A
importância da humanização no jornalismo
Por Cristiane
Modesto, Isa Caroline, Júlio Marcel, Marcus Arboés, Pedro Maciel e Taís Ramos.
O repórter Caco Barcellos conta a história de um personagem - Ruan Rocha, que foi tatuado de maneira forçada após tentativa de furto - no programa Profissão Repórter (imagem: Divulgação/Globo)
O jornalismo hoje está totalmente atrelado às evoluções tecnológicas e, com isso, à praticidade. Para atender às exigências trazidas por essa informatização dos meios de comunicação, o jornalista acaba se prendendo ao tecnicismo, deixando de lado, por vezes, a criatividade e os sentimentos que compõem um jornalismo humanizado. Isso
não é algo próprio da atualidade e tem sido enfrentado por profissionais da
comunicação há muito tempo. Uma, dentre tantos, é a renomada professora e
jornalista Cremilda Medina, que defende e luta por uma construção social dos
sentidos do jornalista por meio do que a mesma chama de “diálogo possível”, que
ocorre quando o jornalista dá voz a personagens anônimos que retratam
diferentes realidades e pode ser proporcionada por intermédio dos perfis
jornalísticos.
O
perfil jornalístico é um gênero inserido no jornalismo literário, onde um
personagem terá sua história contada por uma narrativa, liberto das
padronizações exigidas pelos veículos de comunicação nas matérias noticiosas e
afins.
Esse procedimento é defendido pelo
jornalista Ricardo Kotscho no seu livro A
prática da reportagem, o qual serve como base para muitos estudantes
universitários da área. Na obra, o autor mostra como pequenas histórias podem
aproximar o leitor do jornal por causa de uma identificação emocional, assim
como dar o poder de voz para personagens anônimos pode ajudar um indivíduo.
Isso pode ser visto quando, no livro, Kotscho ressalva seu sentimento, ao
exemplificar um caso onde ele ajudou a tirar uma família da miséria: “embora
não conste em nenhum manual [...] que o repórter tem, entre outras, a função de
acabar com a fome, sempre é bom ajudar alguém com aquilo que a gente escreve”
(2000, p. 67).
A
frase acima representa a felicidade de Ylanna Pires, 19, estudante do curso de
Jornalismo da UFRN, que apresentou um exemplo bem mais próximo a nós, de como o
jornalismo pode contribuir com alguém por meio da sensibilidade da história de
uma pessoa anônima, no caso, a ambulante Francinete de Macêdo, ou Fran, como a
mesma prefere ser chamada.
Ylanna
Pires, acadêmica em Jornalismo (foto: Marcus Arboes)
Na
matéria publicada no Caderno de Pauta, Ylanna atenta ao detalhe da presença do
neto de Fran, um garoto que ajudava a avó durante o dia com o seu trabalho e à
tarde ia para a escola. Esse pequeno fato dentro do texto chamou a atenção de
um leitor, que conseguiu uma vaga de jovem aprendiz no supermercado Atacadão
para o neto de Francinete. Tal informação chegou até Ylanna da melhor maneira
possível: um caloroso encontro com a ambulante, que estava com um sorriso
incondicional estampado no rosto para agradecer, fazendo a estudante se deixar
tomar pelos seus sentimentos sobre a profissão. “Faz 10 anos que eu quero isso
para minha vida, mas ali com certeza foi um ponto definitivo para dizer: ‘cara,
eu vou fazer isso aqui nem que eu ganhe cinco reais, eu vou fazer isso pelo
resto da minha vida!’.”, conta a estudante.
O
jornalismo pode ser tão surpreendente que, na mesma turma de Ylanna, está
Aécio, um personagem pouco notado, mas que tem uma bela história para contar.
Nada mais justo que trazer o relato de alguém que pode exemplificar tão bem o
quanto o jornalismo pode aproximar o leitor com uma bela mensagem.
