A importância do zine no âmbito cultural.
Por: Ágata Menezes, Eduardo Fernandes, Irlane Lira.
Você tem algo pra
falar ou quer ter mais acesso à cultura em forma escrita ou ilustrativa, mas
acha que isso não é acessível? Talvez você não tenham ouvido falar em Zine, que
nada mais é do que um livreto básico que se pode encontrar de forma bastante acessível
e até mesmo fazer os seus próprios de forma simples. O termo “fanzine” deriva
da junção das palavras inglesas “fan” e “magazine”, significando
literalmente “revista de fãs”. Sem formato ou padrão estabelecido, o zine se
caracteriza por ser uma publicação independente e não oficial. Essa ferramenta
está sendo bastante utilizada por artistas independentes com todo o processo de
produção cabíveis a eles mesmos e o mais legal: com total poder de
experimentação.
É neste cenário de
experimentação e mudanças que se encontra o zine “K”, que surgiu a partir dessa
concepção underground cultural. Esse projeto editorial independente é escrito
por Rodrigo Hammer, jornalista formado pela UFRN, nascido no Rio de Janeiro e
radicado em Natal há mais de três décadas, foi repórter do Diário de Natal e
depois partiu para a Publicidade, além de também ser tradutor. Hoje é
responsável pela manutenção dos sites Natal Post e Portal da Semana, junto ao
trabalho como freelancer em marketing para diversas empresas. Publica
zines desde os anos 80, dedicando-se atualmente apenas ao “K”, título que vem
da palavra grega kino que significa movimento, cinema. A publicação propõe-se a
apresentar um cineasta em cada edição destacando de forma pessoal seus filmes
mais importantes, uma pequena biografia, além de curiosidades da vida e
carreira do diretor em questão, entre outros temas. A primeira edição foi
lançada em novembro de 2013 e, desde então, mensalmente, distribui os
exemplares em pontos estratégicos da cidade de forma totalmente gratuita. Na
entrevista, Hammer conta sobre sua trajetória e produção do zine.
Antes do “K”, você
produziu outros zines, fale um pouco sobre eles.
Alimentava o sonho
de lançar uma publicação independente com os recursos que tínhamos à época:
máquina de escrever, papel ofício, hidrocor preto, cola e tesoura. Com isso e
uma máquina Xerox, era fácil empreender nesse sentido. Em 1985, lancei um
primeiro zine chamado ‘O Pêndulo’. Versava sobre Cultura em geral (Literatura,
HQ, etc) e só ficou no primeiro número, hoje totalmente desaparecido. Depois,
movido pela paixão por Rock ‘n’ Roll que cultivava desde 1977, criei junto ao
meu primo e parceiro Carlos Henrique Leiros, o ‘The Action File’, primeiro como
clube de gravações em fitas K-7, depois como zine mesmo. Vale salientar que, no
Brasil, apenas uma publicação independente abordava o tema: o ‘Rock Brigade’,
de SP, que depois virou revista. Éramos nós e eles, até onde sei. Seguiram-se o
‘Trench’ – voltado exclusivamente para Heavy Metal – e depois, quando já
trabalhava no Diário de Natal, o ‘Zyklon-B’ (Cultura Geral). Acredite que, por
causa dele, cheguei a sofrer censura de gente que se escandalizava com as
matérias e principalmente com as capas. Mais tarde, já nos Anos 1990, foi a vez
do The Brotherhood of Poison (“A Irmandade do Veneno”), este totalmente
iconoclasta, dedicado a apontar o lado negro das bandas consagradas de Rock.
Descíamos o pau de Beatles a Pink Floyd! Foi quando cheguei a ser ameaçado de
morte por diversas vezes. E não estou exagerando...
Profissionalmente
você seguiu o caminho da comunicação. Isso foi reflexo do seu envolvimento com
os zines ou foi o contrário?
Foi o contrário.
Interessava-me por Jornalismo, sugestionado por minha mãe que admirava a
profissão. Também herdei o gosto para a escrita, graças a ela. Era uma
missivista de mão cheia, cartas de um Português perfeito, longas e muito bem
redigidas.
O seu conhecimento
de composição e artes visuais veio com a profissionalização? Que diferenças
você nota dos zines antigos para o “K” nesse sentido?
Sempre tive olho bom
para fotografia e artes visuais em geral. Na adolescência, pintava óleo sobre
tela reproduzindo fotos de paisagens. Nesse sentido, era perfeccionista.
Depois, já no curso de Comunicação, apaixonei-me por Fotografia e produzi muita
coisa legal. Meu trabalho de final de curso, hoje TCC, foi uma fotonovela
experimental chamada ‘Numerais’. Toda em p/b, com narrativa contínua – começo,
meio e fim. Sem diálogos, trabalhando com noções de absurdo. Foi a única nota
máxima da turma, o que irritou quem tinha preferido texto. Engraçado, não?
