos sistemas. É o que faz de sistema, sistema. 

Nesse novo paradigma, todos os fatores estão conectados, os sistemas não se excluem. Aliás, a diferença entre um sistema e outro, é apenas de perspectiva e ênfase, uma vez que se trata de uma única realidade. A ideia de um ecossistema educacional, por exemplo, não se limita as instituições escolares, mas também observa o aprendizado social em outros ambientes, como a família e a comunidade. Até mesmo instituições de outros sistemas (econômicas, repressivas, mídia) participam indiretamente através de restrições (perdas, punições, constrangimentos) e de incentivos (financeiros, culturais, simbólicos) do ecossistema educacional. O ecossistema é complexo e integral. Ele faz parte de outros ecossistemas e outros ecossistemas podem ter interseções com ele. 

O ecossistema de uma escola municipal faz parte dos ecossistemas comunitário, regional, nacional e global. Também faz parte do ecossistema de ensino como um todo, que envolve as secretarias municipal e estadual, a rede privada do local, as universidades, o ministério da educação e vários institutos. 

Além de fazer parte de outros ecossistemas maiores, existem ainda acoplamentos estruturais, conexões horizontais entre sistemas. A própria ideia de ‘Educomunicação’ é ecossistemática, porque representa uma prática de interface transversal (e interseção) entre dois sistemas com objetivos distintos. 

Muitas conexões sistêmicas não são evidentes. A cultura, por exemplo, é um dos fatores invisíveis mais importantes para entender o ecossistema educacional. Pode-se observar sua influência tanto em relação aos professores (se têm uma cultura de excelência ou de sobrevivência em relação à formação continuada) e das famílias dos alunos (em termos de formação e acesso à informação).

Qualquer espaço de interação que gere aprendizado podem ser considerado ‘ecossistema educacional’. Uma cozinha, um time de futebol, uma família. Porém, a classificação clássica é que existem ecossistemas escolares, comunitários e corporativos. Para Educomunicação, o ecossistema educacional deve ser um ambiente de aprendizagem que valorize a individualidade e promova a autonomia e engajamento crítico dos alunos. A ideia central é que, através de intervenções pedagógicas e midiáticas, possa-se melhorar os ecossistemas educativos. 


4. A intervenção educomunicativa

A Educomunicação é uma abordagem que integra processos de comunicação e educação para promover o aprendizado de forma colaborativa e participativa. As intervenções educomunicativas são ações socioculturais que visam atuar em situações de conflito e desigualdade. O objetivo, mais do que ensinar, é conscientizar as pessoas do contexto e torna-las protagonistas de suas próprias vidas. Eis porque se considera herdeira de Paulo Freire. Ele também utilizava o letramento alfabético como uma ferramenta necessária à conscientização do contexto social. Hoje, alguns exemplos das ferramentas da intervenção educomunicativa são: Rádio escola, Web rádio virtual, Jornal comunitário, Videogames, Softwares de aprendizagem on-line, Podcasts, Blogs e Fotografia. Todas essas técnicas de letramento midiático, no entanto, não visam apenas a constituição de uma competência midiática , mas são sobretudo constitutivas de uma formação cidadã dos alunos. 

Existem, conforme Soares (2014c, sete áreas simultâneas de intervenção Educomunicativa: 1) Educação para a Comunicação (EC); 2) Pedagogia da Comunicação (PC); 3) Gestão da Comunicação (GC); 4) Mediação Tecnológica na Educação (MTE); 5) Produção Midiática Educativa (PME); 6) Expressão Comunicativa através da Arte (ECA); e 7) epistemologia da Educomunicação (EE). Recentemente se apresentou a proposta de duas novas áreas de intervenção: educação para a Transcendência e Direitos Humanos (Almeida, p. 22).

O primeiro passo é o Diagnóstico. Problemas como violência escolar e dificuldades de convivência são diagnósticos inadequados. O ideal é começar a partir de um levantamento de dados (como, por exemplo, a quantidade e locais de brigas ocorridas). O diagnóstico tem um efeito terapêutico realizado a partir de falas dos envolvidos e também utilizando rodas de conversa para levantar como o problema está ocorrendo. Porém, o mais importante é o mapeamento dos fluxos de comunicação do ecossistema. Onde não há comunicação? Quais conflitos precisam se tornar diálogos? Quais problemas são estruturais e quais são apenas passageiros?

