quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

FLEABAG


 Rangel Silva 

Criada e estrelada por Phoebe Waller-Bridge, a série ganhou três Emmys na edição de 2019! Original da Amazon Prime Video e em parceria com a BCC, Fleabag é uma série de televisão do Reino Unido de comédia dramática, isso mesmo que você leu. A série fala sobre a vida de uma mulher de 33 anos com desejos sexuais apurados, que está passando por alguns problemas de relacionamento. Sim, a primeira impressão pode ser estranha mas com o passar dos episódios é possível entender a genialidade da história. 

No decorrer da série vemos momentos tão triviais da vida de forma tão leve de ser consumida, vemos momentos em família, romance, sexo, mas tudo isso não é NADA previsível, pelo contrario, os momentos podem ser tão fortes, de maneira dramática ou engraçada - a quebra de quarta parede deixa a personagem mais próxima do espectador - que te surpreenderá! Ao longo da história é possível ver momentos íntimos, incômodos e banais de forma totalmente diferente, vemos a jovem mulher em diversas situações e fazendo comentários que com certeza podem estar na cabeça de qualquer pessoa, mas não são comuns no universo tradicional do audiovisual. O interessante é que nos sentimos tão próximos a personagem sem nem saber o seu nome, a mulher é referida como Fleabag mesmo e nos fala todos os pensamentos mais íntimos que estão na ponta da língua, falas que muitas pessoas jamais teriam coragem de dizer, ela diz! 

A gente espera que a magia de produções audiovisuais estejam em uma história mística, até mesmo fictícia, ou algo bem conceituado, mas em Fleabag vemos os momentos mais reflexivos nas cenas mas comuns. Na cenas de sexo, por exemplo, sem nenhuma contextualização muito romantizada, pelo contrário, elas trazem, através da banalidade, pensamentos que muitas vezes nem são externados. E é seguindo essa linha que vemos a face "”brincalhona" da personagem ir de encontro aos verdadeiros momentos da vida, aos momentos difíceis. 

Nos momentos sinceros e diretos encontramos a comédia e nos momentos reflexivos encontramos o drama, agora ficou mais claro, não? E detalhe: a série possui 2 temporadas, cada temporada com 6 episódios de 30 minutos cada, é fácil demais de maratonar! Corre que está disponível na Prime Vídeo.

Love, Death & Robots



Pedro Henrique Cadó 

Love, Death & Robots é uma série de diversos gêneros que está disponível na Netflix desde março de 2019 e traz para o telespectador um conjunto de animações dos mais diversos estilos (dos desenhos 2D até os mais minuciosos), em seus mais diversos formatos: dos mais infantis até os ultrarrealistas. A excepcionalidade de cada animação, criadas por Tim Miller e David Fincher, é um show à parte e legitima a série como uma das bem mais trabalhadas e produzidas se tratando de animação. E apesar do seu nome, amor, morte e robôs são só três palavras-chave que dão o pontapé inicial na construção de relação e identificação entre aquele que assiste e a série em si. 

A animação traz nos seus 18 episódios diversos temas onde alguns são trabalhados de forma mais recorrente, entre eles, por exemplo, violência, percepção da realidade, o poder do Estado, a liberdade de escolhas do indivíduo, realidades alternativas, distopias, escolhas e consequências são algumas das pautas que aparecem de forma mais evidenciada. Como ela não fica presa à uma narrativa, a série tem a leitura muito fácil de ser interpretada, uma vez que cada episódio independe um do outro, então, cada história traz consigo uma moral que geralmente é configurada num mesmo padrão. Os autores conseguiram construir uma ideia de surpresa sempre nos minutos finais da série, mesmo cada episódio tendo em média 10-15 minutos, o que é bastante admirável. 

Considero, pela forma como os temas foram trabalhados em Love, Death & Robots, pelas criaturas aterrorizantes e pitorescas que a série nos apresenta em alguns episódios, pelas surpresas bizarras que ela nos mostra em outros e pela abordagem e humor sempre ácido, que a série é uma espécie de Black Mirror só que em versão animada. Dos 18 episódios, 2 ou 3 dão a impressão de repetitividade, mas isso tem mais a ver com o traço das animações do que com o recado que cada um quer dar em si. Enfim, em síntese, não importa, a série vai lhe garantir três coisas: a autocrítica, a revolta e, claro, boas risadas.

adaptação

 


Bom Dia Veronica, série da Netflix adaptada do livro homônimo, de autoria de Ilana Casoy e Raphael Montes

Artur José Francisco

Ambientada na São Paulo dos dias atuais, apesar de ter várias referências aos anos 90, narra a saga de Verônica Torres, uma escrivã da Delegacia de Homicídios, durante sua investigação para capturar um predador sexual que cooptava suas vítimas pelas redes sociais, as roubava e humilhava, o que provocou o suicídio de Marta, autora da primeira denúncia. Durante a investigação, Verônica se depara com outro caso, que parece ser somente mais um caso de violência doméstica, mas que ela descobre ser um assassino em série que usa a própria esposa para achar suas vítimas. O suspense é reforçado pelo fato de Carvana, seu chefe, fazer corpo mole em toda investigação e Anita, a investigadora chefe, sempre questionando a utilidade de Verônica, que é uma simples escrivã. E quando ela descobre a identidade do assassino em série tudo fica pior, pois a investigação para completamente. E no desenrolar das investigações, Verônica enfim descobre tudo sobre a morte de sua mãe e a tentativa de suicídio de seu pai (que também era investigador da Polícia e todos acham que está morto), culminando em suas atitudes que ficam como o suspense para a próxima temporada.

Bom Dia Verônica passa por 3 aspectos muito claramente durante toda a trama, a violência contra a mulher; dominação; e corrupção policial. O autor mostra muito bem todo o sadismo do Cel Brandão (excelente atuação de Du Moscovis) junto à Janete, sua esposa e com suas vítimas, apesar de a série deixar muito incipiente que este distúrbio foi causado por algum trauma na infância de Brandão. Os alertas de prevenção contra a violência inseridos nos diálogos também são elementos importantes.

Logicamente que a percepção de um homem assistindo a série será totalmente diferente de uma mulher e, mais ainda, de uma que tenha sofrido algum tipo de violência, mas creio que em todos fica uma sensação de que a vítima tem que procurar ajuda, mas que é muito fácil falar, nem tanto conseguir fazer, como no caso de Janete, em que o marido controlava tudo.

A protagonista da série é a própria Verônica, que também é a narradora da série; classifico como antagonistas o chefe dela, Carvana e o Cel Brandão, sendo o sagrado feminino a Janete. Excelente série que faz com que os espectadores fiquem com aquela sensação de “preciso assistir o próximo episódio”.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

novos deuses


American Gods

Walber Gomes

Deuses Americanos é um romance de Neil Gaiman passado no mundo “real”, onde Shadow Moon personagem interpretado por Ricky Whittle se vê no meio de uma Guerra dos Deuses.

