Terapia larval revoluciona tratamento de diabetes
Por: Aline Anúzia,
Eduarda Fernandes, Isabella Oliveira e Priscila Lima.
As lesões cutâneas são bastante comuns, e geralmente, há dificuldades de cura,
em geral naquelas ligadas a diabetes. As feridas, especialmente em idosos, e
certas infecções, particularmente com bactérias resistentes a antibióticos de
vários tipos, dificultam a recuperação desses ferimentos, levando a riscos de
amputação e mesmo ao óbito. Com mais de dez milhões de diabéticos no Brasil, a
quantidade de casos de feridas com dificuldades para cura é muito grande.
Várias técnicas têm sido utilizadas para auxiliar na cura de lesões cutâneas,
associadas a géis e antibióticos modernos, mas os tratamentos são demorados,
caros e nem sempre eficazes.
A observação de que as larvas de certas moscas podem ajudar a limpar ferimentos
e apressar a cura levou à chamada terapia larval, que teve seu apogeu entre as
guerras mundiais. Após 1945, com o desenvolvimento de vários antibióticos, a
medicina deixou de lado o uso desta técnica para o tratamento de feridas.
Em pouco tempo, percebeu-se que os antibióticos levavam à resistência, e que os
tratamentos eram caros e resolviam somente parte dos casos, não conseguindo
impedir conseqüências graves, como as amputações. Essas dificuldades
proporcionaram o ressurgimento do interesse pela terapia larval, a partir da
década de 1980. Atualmente, dezenas de milhares de pacientes com feridas de
várias origens (diabetes, úlceras, queimaduras, fasciite necrotizante etc.) já
foram tratados nos Estados Unidos e em vários países da Europa, principalmente
no Reino Unido, Alemanha, Holanda e Suécia. E desde 2011, no Brasil, mais
especificamente no Hospital Onofre Lopes, em Natal.
Terapia larval é um o nome de um procedimento médico de ponta no mundo inteiro
e que foi trazido para o Brasil, para aplicação em humanos, por uma enfermeira
do serviço público brasileiro. Julianny Ferraz é o nome da profissional da
saúde que mudou a vida de muitos pacientes que passaram pelo Hospital Onofre
Lopes com feridas em estado de necrose grave e que poderiam causar uma
amputação.
A enfermeira Potiguar, Julianny Ferraz, recebeu o prêmio Anna Nery 2017, o mais
importante prêmio de Enfermagem do Brasil. A profissional foi reconhecida pelo
importante trabalho que desenvolve nas pesquisas do tratamento de feridas e
terapia larval, no qual possui destaque nacional. Julianny, embora atue na área
há 33 anos, ainda se emociona ao relatar a história de pacientes que passaram
pelas suas mãos cuidadosas.
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte abriga o grupo de pesquisadoras
sobre Terapia Larval, onde, desde 2011 se encontraram por meio de interesses em
comum e nunca abandonaram a vontade de mudar a vida dos pacientes carentes que
passam todos os dias pelos leitos do Hospital Universitário. Porém, a UFRN não
as trata como mãe: as pesquisadoras contam que nesses quase 10 anos desde a
aplicação do método, nem a Universidade nem a Governança do Hospital nunca às
recebeu para conversar sobre o tema e oferecer qualquer tipo de apoio para o
desenvolvimento da pesquisa e do tratamento.
O tratamento consiste no uso de larvas de moscas varejeiras para promover o
desbridamento biológico, nome dado para o processo em que as larvas comem os
tecidos mortos da pele e soltam em sua saliva substâncias que promovem a
cicatrização das feridas mais rapidamente que métodos convencionais. Utilizado
como tratamento no mundo inteiro, a terapia Larval começou a ser aplicada no
Brasil através do trabalho pioneiro da enfermeira Julianny Barreto Ferraz,
coordenadora da equipe de feridas do Hospital Universitário Onofre Lopes, em
Natal. A prática do Desbridamento Biológico é antiga e atualmente é utilizada
como rotina em países da Europa e nos Estados Unidos. Apesar dos benefícios
cientificamente comprovados e de ser uma técnica de uso milenar, no Brasil,
apenas o Rio Grande do Norte realiza esse procedimento. Para a enfermeira
Julianny Ferraz os benefícios que a larva traz são impressionantes para o
paciente, para a família e para o SUS, afirma.