A segunda etapa é o Planejamento. Para tanto, é preciso escrever um projeto de intervenção detalhando três aspectos.

Apresentação consiste em elucidar o problema, que deverá ser esmiuçado a partir do diagnóstico. Assim, essa etapa do projeto é apenas uma pequena explicação do que está acontecendo e dos motivos pelos quais é preciso realizar a intervenção.

Intervenção pedagógica é formada pelas ações que se pretende fazer para modificar a situação apresentada. São utilizadas aqui as sete áreas de intervenção.

Metodologia É preciso traçar Objetivos (semestrais e anuais) para serem realizados, bem como quantifica-los em Metas e elaborar Estratégias de como realiza-los. Também é necessário um Cronograma - para indicar em quanto tempo o projeto será realizado e quando será colocada em prática cada uma das etapas 

A terceira fase do projeto corresponde a Execução das Ações e a observação de seus resultados imediatos; e a quarta e última etapa é a Avaliação. Além de analisar os parâmetros da Metodologia (Objetivos, Metas, Estratégias e Prazos) em relação às sete áreas de intervenção, uma avaliação educomunicativa deve auferir ganhos e perdas simbólicos na auto-organização do ecossistema, deve ser uma auto avaliação coletiva, com ampla participação na análise e interpretação dos resultados. 

A intervenção educomunicativa NÃO é uma interdição, uma invasão, uma imposição ou uma interrupção nos processos institucionais. Ela atua esclarecendo os problemas e oferecendo alternativas, acrescentando mais que corrigindo. 

E há ainda os três grandes campos institucionais de aplicação da Educomunicação (Almeida, p. 20):  a escola, a mídia e o terceiro setor.

EDUCOMUNICAÇÃO CORPORATIVA – A utilização das estratégias da Educomunicação nas empresas e instituições governamentais. A Educomunicação socioambiental foi resultante de um trabalho corporativo no ministério do meio ambiente. 

EDUCOMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA – A utilização das estratégias da Educomunicação não apenas em comunidades territoriais, mas também em sindicatos, associações, movimentos sociais. 

EDUCOMUNICAÇÃO ESCOLAR – A utilização das estratégias da Educomunicação no ensino médio, no ensino básico, no ensino superior, como também em cursos livres de teatro, dança, línguas, etc. 

Essas sete áreas de atuação são aplicadas, de modo diferente e desigual, a cada campo institucional. Assim, no ambiente corporativo, a GC e a PME podem ser mais importantes; no espaço comunitário, as áreas de atuação de EC da ECA são mais comuns; enquanto PC e EE são assuntos mais voltados para o campo educacional. 

Porém, de uma forma geral, a GC trata de como o comunicação é administrada pela organização, quanto se gasta com comunicação, quais os recursos disponíveis, quais são subutilizados. Além de um diagnóstico específico, cada área tem também um planejamento e uma avaliação próprias. A TME trata de como a organização utiliza a tecnologia: existem redes? O treinamento é audiovisual? Quais são os clientes (outputs) e fornecedores (inputs) do ecossistema? A PME e ECA muitas vezes surgem como soluções para os problemas encontrados: criar um mural na frente da sala do diretor, um grupo de zap para os professores, um jornal da escola para os pais, conteúdo audiovisual para as aulas, um podcast para disciplina tal. A expressão comunicativa através da arte e a produção midiática devem responder as demandas ou as ausências de comunicação. EE, EC e PC são áreas mais informativas. A Epistemologia representa ações de divulgação dos conceitos e da teoria da Educomunicação, para que os integrantes da organização saibam do que se trata. Já a Educação para Comunicação é trata de ensinar a assistir criticamente à mídia; e, no sentido contrário, a Pedagogia enfatiza o lado comunicacional do aprendizado e a necessidade de treinamento. 