A série traz como produtor executivo o próprio Neil Gaiman e demorou um tempinho para sair. A produção é impecável, o clima de road movie é mantido e o texto foi atualizado, se até os deuses evoluem, o livro também pode ser atualizado para os dias atuais, pois o texto é de 2001.

A história começa quando Shadow, é liberto da prisão alguns dias antes do fim de sua pena, pois sua mulher havia morrido. Shadow descobre que sua mulher morreu num acidente de carro com seu melhor amigo, para ser mais preciso, com o seu melhor amigo do amigo na boca, se é que me entende.

No decorrer da história, Shadow encontra um sujeito do qual recebe uma oferta de emprego como guarda-costas, o sujeito se apresenta como Mr Wednesday, seguindo a trama descobrimos que ele é Odin, o deus supremo da mitologia nórdica.

O primeiro dos deuses antigos chegou ao novo mundo, e muitos foram atrás dele. O autor, conta histórias de deuses muito desconhecidos, como Chernobog, que é uma entidade eslava que foi mencionada em textos do século 12. Na história são mostrados muitos outros deuses e também deuses novos.

Na história os deuses deixam de existir quando o último de seus fiéis morrem. Então os deuses antigos hoje em dia têm apenas uma parte de seus poderes. Como Bilquis, a Rainha de Sabá, que atualmente (na série) trabalha como prostituta e sobrevive das migalhas de adoração de seus clientes (que ela devora durante o ato sexual).

Já os novos deuses são a Globalização, Tecnologia, Mídia, que tem seu poder e alcance em ascensão. Inclusive a Mídia é interpretada por Gillian Anderson, que aparece para Shadow Moon em um videowall, interrompendo um episódio de I Love Lucy. Como Lucille Ball.

A série gira em torno de Odin que pretende reunir os deuses antigos para grande batalha contra os novos deuses, porém, os novos deuses querem trazer Shadow Moon para o seu lado, por algum motivo.

Shadow não se importa, anda sem esperanças, e sem muita pretensão de vida, depois de ter descoberto a outra face de sua esposa. Mas mesmo assim permanece leal a Odin.

A série também mostra os deuses antigos isolados, sem uma ligação direta com a história (O que particularmente eu acho excepcional), como Anúbis recolhendo a alma de uma velhinha e testando sua bondade. E fica a dúvida se todos vão se encontrar no final.

Para quem leu o livro, vai conseguir entender o que está acontecendo e acompanhar a série seguindo a história, porém se não leu não vai entender nada de primeira, mas para nossa sorte, o Shadow Moon também não está entendendo nada, e vamos descobrindo mais o que está acontecendo junto de suas descobertas, ele basicamente é um ateu vendo deuses de verdade surgirem diante de seus olhos.

Com histórias como um Jesus Mexicano entrou nos EUA como ilegal, e Anansi que chega a américa através das orações de um escravo aprisionado em um navio. 

A série segue para sua terceira temporada e é uma obra fantástica que nos leva a outro universo, mesmo se passando no nosso. É fascinante e intrigante, nos prende e nos faz querer saber cada vez mais das histórias e sobre os deuses que nos são apresentados.

o futuro presente agora

ANA LÍVIA PINHEIRO DE MORAIS


 The Handmaids Tale (O Conto da Aia) nos apresenta a República de Gilead, anteriormente o território dos EUA, após o país sofrer uma revolução teocrática e ser governado por radicais cristãos. Nessa sociedade, ambientada em um possível futuro de nossa História, existe um nível considerável de contaminação e poluição atmosféricas; um certo desprezo por religiões e, acima de tudo isso, uma condição de infertilidade que fez com que a taxa de natalidade da população caísse a níveis próximos de zero. Regidos por interpretações exageradas do Velho Testamento, os novos governantes excluem as mulheres da vida em sociedade e as dividem em castas funcionais: as Marthas, são pelos serviços domésticos; as Esposas, administradoras do lar; as Aias, como reprodutoras; e as Tias, senhoras que educam as mulheres para a servidão e submissão. 

Sem direito a opinar, de se expressarem ou mesmo de serem alfabetizadas, as mulheres estão no nível mais baixo da sociedade. Imersa nesse contexto, Offred é uma aia que vai nos contando sua rotina na casa do Comandante, tendo ali a estrita função de lhe dar um filho. O propósito da série não é simplesmente retratar a realidade do mundo, mas apresentar uma perspectiva de futuro assombrosa, ao apresentar uma realidade onde o patriarcado e o radicalismo triunfam em pleno ocidente. 

A violência e opressão sofridas por Offred e todas as aias, ainda que não aconteça em escala governamental, é uma analogia ao que ocorre em muitos lares e relacionamentos abusivos – onde os homens ainda persistem em subjugar ao mulheres, simplesmente por serem aquilo que são. Impondo-lhes uma realidade de terror e escravidão social. 

Com tanto fervor e punições religiosas, com tanta morte em nome de Deus, com tanta repressão de liberdades, sexualidades e todo tipo de prazer em nome de uma divindade que parece cega a tantas atrocidades, esses indivíduos ainda têm tempo para altas doses de hipocrisia. Exatamente como acontece com todo o escopo religioso contemporâneo que se pauta da fé para interferir na construção do Estado ou de uma Constituição. 

The Handmaid’s Tale é uma série que nos mostra o que uma sociedade pode se tornar quando uma camada extremista de uma religião (qualquer religião!) assume o controle das coisas e passa a dizer o que deve ou não deve ser feito. O alerta, porém, é muito mais para as coisas em gestação do que para coisas seu resultado final. Um cenário sociopolítico desses não se faz da noite para o dia. Muitas interferências, muito ódio à sexualidade alheia, muita tentativa de suprimir direitos e barrar coisas que as pessoas queiram fazer de suas próprias vidas, são visíveis antes mesmo do golpe final. E aí está o alerta. Em nosso mundo, temos inúmeras dessas coisas acontecendo, em estágios e lugares diferentes. O nosso pedido é que este tenebroso fruto jamais seja aberto pelo Senhor. Sob o seu olhar.

justiça


 Em busca de respostas

Pedro Trindade


Existe justiça na vingança? Com o objetivo de responder essa pergunta, Manuela Dias escreveu a minissérie Justiça, exibida pela TV Globo em 20 capítulos, no ano de 2016. Sem ter um protagonista definido, a história é contada por meio de quatro tramas paralelas que se cruzam, com destaque para cada protagonista em um dia da semana.

No decorrer da narrativa, que aborda temas como feminicídio, eutanásia, incriminação de pessoas inocentes, racismo institucional e privilégio branco, são apresentados outros três questionamentos: a justiça é mais cega que a paixão? Fazer silêncio é fazer justiça? Falta de justiça tem cura?

A fim de encontrar as respostas, cada um dos protagonistas de Justiça são associados a uma pergunta.  Em comum, eles comentem, aparentemente, algum crime. Presos no mesmo dia, os personagens têm acesso à liberdade sete anos depois, deparando-se com o desafio de retomarem a vida comum diante das incertezas dos futuros.

