Liberando o mal
DENIS VITOR DOS SANTOS VIEIRA
Vince Gilligan, um dos produtores da célebre série de Chris Carter dos anos de 1990, Arquivo X, e, um dos criadores de seu Spin Off, que foi além das teorias de conspiração, alcançando o status de profético, The Lone Gunmen (vide o episódio piloto “The Pilote”, que fez sua estreia em março do fatídico ano de 2001 precedendo os funestos acontecimentos em 11/11), nos apresenta em Breaking Bad, a história de Walter White, um químico, colaborador de um prêmio Nobel que escolheu ser um pacato professor do ensino médio na cidade de Albuquerque, no estado fronteiriço do Novo México, que descobre ter câncer terminal e, no intuito de livrar sua família (a esposa ainda grávida e seu filho com paralisia cerebral parcial) de dificuldades financeiras futura, decide deixar de legado alguma segurança financeira como herança, ainda que tenha que quebrar as leis e se torna um criminoso, usando seus conhecimentos em química para produzir droga sintética, metafetamina.
A grosso modo parece apenas mais uma história sobre a fronteira com o México e tráfico de drogas , o que veremos que também o é, mas de maneira íntima, percorrendo seu mundo à partir da brutalidade da marginalidade, entre viciados, repressão e traficantes varejistas, de onde apenas terminam os tentáculos do monstro, percorrendo sua estrutura, entre intermediários até os grandes magnatas das operações, os “barões” que movimentam o verdadeiro império do dinheiro sujo.
Porém, na realidade, a obra de Galligan acaba por ser a história sobre vaidade reprimida, e, de como essa pode transformar um sujeito, pacato, honesto em uma criatura inescrupulosa e de meticulosidade impiedosa. Essa acaba por ser a história visceral do protagonista-antagonista de Gillian, espetacularmente personificado pelo ator Bryan Cranston (que também é um dos produtores) com uma atuação convincente, digna de empatia (e repulsa) emocional por parte do espectador, colabora de maneira sublime com a diegese da série, bem como o jovem ator Aaron Paul, cuja interpretação foi tão intensa e importante quanto a Cranston (quiçá até mais importante , já que foi capaz de mudar radicalmente o projeto da trama inicial da série, na qual seu personagem morreria na primeira temporada) Aaron, vivencia na pele de Jesse Pinkman, um consumidor recreativo de drogas e uma espécie de pequeno traficante “bom-vivant” que produz metafetamina de qualidade duvidosa, até sua aliança com Walter White, que definitivamente mudará a qualidade de seu produto em contraste com a qualidade de sua vida. Vale ressaltar que atuação, todo elenco da série colabora para uma unidade verossímil, desde dos atores e atrizes do núcleo de Walter White, como seu cunhado xenofóbico, o agente Hank Schrader do DEA (a divisão antinarcóticos federal estadunidense) interpretado por Dean Norris e sua esposa Marie Schrader ,interpretada pela atriz Betsy Brandt, um retrato fidedigno de “gente do bem”; além de claro, a severa esposa de Walter White, Skyler, vivenciada por Anna Gunn e seu filho Walter Jr, interpretado por RJ Mitte, ator que na vida real tem paralisia cerebral. Ademais, outros personagens coadjuvantes e núcleos transitórios da série compuseram as temporadas de Breaking Bad com tamanho protagonismo e densidade que ganharam notoriedade e empatia do público, como o do Advogado Saul Goodman, o empreendedor Gustavo Fring e a família Salamanca, a ponto de estrearem uma série spin off.
O arco dramático da série Breaking Bad se dá em cinco temporadas, desde a apresentação do personagem Walter White e sua “morte metafórica” em meio ao desespero diante de sua iminente derrota no jogo do tudo ou nada, na qual é marcada pela puxada de um gatilho que deflagra a libertação do mal no episódio piloto, ao desenvolvimento de seu álter ego, Heisenberg, o lado obscuro que ganha vida à partir da segunda temporada a ponto de ignorar a pretensa consideração e segurança que Walter White desejava legar aos seus entes queridos, seus objetivos iniciais. Nos seguimentos adiante do arco, a notoriedade de Heisenberg afaga sua vaidade, o potencial de liberdade ilimitada oriunda de uma vida criminal faz vicejar a face oculta de um homem que outrora era apenas um mero professor, paciente terminal digno de pena, transformando-o em um sujeito cujo regozijo é o poder exteriorizado na prática impiedosa e engenhosa de maldade justificada na luta por acúmulo de dinheiro, até o fim de sua jornada, onde o destino o fará revelar quem realmente “prevalecerá” .
É inevitável o reconhecimento do “DNA” de Dr Jekyll e Mr Hide fruto da obra literária de Robert Luis Steveson, talvez esse seja um legado referencial, consciente ou inconsciente, para todas as tramas seguintes à sua obra, cujo ponto central seja o duelo interior de um indivíduo na personificação entre “o bem e o mal ” de uma dupla personalidade. Contudo, a criação de Gilligan se mostra uma obra digna de reverência como peça audiovisual, sua transposição temporal de um homem em um laboratório e a liberação do mal através da experiência química para a nossa contemporaneidade por via de uma série televisiva foi realmente bem elaborada. Desde a fotografia do consagrado John Toll, que assina a série na primeira temporada a ponto de direcioná-la nas temporadas seguintes, bem como a de Michael Slovis, que assina as temporadas seguintes, compuseram cenas impactantes, principalmente nos grandes planos com a utilização criativa das grandes angulares; passando pelo roteiro, muito bem intrincado, quase sem pontas soltas que foi composto por ganchos verossímeis, obra de uma sala de roteiristas que contou com a assinatura de Moira Walley-Beckett , Thomas Schnauz , Patty Lin entre outros, além de Gilligan, criador da série; quanto a trilha sonora essa é repleta de obras de músicos alternativos, como The Black Seeds, Ana Tijoux, Glen Phillips e tantos mais , além de clássicos da cultura estadunidense que embalam a série tornando-a notável e interessante.
Enfim, professor e o monstro de Gilligan trazem uma boa reflexão contemporânea quanto ao problema das drogas, seu uso recreativo, o vício, a repressão e suas associações, e, principalmente, quanto ao ego, a moralidade e amoralidade nas relações sociais, temas esses, abordados de maneira prismática, tornando a série Breaking Bad pertinente, principalmente aos dias atuais.
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