5. Considerações finais

Existem várias iniciativas globais e locais que promovem a educação midiática. Essas iniciativas visam desenvolver habilidades críticas em relação ao consumo e produção de mídia, capacitando as pessoas a navegar no mundo da informação de maneira mais consciente. Algumas iniciativas incluem: Media Smarts (Canadá) ; Media Literacy Now (Estados Unidos); BBC Own It (um aplicativo do Reino Unido);  MediaWise (organização Internacional sem fins lucrativos); Digital Citizenship Education (Europa).  Center for Media Literacy (Estados Unidos);  #ThinkBeforeSharing (Filipinas): Edukasi Media (Indonésia). Essas iniciativas são exemplos de esforços em todo o mundo para promover a educação midiática em diversas comunidades. Elas variam em escopo, público-alvo e abordagem, mas compartilham o objetivo comum de capacitar as pessoas a se tornarem consumidores críticos e participantes responsáveis na era digital.

A Educação Midiática é estratégica em relação a inclusão social. Inclusão dos portadores de deficiência de diferentes tipos, uma vez que a tecnologia abre a possibilidade de sua integração plena, como também no sentido de diversidade cultural de nosso país, para que não se reproduzam culturalmente desigualdades sociais.

Para tanto, a formação inicial e continuada de professores que atuam na educação brasileira precisa ser preparada. A midiatização da escola começa com a de seus professores e gestores. E essa é a missão da Educomunicação: a midiatização escolar. Ou melhor a inclusão da escola em uma sociedade midiatizada. Seu objetivo é formar profissionais que atuem como agentes dessa midiatização. 

Enquanto a Educação Midiática em geral trata de treinar alunos para conviver criticamente com a mídia, a Educomunicação abrange ainda três áreas distintas conexas: a TEM (mediações externas e internas, redes e bancos de dados), a ECA (Arte-Educação) e a GC (treinamento audiovisual e marketing). Não se trata apenas de educação para mídia, mas também de desenvolver habilidades técnicas, artísticas e administrativas. 

No Brasil, como dissemos, as principais iniciativas visando promover a Educação Midiática, capacitando indivíduos a compreender, analisar criticamente e utilizar de forma consciente os meios de comunicação, são de cunho educomunicacional: Licenciatura em Educomunicação, na ECA-USP; Bacharelado em Educomunicação, da Universidade Federal de Campina Grande; Coleção Educomunicação, da editora Paulinas; Série Comunicação e Educação, da editora Editus; Revista Comunicação & Educação; Grupo de Pesquisa em Educomunicação, da Associação Ibero-Americana de Comunicação (Assibercom / Ibercom); Lei nº 13.941, de 29 de dezembro de 20046, instituidora, no município de São Paulo, do programa Educom: Educomunicação pelas ondas do rádio; Programa Mais Educação, que abre espaço, entre as suas dez áreas de atividades opcionais, para as escolas desejosas de participar do programa Ensino Médio Inovador, introduzindo o “macrocampo Educomunicação”; e A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que proclama a necessidade de se pensar as relações entre comunicação e educação. 

Em âmbito nacional, nos últimos 20 anos, foram publicadas 291 investigações específicas sobre Educomunicação. O banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), fundada pelo Ministério da Educação (MEC), informa que, nos últimos 20 anos, foram publicados 37 trabalhos de pós-doutorado, 41 teses de doutorado e 213 dissertações de mestrado, num total de 291 investigações sobre Educomunicação. 

O conjunto de teses foi produzido em 90 programas de pós-graduação, em áreas como educação, comunicação, psicologia, informática, entre outras, em 87 universidades de todo o país . Entre o ano de 2000 e 2014, foram defendidas, 110 dissertações e teses doutorais sobre o conceito, em centros de pós-graduação em Comunicação, em Educação e nas diferentes áreas das Ciências Humanas e Sociais . Também ressalte-se a importância estratégica para o entrelaçamento da produção ibero-americana sobre Comunicação/Educação de revistas especializadas como “Comunicar” (Grupo Comunicar, 1993); “Comunicação & Educação” (Universidade de São Paulo, Brasil, 1994) e “Aularia” (Grupo Comunicar, 2012).