Em uma sociedade complexa como a atual, a trama decifra o que tanto se questiona: a diferença entre justiça e vingança, fugindo dos clichês presentes, por exemplo, nas trilogias das novelas mexicanas. Manuela, com a ajuda do diretor artístico José Luiz Villamarim, provoca o telespectador e o surpreende com desdobramentos tão reflexivos como os dos clássicos sobre Anthony Stockelman, Asano Naganori e Kira Yoshinaka, Júlio César e os piratas e D. Afonso IV e Pedro I. 

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

you

 


Série conta mais sobre HIM do que YOU


CAMILA EMILY SILVA DE OLIVEIRA


Baseada no livro de Caroline Kepnes, YOU estreou em setembro de 2018 e logo cativou boa parte dos assinantes da Netflix. A série tem duas temporadas de dez episódios, e a estreia de mais uma prevista para 2021. O telespectador acompanha toda a história sob o ponto de vista do protagonista, todas as suas ações são contadas no passado. Suspense, sangue e relacionamento abusivo: a história por trás do nada normal Joe.

“Não é difícil convencer uma pessoa de que você a ama se souber o que ela quer ouvir”, foi tecendo sua linha de manipulação que Joe Goldberg – interpretado por Penn Badgley - conquistou o amor de Guinivere Beck – Elizabeth Lail. Fazendo alusão a famosa frase: “Nunca foi sorte, sempre foi Joe”. Embora a trama se passe num momento da vida em que ambos os personagens são maduros, a série não deixa de lado a pegada adolescente. O jovem rapaz de cabelos lisos da cor escura, aparentemente só mais um Nova-iorquino, começa a revelar seu lado sombrio quando se apaixonada por uma cliente da livraria em que trabalha. A todo tempo seus sentimentos são colocados em chegue, e todas as vezes ele mostra que amor mesmo só o próprio. Mais atento aos pessoas de Beck do que a CIA – acredite – ele sempre acha um jeito de sair por cima da situação. Quando a bíblia fala sobre vigiar e orar não era exatamente sobre isso não, heim Goldberg.

Aos poucos o telespectador consegue enxergar em Joe o retrato fiel do homem abusivo. Por trás de um gerente de livraria - apreciador da literatura e o estereótipo fiel do cara perfeito - oculta todos os seus pensamentos mais animalescos. Existem três atos que devem ser notados ao decorrer da trama: 1. A conquista através de manipulação, 2. O relacionamento baseado no controle exercido pelo abusador tratando o par como propriedade, 3. O fim trágico e o abusador livre. O personagem principal pode ser caracterizado como um sociopata, que conseguem equilibrar obsessão, ausência de remorso e cavalheirismo. A série não é sobre YOU, é sobre HIM.

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

nada ortodoxa

 

Mayara Oliveira

Nada ortodoxa é uma minissérie da Netflix, que conta com 4 episódios e narra a trajetória de Esty Shapiro (Shira Haas), uma jovem judia, recém-casada que foge do marido, estando grávida, em busca de algo novo.

Ela vem de uma família tradicional, mora em Nova York, em uma comunidade extremamente fechada, e se casa com o jovem Yanky Shapiro (Amit Rahav). Ao se casar, a jovem crer que encontrara a plena felicidade, mas o início do casamento é conturbado, pois, os dois não conseguem achar a conexão como recém-casados. As várias interferências da sogra e da cunhada em sua vida conjugal acaba desgastando a relação, fora isso, ela ainda tem que lidar com problemas sexuais, onde se torna extremamente difícil consumar o casamento. Ao acreditar que Esty é incapaz de lhe dar um filho, Yanky chega ao extremo e lhe pede o divórcio, no mesmo dia em que ela lhe contaria sobre gravidez. A partir daí a jovem resolve seguir os passos de sua mãe, e seguir para Berlim. Ao escolher o país do holocausto, ela se encontra em vários conflitos ao ter que lidar com sua nova versão e com uma cultura diferente.

Desembarcando em seu destino, ela sofre um choque de cultura e passa por vários preconceitos por ser judia. O primeiro choque é ver sua mãe beijando uma mulher. Apesar da rápida participação de sua madrasta na história, percebemos o quanto sua mãe ser lésbica a incomoda, e que depois de um tempo, e convivendo com um casal homoafetivo, ela vai mudando seus pré-conceitos. Nós acompanhamos o quanto é difícil para a personagem se abrir para o novo, e apesar de todos tentarem diminui-la, e fazer com que desista de entrar na a escola de música, ela consegue se reinventar e quebrar paradigmas.

Apesar da minissérie retratar uma cultura fechada, a conexão com o público acontece de forma rápida, principalmente com o feminino, quando mostra uma mulher tentando se encaixar na sociedade, seguindo o que é dito e não desejado, e mesmo assim nunca agradando aos demais. Ao se casar, Easty acha que poderá ser livre, mas acaba ainda mais presa, ao pensar que seria feliz curvando-se diante de todos, ela logo percebe que a liberdade que tanto almejava, estava bem longe dali. Apesar de se tratar de outra cultura, muitas das questões vividas pela protagonista vêm do patriarcado, no qual todas estamos inseridas, e sair disso se torna desafiador.

A bussola, presente de sua ex-professora de piano, indica o caminho que ela deve seguir, e da forma mais clichê possível, ela aponta para seus novos amigos. A minissérie quebra estereótipos e conta com detalhes como vivem os judeus ortodoxos, e nos faz torcer para que Esty consiga sua emancipação feminina.


Sex Education


 ISA CAROLINE GOMES DA SILVA

A série da TV britânica Sex Education foi produzida por Laurie Nunn e lançada pela Netflix em 2019. Com uma levada de comédia dramática, a série conta a história de Ottis (Asa Butterfield), um adolescente virgem e tímido, com sua sexualidade aflorando. Filho de uma terapeuta sexual (Gillian Anderson), Ottis cresceu em um lar liberal e passou sua vida ouvindo e aprendendo com a profissão da mãe, mas se sente totalmente travado para falar sobre suas próprias questões sexuais. 

Este problema vem à tona quando ele se depara com uma onda desinformações na escola em que estuda, os alunos desprovidos de educação sexual, resolvem procurar Ottis para pedir conselhos. Diante de tal situação, ele decide abrir uma clínica de aconselhamento clandestina, junto com sua colega Maeve (Emma Mackey), com o objetivo de ajudar os colegas utilizando os seus conhecimentos na área.

A trama da série teen aborda questões totalmente pertinentes para o público jovem, fazendo jus também ao seu ano de lançamento (2019), Sex Education levanta discussões e reflexões sobre orientação sexual, homofobia, machismo, autoconhecimento, IST’s dentre outros assuntos que são vistos como tabus para muitos. A série faz uma crítica à falta da educação sexual na sociedade, tanto no público jovem quanto no público adulto, e a importância da escola em desenvolver seu papel na disseminação do conhecimento. Relações parentais também são abordadas na série, como um fator determinante para a formação da educação sexual, evidenciando a escassez do diálogo no ambiente familiar e o quanto isso pode afetar o desenvolvimento pessoal e os laços afetivos.