133 quilômetros
“É para sobreviver, eu estou indo para estudar aquilo que eu
sempre sonhei”
Quando
o relógio da pequena Tacima, no interior paraibano, toca às 6h30 da manhã,
Aécio de Oliveira Sousa, 32, se levanta, pois, às 7h00 tem de estar na
Secretaria de Educação para trabalhar, isso quando não está auxiliando na
coordenação de uma das 14 escolas do município, onde ele encontra funcionários,
alunos e ex-alunos (de quando era professor) que o tratam com muito carinho.
Depois de cumprir a carga horária de seis horas, Aécio sai às 15h00 de Tacima e
se locomove até Passa e Fica, cidade vizinha que fica a cerca de 7 quilômetros,
após a fronteira com o Rio Grande do Norte. De lá, ele pega o transporte
público e se aventura numa viagem de duas horas e meia para Natal, capital do
RN. Ao chegar na Cidade do Sol, Aécio vai para a UFRN, onde estuda jornalismo,
curso dos seus sonhos desde a infância, que tem feito valer a pena todo o
percurso realizado diariamente. Após a aula ele repete o percurso e, para
atravessar a fronteira estadual, precisa pegar uma moto às 00h30 para chegar em
casa e se preparar para mais um dia.
Uma
distância de 133 quilômetros que não o intimida, pois ele sabe que, apesar das
dificuldades, tudo aquilo tem o seu valor. Essa valorização, o estudante
aprendeu desde cedo, no ambiente familiar, como conta: “Meus pais, como não têm
um grau de estudo maior, me deixaram claro desde criança que sempre tem alguém
pior do que eu. Eu vou todo dia, eu tenho o que comer, eu tenho o que vestir,
eu tenho um transporte pra ir para Natal”.
Quando
questionado sobre tentar morar em Natal e o porquê de ir tão longe tendo outras
possibilidades, Aécio explica que seu emprego como secretário da educação em
Tacima é estável e que ele recebe bem, mas, como é um cargo comissionado, ele
sabe que uma hora terá fim, por isso precisa correr atrás do seu sonho. Talvez
fosse mais fácil ir para Campina Grande, que é mais próximo, mas o Estado não
fornece transporte, o que atrapalharia todo o planejamento.
No
entanto, o principal motivo para tentar uma universidade no Rio Grande do Norte
eram as pessoas. Aécio já havia tentado o curso em uma universidade paraibana,
mas acabou sendo muito mal recebido, sem falar que ele já era traumatizado com
o individualismo e a ganância presente nas personalidades daqueles que conheceu
na sua primeira graduação. São as pessoas a razão essencial para Aécio
continuar lutando, por mais que sempre tenha sonhado com aquilo, pois, na sua
atual turma, diferente do que esperava, ele encontrou uma grande diversidade de
“sonhadores”, como ele gosta de chamar os colegas, que o fazem se sentir confortável
no ambiente acadêmico e social.
“O maior incentivo é encontrar uma turma parceira, que se preocupa com você,
com o ser humano, que incentiva a gente estar na aula, a estar bem e a produzir
coisas boas. São pessoas que lhe ouvem, que param para ouvir pequenos detalhes
da vida, não só a minha, mas a de todo mundo. Eu acho engraçado... eu me sinto
importante na turma”, relata.
Se sentir importante era bem
diferente do esperado, pois, como já dito, Aécio estava acostumado a lidar com
a prepotência e, na sua fala, ele demonstra o sentimento na surpresa de ter
sido completamente o inverso: “Em Tacima eu sou Aécio, já conhecido por várias
coisas que faço. E no curso, na turma, eu sou Aécio, eu continuo sendo Aécio, a
pessoa que pouco conversa durante a aula, mas interage com todo mundo. Fiquei
totalmente feliz, porque eu consegui não ser apenas mais um no meio de uma
multidão”.
Aécio de Oliveira Sousa, estudante de jornalismo e coordenador geral de educação do município de Tacima-PB (foto: Taís Ramos)
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