“A sociedade civil criou a Educomunicação e a academia a sistematizou”. A Educomunicação não é uma pedagogia ou uma metodologia de ensino. Ela é uma filosofia, uma prática social e um movimento. A Educomunicação é uma área que nasce motivada por determinado quadro histórico, aquele no qual vicejavam as ditaduras latino-americanas dos anos 1960. Ela é um continuação da filosofia pedagógica freiriana, trabalhando com alfabetização das linguagens para despertar a consciência do contexto. 


Referências

ABL. Educomunicação. Disponível em: https://www.academia.org.br/nossa-lingua/nova-palavra/educomunicacao . Acesso em: 21mar. 2024.

AGUADED, I.; SANTOS, V. M.; CHIBÁS-ORTIZ, F.; VIZCAÍNO-VERDÚ, A. (Coords.) Currículo Alfamed de formação de professores em educação midiática. Instituto Palavra Aberta/Alfamed. 2021.

ALMEIDA, Lígia Beatriz Carvalho de. Projetos de intervenção em educomunicação [recurso eletrônico].  Campina Grande: EDUFCG, 2024.

APARICI, R. (Coord.) Educomunicación: más allá del 2.0. Barcelona: Gedisa, 2010.

BARBAS, A. Educomunicación: desarrollo, enfoques y desafíos en un mundo interconectado. Foro de Educación, n. 14, p. 157-175, 2012.

BONA, N.; CONTEÇOTE, M. L.; COSTA, L. Kaplún e a comunicação popular. Anuário Unesco/Metodista de comunicação regional, Ano 11, n.11, p. 169-184, jan./dez. 2007.

CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura - a sociedade em rede. Volume 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

KAPLÚN, M. Una pedagogía de la comunicación. Madrid: Ediciones de la Torre, 1998.

SOARES, Ismar de Oliveira. Concepção dialógica e as NTICs: a educomunicação e os ecossistemas comunicativos. NCE- Núcleo de Comunicação e Educação ECA/USP, São Paulo, 2005. Disponível em: < https://pt.scribd.com/document/81445957/CONCEPCAO-DIALOGICA-E-AS-NTICS-A-EDUCOMUNICACAO-E-OS-ECOSSISTEMAS-COMUNICATIVOS  > 

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_______  “Educomunicação, paradigma indispensável à renovação curricular no ensino básico no Brasil”, in Comunicação & Educação, Ano XXIII, número 1, jan./jun. 2018, pg 07-24. https://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/144832 

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______ “Comunicação e Educação no contexto da crise das instituições paradigmáticas: a emergência da educomunicação”, in PRATA, Nair e PESSOA, Sônia Caldas (orgs). Fluxos comunicacionais e crise da democracia. São Paulo, Intercom,2020, pg. 44-63. ISBN: 978-65-990485-4-8. Acesso: http://www.portcom.intercom.org.br/ebooks/arquivos/fluxos30112020.pdf  

______ “Comunicação e a pedagogia libertadora de Paulo Freire”, in PRATA, NAIR & LIM, Fábia (Orgs) Comunicação e Resistência: práticas de liberdade para a cidadania. São Paulo: Intercom, 2022, pg. 99-121. ISBN 978-85-8208-133-4. Acesso: < http://www.portcom.intercom.org.br/ebooks/arquivos/comunicacao-e-resistencia-praticas-de-liberdade-para-a-cidadania1409.22.pdf  

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Anne With An E

 Ranile Maria da Silva Araújo


Anne With An E é uma série canadense baseada no livro Anne of Green Gables, publicado em 1908 e escrito por Lucy Maud Montgomery. Adaptada e produzida por Moira Walley-Beckett, a série foi lançada no Brasil em 12 de maio de 2017 pela Netflix, contando com 3 temporadas. A história segue Anne (Amybeth McNulty), uma menina órfã que é adotada por engano pelos irmãos Marilla (Geraldine James) e Matthew Cuthbert (R. H. Thomson). Inicialmente, os irmãos buscavam um menino para ajudar nas tarefas da fazenda, pois já estavam em idade avançada.

Embora se passe no final do século XIX e início do século XX, Anne With An E aborda temas de grande relevância social que eram tabus na época, como feminismo, homossexualidade e racismo. A série se destaca por sua capacidade de tratar esses temas de maneira sensível e acessível ao público contemporâneo, sem perder a autenticidade do período em que a trama se desenrola.