Apesar do elenco jovem e pouco conhecido, Sex Education não deixou a desejar em nenhum momento. Seu roteiro original, envolvente e com uma pegada de humor ácido, cativou de forma eletrizante e disparou na plataforma de streaming sendo bastante aclamada pelo público. Após o lançamento da segunda temporada, a expectativa agora é o lançamento da terceira que já foi renovada e está com data marcada para 2021.

alienista

 


Letícia Dantas de Lima

O drama e suspense psicológico The Alienist, se passa no ano de 1896, na grande cidade de Nova York. Produzida e veiculada pela TNT norte-americana, posteriormente comprada pela Netflix, a série mistura ficção e realidade. Além da busca incansável pelo assassino em série, o autor propõe diversas reflexões ao longo da trama.

Um dos exemplos que podemos destacar é a luta das mulheres por direitos iguais, através da personagem Sara. O autor construiu uma mulher forte, além da sua época, sendo a primeira mulher a trabalhar para a polícia, e mostrou todo o machismo enfrentado por ela, até pelos próprios amigos. Outros assuntos como a prostituição infantil como meio de sobrevivência e o preconceito sobre o uso da medicina psiquiátrica, tanto em investigações policiais como em tratamentos pessoais, foram explorados em cada detalhe.

E é dentro de todos esses detalhes, dos personagens e da época, que o autor lança os principais questionamentos da série: o que move o ser humano? O que cada um é capaz de fazer para sobreviver ou conquistar o que tanto deseja? E baseado na análise que nós fazemos dos personagens, o autor lança estes questionamentos para nós mesmos.

O drama e suspense psicológico The Alienist, se passa no ano de 1896, na grande cidade de Nova York. Produzida e veiculada pela TNT norte-americana, posteriormente comprada pela Netflix, a série mistura ficção e realidade. Além do obscuro mistério por trás dos assassinatos, o autor propõe diversas reflexões ao longo da trama.

Primeiro, vamos explorar mais um pouco a série. Como personagem principal temos o Dr. Laszlo, um alienista (conhecido por nós como psiquiatra), que possui uma deficiência no braço e muito mistério por trás disso. Junto dele, seus dois ajudantes: Jonh, repórter ilustrador, que sonha em encontrar uma mulher para

se casar e apaixonado por Sara, e a própria Sara, secretária do comissário de polícia, uma mulher marcante, que busca igualdade numa sociedade machista. Juntos, eles tentam desvendar os mistérios para capturar um assassino em série, que vêm mutilando meninos prostitutos e deixando-os em locais estratégicos.

Como já mencionado, o autor propõe diversas reflexões ao longo da série, que de certa forma são bem atuais. Uma delas é a presença da corrupção na polícia, interferindo sempre nas investigações da equipe. Outro ponto, é a luta das mulheres por direitos e oportunidades iguais, expressado fortemente através da personagem Sara, mostrando o machismo enfrentado diariamente por ela e suas conquistas.

Cada personagem trás consigo algum detalhe que nos chama atenção: em Dr. Larzlo é a deficiência do braço, em Jonh é o desejo intenso de se casar, em Sara é a influência do pai e no assassino em série é o seu modo de “operar". Dentro de todos esses detalhes, dos personagens e da época, o autor lança os principais questionamentos da série: o que move o ser humano? O que cada um é capaz de fazer para sobreviver ou conquistar o que tanto deseja? E baseado na análise que nós fazemos dos personagens, o autor lança estes questionamentos para nós mesmos.

maldade com estilo

Ratched

 Juliana Leal da Silva

A série original Netflix Ratched, criada por Ryan Murphy, se passa no ano de 1947, no norte da Califórnia, e narra a história de vida da enfermeira Mildred Ratched, interpretada por Sarah Paulson. Tudo começa quando Mildred vai em busca de um emprego no Hospital Estadual de Lucia, local onde vai receber um famoso assassino da época, Edmund Tolleson, que ficou conhecido por ter matado cruelmente quatro padres. Mais tarde o espectador descobre que na verdade eles são irmãos e que Mildred foi até lá para impedir que Edmund fosse executado.

Para mim, a série tem uma belíssima fotografia. Percebe-se que a paleta de cores foi cuidadosamente selecionada. Nota-se que os tons das roupas dos personagens sempre combinam com as cores de fundo do cenário, o que deixa as cenas visualmente agradáveis. Apesar da narrativa se passar na década de 40 e 50, ela consegue ter uma ótima abordagem ao falar da homossexualidade, de modo a passar ao espectador que ser gay ou lésbica não é uma patologia e que os “tratamentos” feitos no Hospital Estadual de Lucia são procedimentos de tortura.

A narrativa estreou na Netflix no dia 18 de setembro de 2020, no entanto, a enfermeira Ratched foi criada por Ken Kesey no livro de 1962 “Um Estranho no Ninho” e levada à tela do cinema, pelo cineasta Miloš Forman, em 1975, com o filme de mesmo nome. Mesmo se baseando em uma obra antiga, a trama não deixa de fazer sentido no atual contexto em que vivemos, pois a visão geral da sociedade sobre os hospitais psiquiátricos não mudou

De acordo com uma pesquisa que fiz, o livro da década de 60 foi baseado em fatos reais vividos pelo autor quando participou de pesquisas com drogas psicoativas no centro  psiquiátrico do Menlo Park Veterans Hospital (Califórnia) e descreve os tratamentos desumanos aos quais pacientes de lá eram submetidos na ala psiquiátrica. No nosso atual contexto, podemos perceber que ainda há um grande preconceito em relação às pessoas que buscam tratamento psíquicos e que precisam ser internadas em hospitais psiquiátricos.

No livro, Ratched é uma enfermeira sádica que comanda o tratamento dos pacientes com rigorosas sessões de terapia e eletrochoque. Já na série, Ryan Murphy retrata a personagem como uma mulher manipuladora, apática, cruel e persuasiva – ao buscar o cargo de enfermeira chefe e ao manipular o diretor do hospital –, porém, ao final da primeira temporada isso muda e ela se mostra empática e preocupada com os pacientes que são torturados – em uma cena ela ajuda duas pacientes lésbicas a fugir do hospital.

Na série, ela inicia como uma vilã – por conta dos crimes que cometeu para chegar onde chegou e conseguir o que queria –, mas ao final da primeira temporada essa postura vai se perdendo ao se apaixonar e ir morar com sua amada para fugir do seu irmão Edmund, que desenvolveu uma intensa raiva por ela, após ela ter tomado outra postura em relação a ele, a postura de aceitar que ele deve pagar pelo crime que cometeu.

A trama é carregada de mistério e cenas intensas, passíveis de reviravoltas. Ela se destaca por debater temas como a homossexualidade, machismo e outros preconceitos. Mildred Ratched é uma personagem que carrega consigo uma história demasiadamente perturbadora e que sofre intensamente por seu passado. A atuação de Sarah Paulson é impecável. Em suma, todos estes elementos tornam a narrativa interessante – pelo menos para mim – e, por isso, ela se tornou a maior estreia original da Netflix de 2020, pois em apenas 1 mês teve mais de 48 milhões de visualizações. 