O Desbridamento Biológico consiste na
utilização de larvas estéreis da mosca Crysomya Megacephal, espécie de
varejeira comum em Natal, em pacientes com feridas causadas por diabetes,
úlceras e queimaduras.A técnica atualmente é usada no HUOL no tratamento de
pacientes diabéticos, doença que atinge mais de um milhão de pessoas somente no
Rio Grande do Norte. As larvas das moscas, após coleta, criação e esterilização
em laboratório, localizado no Departamento de Ciências Biológicas da UFRN, são
colocadas e mantidas nas feridas por um período de 48 horas. Estas larvas
alimentam-se somente de tecido morto, estimulando a formação de tecido de
granulação, promovendo a cicatrização da ferida.
A larva tem como função se alimentar do tecido morto e sua saliva possui
substâncias que ajudam o tecido a se regenerar, sua urina muda o ph da pele e
possibilita uma recuperação mais rápida e completa do que com métodos
convencionais utilizados em hospitais.
O tratamento de rotina para a eliminação da pele necrosada de feridas, é
comumente realizado de forma mecânica, por meio de raspagem utilizando um
bisturi. No entanto, essa prática é muito agressiva e dolorosa para o paciente.
Outro meio é a utilização de curativos à base de substâncias como a prata,
procedimento que despende um custo altamente elevado para o hospital, além das
muitas cirurgias de amputação que chegam a ser feitas devido à gravidade da
ferida. São justamente esses fatores que tornam a terapia larval uma
alternativa mais viável, tanto do ponto de vista econômico quanto científico e
em relação ao bem-estar do paciente.
Desafio dentro dos hospitais
As moscas são consideradas pela maioria das pessoas como seres nocivos ou, no
mínimo, repulsivos. Para a enfermeira do HUOL Mariana Abreu Agra, especialista
em dermatologia, o principal desafio para a expansão da terapia larval no
Brasil é o conservadorismo médico, que muitas vezes prefere um tratamento
convencional e se recusam a participar de especializações, seminários e
congressos sobre o tema.
Os pacientes têm acesso à terapia larval através da palavra das enfermeiras do
projeto, que ao receberem um paciente com uma ferida cutânea em estado de
necrose de liquefação – um tipo de necrose onde a pele se encontra “mole”, com
mau cheiro e coberta por uma colônia de bactérias – têm o papel de
conscientizar à respeito das vantagens da terapia e da possibilidade de não ter
o membro amputado. A adesão por parte dos pacientes é 100% positiva, cita
Mariana Abreu.
Desde seu surgimento no Hospital Onofre Lopes, a terapia larval foi aplicada em
16 pacientes. Esse número é resultado de um trabalho incansável por parte da
pequena equipe de enfermeiras e alunos de graduação, que se dedicam 24h por
dia, sete dias por semana, aos cuidados da colônia de moscas do Centro de
Biociências, que possui uma alimentação de dar inveja à qualquer inseto: leite
ninho, farinha láctea, levedo de cerveja e ração para peixe.
A pesquisadora e professora Renata Antonaci, conta que um ponto marcante para a
prática da Terapia Larval foi a possibilidade de se criar a colônia num
laboratório próprio, mas que ainda é muito difícil manter os custos da criação
das moscas e da manutenção do laboratório, por falta de investimentos e
interesse por parte da Universidade. “Acredito que uma pesquisa que mostre o
impacto financeiro da terapia larval faria com que a instituição abrisse os
olhos para essa alternativa”, conta Renata. Atualmente, uma aplicação de larvas
custa para o SUS pouco mais de $5,00, enquanto outras práticas, como a
cirurgia, chegam a mais de $1.500,00.
As profissionais promovem cursos de capacitação para profissionais da saúde que
se interessam na Terapia, oferecem simpósios, projetos de extensão e todos os
métodos possíveis para tornar a prática, uma cultura hospitalar. “A vontade é
conseguir aplicar a terapia larval em todos os pacientes que correm o risco de
perder o membro por causa de uma ferida, mas não temos recursos físicos,
humanos e laboratoriais para isso ainda”, afirma Julianny Ferraz.
As pesquisas caminham para um destino muito promissor na área da saúde que é a
validação de técnicas da medicina alternativa, que tem o gosto tanto pela
ciência quanto pelo bem estar do paciente. E enquanto contarmos com
profissionais que se atualizam, buscam referências históricas e que botam suas
idéias em prática compartilhando seus conhecimentos, visões de mundo e desejo
de mudar o mundo, podemos manter a confiança numa sociedade mais humana e numa
saúde pública mais integrativa.
Boa Tarde! Excelente matéria. Só o nome da mosca é que está mal, é Chrysomya megacephala
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