O feminismo é uma questão central na série, sendo abordado continuamente através da posição da mulher na sociedade da época. Um exemplo marcante é a personagem da professora, que desafia os padrões ao usar calças e empregar métodos de ensino inovadores. Uma verdadeira revolução, algo definitivamente a frente de seu tempo.

A homossexualidade é outro tema abordado com sensibilidade, revelando como, no contexto da época, as pessoas precisavam esconder sua verdadeira identidade. Personagens como Cole (Cory Gruter-Andrew) e Tia Josephine (Deborah Grover) exemplificam a realidade de muitos que viviam à margem da sociedade devido à sua orientação sexual.

O racismo é explorado através da amizade entre Gilbert (Lucas Jade Zumann) e Sebastian (Dalmar Abuzeid), um homem negro que enfrenta o preconceito dos moradores locais. A série reflete a realidade de uma sociedade ainda marcada pela escravidão e pelas desigualdades raciais, mas também mostra a possibilidade de mudança e aceitação ao longo dos episódios.

Além dos temas profundos, Anne With An E cativa o público com personagens bem desenvolvidos que evoluem significativamente ao longo das temporadas. A chegada de Anne à comunidade de Avonlea provoca uma reflexão coletiva sobre os tabus e valores que moldavam a sociedade da época. O cenário também merece destaque, com as belas paisagens da Ilha do Príncipe Eduardo, no Canadá, que enriquecem a estética da série e contribuem para a imersão do espectador.

Anne With An E é mais do que uma simples história de superação,é uma poderosa lição sobre o poder feminino, a força de vontade,a quebra de padrões e a busca quase utópica pelo seu lugar no mundo. Anne, que antes era órfã e não frequentava a escola, acaba por fazer uma graduação fora da cidade onde mora sua família adotiva. A série, portanto, não é apenas um drama histórico, mas um convite à reflexão sobre temas ainda relevantes.

Com uma abordagem cuidadosa, Anne With An E aborda questões universais de forma envolvente e acessível. É uma série que merece ser vista e revisitada, por sua relevância e impacto emocional.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Modern Family


WENNYA LIMA


 Modern Family é uma série de comédia que foi ao ar de 2009 a 2020, criada por Christopher Lloyd e Steven Levitan. Apresentada no formato de falso documentário, a série acompanha o dia a dia de três núcleos familiares interconectados, todos membros da família Pritchett.Jay Pritchett, o patriarca, é casado com Gloria, uma mulher colombiana muito mais jovem, mãe do pré-adolescente Manny. A filha de Jay, Claire, é casada com Phil, e eles têm três filhos com personalidades distintas. Já Mitchell, o filho de Jay, vive com seu parceiro Cameron e a filha adotiva, Lily, formando uma família homoafetiva.

A série se destaca das demais com o mesmo formato por retratar, com humor e sensibilidade, as complexidades da família contemporânea, abordando temas como diversidade, inclusão e mudança nas dinâmicas tradicionais. A estrutura narrativa, com cortes rápidos e personagens interagindo diretamente com a câmera, permite que o público se conecte de maneira pessoal com os dilemas e as peculiaridades de cada personagem.

A inclusão de uma família homoafetiva, representada por Mitchell e Cameron, foi um avanço significativo para a representação LGBTQIA+ na TV. Episódios como “The Wedding” (Temporadas 5, Episódios 23 e 24), que retrata o casamento de Mitchell e Cameron, foram aclamados por normalizar relações homoafetivas de maneira leve e divertida. A série apresenta o casal enfrentando desafios típicos de qualquer relacionamento, desde inseguranças até o desejo de serem bons pais para Lily, ao mesmo tempo em que lida com os preconceitos sutis e as situações cômicas geradas pela convivência com familiares.

As relações interraciais também são exploradas, principalmente através do casamento entre Jay e Gloria. A série frequentemente aborda as diferenças culturais, como o choque entre as tradições latinas e a visão pragmática de Jay. Em episódios como “Fulgencio” (Temporada 4, Episódio 13), em que Glória deseja dar ao filho um nome tradicional colombiano, e Jay resiste, são explorados os conflitos gerados por diferenças culturais e como eles são resolvidos com empatia e respeito.