Quanto a diferenças em relação aos zines antigos para o ‘K’, diria que o
sentido artesanal da coisa perdeu-se de todo. Hoje, basta um PC, criatividade e
paciência. Tenho saudade daqueles tempos.
De onde surgiu a
ideia deste zine?
A ideia do ‘K’
surgiu do intuito de empreender uma pesquisa pessoal em torno de 100 cineastas
representativos para o Cinema. 100 nomes que conferissem uma visão global à
chamada Sétima Arte. Fiz questão de uma triagem bastante criteriosa e
imparcial, contemplando todos os continentes, gêneros, sexos e estilos. Sem
preferência por A ou B.
No “K”, você fala de
cinema, que é algo muito ligado à estética. Como você trabalha a estética do
zine? Como foi a criação desse layout que permanece igual ao longo desses anos
de publicação?
Visualmente trabalho
sobre um template criado de forma autônoma. A ideia era facilitar a edição,
apenas preenchendo os boxes vazios da diagramação com os textos no Quark
XPress. É isso que faço. Digito diretamente nos espaços da matriz, de
improviso, sem rascunho ou texto prévio. É tipo um mergulho de cabeça, uma catarse
espontânea movida a Coca-Cola, batata-frita, jujuba e muito, muito chocolate,
hoje minhas “drogas” favoritas... [risos].
Como ocorre o
processo de pesquisa e seleção de conteúdo do que será publicado?
Para cada cineasta,
reúno um número máximo de oito filmes. Assisto-os um a um, dia após dia, até
que o ciclo se complete. Isso me dá uma noção global do nome em questão, bem
como a oportunidade de descobrir ou redescobrir obras que já esquecera ou não
tivera maturidade bastante da primeira exibição. Feito isso, parto para o
processo de redação diretamente na tela, como expliquei anteriormente. Basta
ter poder de síntese e dominar os segredos dessa arte.
Em quais locais da
cidade o zine é distribuído? Para quem tem interesse em obter algum exemplar
dos 56 publicados ao longo desses 5 anos, há alguma forma de acessá-los online
ou adquirir o zine físico?
Atualmente
distribuo, de forma independente, em pontos que vão do Sebo Vermelho à Banca 7ª
Arte; da Capitania das Artes aos colégios Marista, Salesiano e Over; do Campus
da UFRN e seus setores, àquelas bancas nas imediações do Atheneu. Grátis, faço
questão de frisar. Em relação ao acesso on-line, preferi não facultá-lo, já que
a ideia é papel de verdade mesmo. Curto muito originalidade e costumo brincar
sobre essa “supremacia virtual de milhares de blogs por aí”: por ser o único ou
um dos raros a produzir cultura (ainda) em papel, no dia em que resolverem a
ele retornar, parto para o digital... Sempre na contramão, é o meu lema.
Apofenia Gráfica, fanzines de Tatiana Azevedo.
Uma oficina de produção de zines começou a ser
oferecida no Campus Cidade Alta do IFRN (Instituto Federal do Rio Grande do
Norte) neste mês de Junho e deve durar até o final de 2018. A atividade é
gratuita e aberta ao público e tem como objetivo estabelecer um diálogo entre
cultura, saúde e educação por meio da construção do material estético fanzine.
O curso busca também promover a liberdade criativa dos participantes e a sua
capacitação para que possam construir seus próprios zines de maneira autônoma.
Um dos ministrantes da oficina é a designer Tatiana
Azevedo, de 28 anos. Formada em Design pela UFRN, ela conta que o seu interesse
por zines começou enquanto fazia intercâmbio na University of the Arts London
(Universidade das Artes de Londres) pelo programa Ciências sem Fronteiras. Lá
ela viu as publicações independentes em eventos e uma amiga sua também começou
a produzir, o que incentivou Tatiana a construir seus próprios zines. “Comecei
a me interessar por ser algo que eu mesma poderia fazer e experimentar, é como
uma forma de aprender mais sobre design gráfico e ao mesmo tempo produzir
coisas que me interessam”, afirmou a designer.
Atualmente, Tatiana produz o Apofenia Gráfica, um
pequeno zine de fotografia analógica. Quando perguntada sobre qual o tema das
suas publicações ela responde: “Neles eu brinco de juntar fotos que pra mim
fazem algum sentido juntas, criando uma relação entre elas. E a ideia é que o
leitor possa brincar de descobrir ou criar essas relações”.
Sobre o formato dos seus zines, a designer afirma
que trabalha com a impressão em folha A4 por ser mais fácil e de menor custo e,
por fim, com a dobradura a publicação toma a dimensão de uma folha A7.
Preocupada com a qualidade das fotografias que formam a fanzine, Tatiana diz
procurar um lugar que ela confie para imprimir os livretos, afirmando também
que: “A estética do zine foi construída de acordo com meus interesses e
referências, as fotografias analógicas são o conteúdo e ao mesmo tempo são a
principal estética”. Ela já participou de eventos vendendo suas fanzines por
quatro reais, mas atualmente ela produz na para mostrar aos amigos e dar de
presente.
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