Mansão Bly

 


A Maldição Da Mansão Bly

FELIPE SILVA CARDOSO


Dani Clayton (Victoria Pedretti) chega à Mansão Bly, um cenário rural e remoto na década de 1980, para trabalhar como babá dos sobrinhos de Henry Wingrave (Henry Thomas), as crianças Flora (Amelie Bea Smith) e Miles (Benjamin Evan Ainsworth), órfãos de pai e de mãe que estão, até sua chegada, aos cuidados dos empregados da casa. Fugida de um passado misterioso nos Estados Unidos da América, Dani precisa lidar com este passado que a seguiu até lá e com o comportamento estranho dos dois irmãos.

De início não se sabe nada sobre os personagens, seja Dani ou os irmãos órfãos, seja os empregados da casa; ou mesmo o que houve ali antes do ponto em que a história se inicia. Com o avanço dos episódios, porém, o passado e, principalmente, a psique e os traumas das personagens vão se desnudando. Assim, como a ameaça que espreita na silenciosa e enorme mansão. Ameaça que surge com vultos em cantos, passeios solitários por corredores escuros e vazios; fantasmas escondidos displicentemente em cenas aparentemente inofensivas, aparições de pessoas que não se sabe estarem mortas ou vivas.

E assim acompanha-se o desenrolar da trama, com passado e presente se alternando em transições sutis.

A obra de Mike Flanagan, criador da série A MALDIÇÃO DA MANSÃO BLY, tendencia um horror muito relacionado ao estado mental e/ou emocional de seus personagens. Ou o sobrenatural é algo que afeta este estado, catalisando reações psicológicas adversas (como mais ou menos ocorre no enredo de A MALDIÇÃO DA RESIDÊNCIA HILL, sua obra anterior) ou é o próprio estado mental e/ou emocional o monstro, o antagonista (como no filme O SONO DA MORTE, de 2016). Com A MALDIÇÃO DA MANSÃO BLY não seria diferente. Em sua nova série, os traumas pessoais das personagens são explorados, motivando suas ações. É uma história que fala sobre perda, relacionamentos interpessoais (alguns abusivos), sobre posse e sobre as consequências dessas interações na vida das personagens.

(spoiler)

A protagonista Dani perde seu ex-noivo num acidente terrível, os irmãos Flora e Miles, os pais; o cozinheiro Owen perde a mãe; a Hannah Gross, governanta da mansão perde a vida que poderia ter tido caso não tivesse se dedicado à família Wingrave; o Henry, tio das crianças, perde a cunhada e amante junto com o irmão. E, a cada episódio, um mergulho profundo no trauma de cada um deles; e, como costuma fazer Mike Flanagan, são traumas representáveis, se manifestando como fantasmas, assombrações.

Mas também é uma história sobre posse.

Peter Quint era um ladrão, pego em flagrante surrupiando tesouros da casa, além de nutrir alto grau de posse sobre a namorada, Joyce. Morre por isso e fica preso à mansão como fantasma. O falecido noivo da protagonista Dani, demonstrava algum grau de possessividade em relação a ela também. A própria maldição da mansão nasce, do excessivo zelo, por parte de Viola, proprietária original, de sua propriedade e bens materiais.

Tal ideia de propriedade não desaparece com a morte. Em nenhuma das situações. Dani é assombrada pelo fantasma do noivo; Joyce é perseguida pelo fantasma de Peter até este levá-la a morte. Viola, a primeira das assombrações, nunca arredou pé da Mansão Bly, motivada pelo amor a uma filha de cuja vida pode pouco participar (o que poderia se configurar em uma forma de perda). Foi condenada a todas as noites sair do lago em que jaz, junto com todos os seus pertences, para buscar esta filha.

A MANSÃO, dessa vez, ao segurar os mortos ali, como assombrações, fixando-os naquele entorno geográfico, ilustraria esse medo da perda, simbolizaria um apego irracional a coisas e pessoas. Joyce talvez seja a personagem menos apegada, no entanto vítima da possessividade. Sua morte deveu-se mais ao egoísmo do Peter do que por qualquer outra coisa. Sua reação ao se ver morta, sugere que ela não estava feliz por ter morrido especialmente para ficar com Peter no plano espiritual.

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

tudo?

Ela quer tudo

Suzane Silva

A série She's gotta have it em tradução "Ela quer tudo". é uma série da televisão norte americana criada e dirigida pelo cineasta Spike Lee. Com  contexto atual e moderno, a série é uma releitura do fime homonimo de 1986. A história gira em torno de Nola Darling (DeWanda  Wise), uma pintora nova iorquina moradora do bairro BRooklyn, um dos mais artísticos e inspiradores da metrópole estadounidense. 

A série narra episódios da vida, compreensão de ser social e de sua racialidade e que enquanto deseja encontrar o seu verdadeiro eu artístico através de uma estética que a represente, vive tropeçando e caindo na montanhas russa de seus relacionamentos amorosos. Spike Lee construiu uma supermulher com uma personalidade constituída com o objetivo de escancarar as mazelas das violências do racismo e machismo no corpo feminino. 

A pessoa negra brasileira que assiste a série, e ao passo que se encontra, se afasta, ao passo que a catarse acontece, ela escancara as diferenças do racismo norte americano com o brasileiro. Para imediata e concisa compreensão acerca  dessas diferenças responda para si mesmo: "Quantas artistas plásticas negras brasileiras você conhece?". Em nosso país já é difícil ser artista, principamente se você for negro. A série cumpre seu papel de crítica ao racismo estrutural, ao passo que possui uma fotografia impecável, não importando para qual ângulo você olhe.

domingo, 29 de novembro de 2020

XEQUE


O GAMBITO DA RAINHA

 MANUELA FERREIRA DE LIMA

Com o nome inspirado em uma jogada de xadrez, a série O Gambito da Rainha conta a história da órfã Elizabeth Harmon, interpretada por Isla Jhonston (na infância) e Anya Taylor-Joy (na vida adulta), personagem principal da trama. A série tem apenas uma temporada, com 7 episódios e estreou na Netflix em outubro de 2020.

A história começa no final dos anos 50, no Kentucky, quando a pequena Harmon perde sua mãe em um acidente de carro e é levada a um orfanato. Lá, a menina descobre sua habilidade no xadrez, mas também inicia sua dependência em tranquilizantes.

Na trama, a garota, já adolescente, é adotada por um casal e inicia seus estudos na escola. Na primeira oportunidade, ela participa de um campeonato de xadrez e inicia sua busca por espaço em um ambiente dominado totalmente por homens. O enredo do drama americano é inspirado no livro de mesmo nome, escrito por Walter Tevis e lançado em 1983.

A narrativa, além de ressaltar o papel e o poder feminino, destaca o xadrez, esporte pouco popular em comparação a outros, e enlaça o telespectador nos subenredos que tratam de superação, estereotipia e dependência química.