Modern Family pode ser vista como uma representação da pluralidade e da transformação das estruturas familiares no século 21. A série desafia a noção da “família tradicional” ao mostrar que laços afetivos, aceitação e amor são os verdadeiros alicerces de uma família, independentemente de formações convencionais. A narrativa destaca que as famílias modernas são formadas por diversidade cultural, orientação sexual e modos de vida que, longe de enfraquecer, enriquecem e fortalecem essas relações.

A combinação de humor e temas sociais relevantes faz de "Modern Family" uma das obras televisivas mais importantes para entender as novas dinâmicas familiares e a maneira como as relações estão se redefinindo no século 21. A série não apenas diverte, mas também educa ao apresentar a diversidade com leveza, mostrando que as diferenças são parte essencial da identidade familiar moderna.

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Raposo


 Fantástico Sr. Raposo (2009) e a celebração do diferente


Vitória Ciro


O Fantástico Sr. Raposo (2009), dirigido pelo aclamado Wes Anderson, é uma animação stop-motion inspirada na obra de mesmo nome de Roald Dahl voltado para o público infantil, mas que também encanta os mais velhos por suas reflexões sobre a vida e relações familiares. No longa conhecemos a vida do Sr. Raposo, um ex ladrão de aves, que após anos vivendo uma vida tranquila com sua família decide mudar e quebra a promessa feita à esposa, realizando um - no caso três - último assalto.

Apesar do ar infantil, a narrativa é repleta de reflexões sobre identidade e laços familiares, retratadas através do protagonista que passa pelo processo de redescobrimento de si e compreende o reflexo de suas ações em seu núcleo familiar. Além disso, insegurança, medo da perda e aceitação são retratados de forma descontraída pelos personagens mais novos, Ash e Kristofferson, filho e sobrinho do protagonista.

A narrativa linear que consegue encantar todas as idades é cativante não apenas por suas mensagens, mas também pela direção e estilo marcante de Wes Anderson, que investe em planos simétricos, movimentos de câmera verticais e horizontais, paleta de cores em tons pastéis e trilha sonora igualmente marcante, produzida por Alexandre Desplat.

Em conclusão, a primeira obra infantil de Wes Anderson é, como o próprio nome diz, fantástica e uma celebração ao diferente e à aceitação de sua verdadeira essência, citado pela Sra. Raposa: “Todos somos (diferentes). Mas tem algo de fantástico nisso, não?”.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Climax


 Igor do Nascimento 


Climax, filme de 2018, dirigido e roteirizado por Gaspar Noé, é uma obra original e diferente das obras atuais que vemos no terror. Dançarinos são contratados para uma turnê e em uma celebração ao final de um dos ensaios, eles descobrem que a bebida da festa estava contaminada com LSD (dietilamida do ácido alérgico), uma substância alucinógena.

O filme conta com uma trilha sonora forte e marcante quase que a trama completa, cores vibrantes e chamativas, principalmente a cor vermelha, que nessa produção trará um sinal de perigo/socorro e que vai se intensificando com o decorrer do filme, uma locação pequena e que nos passa uma sensação de claustrofobia ou de lugar sem saída, coreografias intensas, e várias cenas produzidas em plano sequência, que foi uma das características que deixou a obra conhecida nos festivais de cinema.

O roteiro trata de não desenvolver os seus personagens, mas traz consigo algumas peculiaridades e alguns pontos chaves que quem prestar atenção, perceberá que a apresentação inicial não é algo que foi colocado ali ao acaso. E assim colocando o foco principal em como eles irão se comportar ao descobrir que aquela festa ocasionará em deverás consequências para o grupo, e para seus corpos que até então eram suas ferramentas de trabalho.

Com cenas e performances perturbadoras, núcleos revoltantes e intrigantes, Clímax é capaz de agitar até a mente mais calma e deixá-lo(a) de olhos bem abertos, atento(a) para tudo que pode acontecer numa comemoração que passou a se tornar um dos maiores pesadelos para aqueles dançarinos, e de queda nos presenteia com uma obra educativa sobre o uso excessivo de drogas e seus efeitos colaterais.