Contudo, a série abusa da velha receita de tramas sobre pessoas prodígios: infância complicada, descoberta de um talento único e o incômodo que esse dom incomum pode causar. Esta fórmula pode decepcionar os telespectadores, uma vez que já é bem conhecida nas tramas americanas.

Mas, apesar disso, é preciso ver a série com um pouco mais de profundidade. As primeiras cenas nos fazem acreditar que veremos a história de derrocada da protagonista pelas suas próprias mãos, devido sua compulsão por álcool e calmantes. Entretanto, a cada episódio, vemos a história de superação e amadurecimento de uma alcoólatra funcional, que não se afunda em seus vícios e continua a perseguir seus propósitos. Talvez, neste ponto, haja quase uma tentativa de romantizar o vício, mas, como todo bom herói, Elizabeth tem habilidades e fraquezas, o que a torna mais humana e faz com que o público torça por ela.

Ademais, a narrativa mostra como as derrotas são tão importantes quanto as vitórias. Não importa o quão bom você é, sempre haverá alguém tão ou melhor que você e para superá-lo é preciso investir em conhecimento. Dessa forma, é preciso aprender com as derrotas e delas extrair o que te fará crescer.

O gambito da Rainha é uma mini série excepcional, com uma grande atuação de sua protagonista e um roteiro super bem pensado. Apesar de não ter muitas reviravoltas, vale a pena conhecer esta história. 

BLACK MIRROR

EDVALDO FERREIRA DA COSTA

Série de televisão britânica, criada por Charlie Brooker, com temas satíricos e obscuros, ligando a sociedade moderna e as novas tecnologias. Posteriormente adquirida pela Netflix. 

Comentando sobre os três primeiros episódios, no primeiro, chamado, Hino Nacional, o primeiro Ministro Michael Callow, enfrenta um grande dilema para salvar a princesa Susannah de um rapto, tendo que praticar sexo com um porco diante das tvs abertas para não acabar sua carreira política e social. 

No segundo, titulado, Quinze milhões de méritos, acontece após uma cantora participar de um concurso e no final, escolher entre a prática de atos humilhantes ou voltar a viver, praticamente como escrava. 

O terceiro, chamado, Toda a sua história, retrata um implante de memória, que grava tudo que os seres humanos fazem, ouvem e veem, trazendo um grande conflito conjugal. Charlie Brooker na sua visão futurista, mostra a sociedade consumista e dependente da tecnologia, deixando claro, que teremos um mundo automatizado e dependente da tecnologia em um futuro próximo.

LEIA + AQUI

sábado, 28 de novembro de 2020

Verônica


Bom dia, Verônica 

Cassio Lamartine Melo Paiva 

“Bom dia, Verônica” é um seriado brasileiro que foi lançado recentemente na plataforma de streaming netflix e que já tem promessa de lançamento de novas temporadas. Essa obra foi inspirada em um livro de mesmo nome e conta histórias que envolvem violência doméstica contra a mulher em todas as suas formas, assassinatos em série, abuso de poder, corrupção e sensação de impotência quanto à solução dos casos. A série tem como protagonista Verônica (Thainá Müller), escrivã na Delegacia de Homicídios de São Paulo. Casada e mãe de dois filhos com uma vida impertubada, Verônica vê tudo virar de cabeça para baixo quando presencia o suicídio de uma mulher dentro da própria delegacia. A moça teria sofrido abuso sexual, fez a denúncia e, após uma conversa reservada com o delegado, atirou contra a própria cabeça dentro do estabelecimento público. 

Isso me levou à seguinte reflexão: o que será que o delegado falou para ela, que a fez cometer esse ato tão extremo? Isso me fez lembrar da Mariana Ferrer, que foi dopada e estuprada dentro de um local frequentado pela alta classe social de Santa Catarina. Ela fez a denúncia, tinha provas visuais e de DNA do esperma e ainda assim o homem, que é branco, empresário e ostentador de altos valores bancários, foi inocentado. Durante o julgamento, o advogado do réu humilhou e dirigiu palavras caluniosas à Mariana. Esse seria só um pequeno exemplo de um caso que veio a público e que as mulheres vivenciam como realidade nua e crua aqui no Brasil. 

Verônica decide começar sozinha uma investigação em busca do culpado pelos crimes e isso a leva até Janete (Camila Morgado), vítima de abuso físico e psicológico por parte do marido, o Policial Brandão (Eduardo Moscovis). Essa investigação a leva a descobrir uma rede de assassinatos, corrupção policial e violência contra mulheres.

Ratched

 


Cleciane Vieira da Silva

Para quem está à procura de uma série dramática de suspense e que contenha um viés psicológico mais acentuado, Ratched é uma ótima saída. No catálogo da Netflix desde setembro, a série é desenvolvida por Ryan Murphy e tem como sua maior estrela a Sarah Poulson. Outras atrizes implementam suas personagens em papéis de destaque à trama, e evidenciam a força das mulheres na série, são elas: Sophie Okonedo, Cynthia Nixon, Sharon Stone e Judy Davis.

A série se passa nos anos 40 e traz em si uma estética visualmente forte, com uma fotografia colorida, ambientação, roupas e maquiagens perfeitas, mas sem deixar passar as questões sociais debatidas na década. O lesbianismo, por exemplo, era visto como doença psicológica e tinha um procedimento de cura bastante agressiva. Também é discutido sobre a doença de múltiplas personalidades e o desenvolvimento da hipnose como tratamento.

Talvez não seja tão compreensivo para as pessoas mais jovens de hoje entender o porquê Murphy dar ênfase a origem de uma enfermeira chefe de um hospital psiquiátrico, afinal quem quer saber do passado de uma enfermeira? Porém a Ratched do filme Um Estranho no Ninho de 1975 era controladora e minimalista, e não tinha nenhuma preocupação em justificar suas maldades, e na época essa personagem se tornou emblemática e importante para a literatura americana e para a Cultura Pop. Na série, Murphy revive esse personagem justificando seus atos, e demonstra o quanto nossos demônios internos podem ser perigosos quando se entra em conflito entre o amor e a razão.

Breaking Bad

 CHUTANDO O BALDE

Iris Fernandes Oliveira


 Breaking bad” é uma expressão do sul dos Estados Unidos e que nomeia a série de Vince Gilligan, produzida entre 2008 e 2013. Considerada por muitos críticos uma das melhores séries já feitas, o título (cuja tradução seria ”chutando o balde”) de cara já nos revela pistas sobre a trajetória do protagonista Walter White. A transformação do infeliz professor de ensino médio no poderoso Heisenberg, um excelente produtor e traficante de metanfetamina, é o principal arco da trama recheada de reviravoltas dramáticas e que surpreende com a qualidade do enredo, da produção, da atuação, enfim, do produto como um todo. 

Walt era um pacato professor de química, apesar de possuir uma habilidade acima da média, infeliz com a vida que levava e que sofria silenciosamente com as diversas humilhações que acreditava passar no dia a dia. Aos 50 anos, ele é diagnosticado com um câncer inoperável e que faz Walter “acordar” pra vida, como nos revela em certo episódio. Ao se confrontar com a própria fragilidade, ele decide usar suas peculiares habilidades enquanto químico para produzir metanfetamina e ganhar não só dinheiro, como poder e controle. Sua trajetória é acompanhada por Jesse Pinkman, um ex-aluno de Walter, que está envolvido no tráfico de drogas e  que mostra-se útil para Walter, que desconhece o mundo do crime até então.

Breaking Bad é a história de um homem que quando se vê cara a cara com sua vulnerabilidade nega-se a aceitá-la e passa a buscar maneiras de se afirmar como um sujeito de poder, mesmo que para isso ele perca tudo que parecia prezar: a família, o dinheiro, a vida. Em nome de seu próprio ego e orgulho, Walter permite-se passar por cima de todos sem sequer olhar para trás, erguendo um legado em seu nome que não será esquecido.

zeus


O sangue de Zeus

Arthur Vinicius de Oliveira Moura

Quando se fala em uma trama que se passa no Olimpo, a gente já sabe que tem confusão entre os deuses e algum semideus salvando o dia. O sangue de Zeus não foge dessa regra. Protagonizada por Heron, filho de Zeus com uma mortal, a animação da gigante do streaming, conta a jornada desse herói descobrindo sua verdadeira origem, seus poderes e as dores que eles podem causar.

É claro que a série tem muito mais tempero e alguns plot twists que dão rumos inesperados para os personagens. O maior deles, na minha opinião, é o meio-irmão gêmeo de Heron, Serafim. Sim, você não leu errado. É que a mãe do herói, casada com um rei, engravida de Zeus enquanto também está grávida do seu esposo mortal. Assim, vemos um parto de gêmeos, porém meio-irmãos.

A história toda é descoberta pelo rei, através de uma artimanha da deusa Hera, que quer se vingar do seu esposo Zeus por mais uma traição com uma mortal. A deusa é retratada durante toda a série como uma megera angustiada e raivosa, disposta a tudo para se livrar do bastardo e punir seu marido. Cega pela vingança, Hera se alia a Serafim, que agora é uma espécie de demônio cheio de poder titã, e acaba trazendo os Titãs de volta, com a ilusão de que poderá controlá-los.

O grande embate entre deuses, titãs, semideus e um quase-demônio acontece apenas no último dos oito episódios da série, e acaba com uma nova queda para os Titãs, mas também com uma grande baixa para os deuses: Zeus. Hera e seu filho Ares tornam-se foragidos, e tudo parece bem até que vemos Serafim no Tártaro, sendo recebido por ninguém menos que Hades, que não havia dado as caras em nenhum outro episódio.

A aparição de Hades é o grande plot twist final, já que ele é um dos três grandes e acaba deixando aquele gostinho de quero mais, digno de uma segunda temporada, com muitas perguntas no ar: pra onde Hera e Ares foram? Porque Hades não se envolveu no confronto? E porque apareceu somente agora? Zeus realmente está morto? Enfim, nos resta aguardar que a Netflix renove a série e traga as respostas pra todas essas perguntas.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Resurrection


MARCELO F. DO NASCIMENTO

Vida e morte, esse é sem dúvidas o maior dilema que vive a humanidade desde o início de sua existência. Perder um ente querido e ter que se conformar com o fato de nunca mais poder vê-lo, estar em sua presença, abraçá-lo.

A série Resurrection mexeu com a imaginação dos telespectadores quando trouxe essa temática à telinha, pois não só retratou a polêmica, como também trouxe um mix envolvendo religião, sobrenatural e ocultismo.

Todos lamentamos a perda de nossos entes queridos e não gostaríamos que esses fossem tirados de nossas vidas, embora isso seja uma consequência natural da evolução. Mas quando vislumbramos a possibilidade desses serem novamente recolocados em nosso meio, não reconhecemos essa possibilidade com muita naturalidade, isso foi o que se pôde observar na série Resurrection.

O ressurgimento dos falecidos da pequena cidade de Arcádia, suscitou uma mistura de espanto, desconfiança e medo.

Um ponto positivo é a discussão que o tema gera. E se todas as pessoas voltassem à vida, o que faríamos? Será que seriam as mesmas pessoas que foram antes e mereceriam viver tanto quanto os que nunca morreram?

É impossível acompanhar a série Resurrection e não refletir acerca de questões como essa e se espantar ou até mesmo se emocionar com atitudes brutais vindas de alguns personagens que podem ir de encontro aos ideais e a própria moral do espectador.

desalma

 

Matheus Henrique Silva dos Santos


Retratada em duas épocas distintas, Desalma caminha no suspense sobrenatural e no drama. A série – de apenas uma temporada até então, e com um total de 10 episódios – é uma produção do Globoplay, com autoria de Ana Paula Maia e direção de Carlos Manga Jr. As bruxas, os espíritos, os rituais, a floresta misteriosa, a troca de almas e os segredos fazem a trama acontecer nos anos de 1988 e 2018. Brígida, pacata cidade do sul do Brasil que cultua tradições ucranianas, têm suas crenças voltadas ao irreal e possui as mesmas memórias após uma fatalidade que aconteceu em uma festa local, realizada todos os anos.

A trama conta a história da cidade através de uma tragédia ocorrida no ano de 1988 com Halyna, vivida por Anna Melo, e que envolveu os jovens Roman (interpretado por Eduardo Borelli e Nikolas Antunes) e Aleksey (vivido por Nicolas Vargas), ambos da família Skavronski; e que envolveu também o jovem Boris (interpretado pelos atores Lucas Soares e Ismael Caneppele), da família Burko – o que acabou desencadeando eventos misteriosos com as duas famílias durante o ano de 2018, quando a festa volta a ser celebrada após de ter sido banida da cidade.

Como o enredo apresenta duas épocas, dois contextos diferentes são apresentados, mas em ambos os períodos, a tradição da festa denominada Ivana Kupala chama a atenção dos moradores. Em 1988 e em 2018, a cidade de Brígida anseia a celebração, e neste último ano, a cerimônia é ainda mais aguardada por se tratar de seu retorno, já que não era celebrada há 30 anos.

A bruxa Haia, interpretada por Cássia Kis, é uma das responsáveis pelos acontecimentos sobrenaturais que voltam a rondar Brígida. Eventos para além da realidade começam a marcar e assombrar a vida de Giovana Skavronski, vivida por Maria Ribeiro e de Ignes Skavronski Burko, feita por Valentina Ghiozi e Cláudia Abreu. Isso acontece a partir dos casos extraordinários que se fazem presentes na vida de ambas por meio de membros da família: Anatoli (feito por João Pedro Ribeiro) e Melissa e Emily, vividas por Camila Botelho e Juliah Mello, respectivamente.

Desalma vai mostrando a história de forma intercalada. Os conflitos da época mais antiga do enredo ocorrem por meio dos adolescentes das famílias que protagonizam a série. Tais dilemas fazem com que novos conflitos aconteçam em 2018 – ano atual do seriado – mas desta vez, de maneira sobrenatural. Os personagens presenciam acontecimentos nunca vistos, sem saber do que tudo aquilo se trata.

Ao longo da trama, as "peças" vão se encaixando e todos aqueles que viveram a fatídica noite de Ivana Kupala no ano de 88 começam a rememorar o que ocorreu naquele dia e, a partir disso, associam os acontecimentos da atualidade às tragédias e mistérios da festa de 30 anos atrás. A série conta com um terror mais introspectivo e o ar mais sombrio se dá pela trilha sonora de suspense e uma fotografia mais fria. E em alguns momentos das cenas e pequenos métodos utilizados para a edição, remetem Desalma a série alemã Dark, da Netflix.

A obra brasileira, uma das poucas que abarcam o gênero suspense/terror, empolga com uma trama envolvente que apresenta e deixa questionamentos desde o início. O destaque da série fica por conta das mulheres que lideram as famílias, mas o ponto alto fica por conta do mistério presente na cidade e em toda a sua atmosfera, dando protagonismo e – principalmente – antagonismo ao ambiente, ao invés de se concentrar em apenas um vilão, como acontece comumente.

caso real

 


Olhos que condenam (When they see us)

Márcia Maria Damasceno Costa

Criado, dirigido e escrito por Ava Duvernay, o enredo é baseado em uma história real e em 4 episódios retrata o caso de 5 personagens principais: Antron; Yussef; Raymond; Kevin e Korey, jovens com idades entre 14 e 16 anos, quatro negros e um latino, que foram injustamente condenados sob a falsa acusação de estuprar Meilli, uma executiva de um banco, que tinha saído para se exercitar no Central Park-NYC em 1989.

Após quase 24 horas de interrogatório na delegacia, sem a presença dos pais ou advogados, eles se acusaram mutuamente e confessaram o crime. Depois negam, mas ninguém acredita. Passaram entre 7 e 13 anos na prisão, até que em 2002 um estuprador em série confessou o crime.

É uma série densa e rápida que examina não apenas os efeitos do racismo sistêmico, mas os de todos os tipos de privação de direitos em pessoas negras americanas que ecoa até hoje. Neste caso, a briga não era por justiça, mas por quem ganharia um caso que estava sendo cobrado socialmente e midiaticamente. O olhar da autora foca no lado humano dos meninos. Se durante o julgamento eles foram reproduzidos como membros de gangues e delinquentes, aqui são descritos como crianças injustiçadas e assustadas.

Acabamos nos sentindo como cúmplices de uma injustiça. No título original, When They See Us (Quando eles nos veem), lembra que aqueles garotos fazendo bagunça no parque poderiam ser quaisquer outros garotos brancos fazendo a mesma bagunça, estando apenas no lugar errado e na hora errada. A diferença é como nós os vemos.

Luna Nera


A luta pelo direito de existir que perpassa o tempo

Francisca Pires 

Muitas são as questões que envolvem o que é ser uma mulher socialmente. Desde a culpa carregada por Eva pela expulsão do paraíso até a estigmatizada violência com que agia Medusa segundo a mitologia grega. Escrita e produzida apenas por mulheres (Francesca Manieri, Laura Paolucci e Tiziana Triana), a websérie italiana Luna Nera propõe uma viagem à Itália do século XVII para retratar a perseguição de gênero que culmina sempre no mesmo lugar: a condenação. Seu lançamento na Netflix foi em 31 de janeiro de 2020. 

A história gira em torno da parteira Ade, uma adolescente que ao perder sua avó para os caçadores de bruxas, descobre seu pertencimento a uma família repleta de segredos e magia. Sua investigação sobre suas origens e poderes se desenrola em paralelo a função de cuidar do seu irmãozinho e do seu amor pelo jovem Pietro. Este por sua vez, é filho de um dos capitães da operação de perseguição das bruxas. O amor de Pietro que parecia ser tão grande, parece não ser suficiente diante das questões familiares e religiosas que ele precisaria enfrentar para ficar com Ade. No fim, ele não as enfrenta. Ela não tem escolha. 

A série nada mais é do que um recorte, histórico e pontual, de uma luta que sempre existiu e seguirá existindo. O poder do feminino, a conexão com a natureza, a violência da igreja e o machismo são temas fortemente discutidos, alguns de forma indireta, outros de forma mais clara. Para muitos a série pode representar uma visão romantizada de uma luta feminista construída a partir da luta homens x mulheres. O inimigo na verdade, ainda que materializada no rosto de um homem religioso Benandanti, é a opressão. A negada liberdade de ser, existir e ocupar espaços sem cumprir os arquétipos determinados por homens e para os homens.

eu nunca


Luciano Vagno

 A regra do jogo é simples: se você já fez tal coisa, você cumpre o desafio; senão, diz “eu nunca”. É assim que funciona a brincadeira que deu nome a uma das séries mais queridinhas da Netflix. “Never Have I Ever” (“Eu Nunca”, em português) é uma série americana produzida pelo streaming que teve sua estreia em maio deste ano. 

A produção é baseada na juventude da atriz Mindy Kaliny, criadora e produtora da obra, e conta com a narração de John McEnroe, ex-Número Um do tênis, e possui ainda um episódio narrado por Andy Samberg, de Brooklyn 99. Até o momento, ela está em sua primeira temporada – mas calma que a segunda já está a caminho – e conta com dez episódios. 

A comédia gira em torno de Davi Vishwakumar, interpretada por Maitreyi Ramakrishnan, uma hindu-americana, mas que não se considera tão indiana, como sua mãe Nalini, vivida por Poorna Jagannathan, ou como sua prima Kamala, interpretada por Richa Moorjani. 

Apesar de sua origem, Davi é uma típica californiana do século XXI, que passa por altos e baixos com suas duas melhores amigas: Eleonor (Ramona Young) e Fabiola (Lee Rodriguez). 

Sabemos que a adolescência é uma fase da vida no mínimo complicada para muitas pessoas. E assim é para a protagonista. A jovem vive em meio a traumas, que surgiram após a morte de seu pai. No entanto, ela prefere seguir os ignorando e parte em busca de sua “vida normal”. Por mais que tenha um bom coração, Davi é dona de um temperamento explosivo, o que acaba a afastando de suas melhores amigas e de sua família. 

Família. Acredito que esse seja um dos maiores legados que Eu Nunca tenha a passar: não precisa ter o mesmo DNA, estar perto, nem ser composta por todos os membros, basta haver aceitação. Aceitação... Esse é o outro ensinamento que a série traz. Aceitar as paixões, os sentimentos, os defeitos, as raízes, a perda, o outro e nós mesmo. Aceitar que somos assim, que os outros são como são e que está tudo bem quanto a isso. 

Eu Nunca soube abordar esses e outros assuntos de maneira tão singela, leve e bem humorada, com referências da cultura pop e, é claro, com tanta representatividade, que não surpreende todo o carinho com o que a série foi aceita e o gostinho de “quero mais” que ela deixou.