quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Justiça

Uma palavra, vários significados

 Pollyanna Ferreira Avelino

No curso de Direito, ensina-se que o Estado chamou para si o direito de punir, tendo também o dever de promover justiça. Mas o que acontece quando o Estado e a Justiça, sua instituição, falham? Quando a pena atribuída a quem cometeu o crime é considerada como insuficiente? Quando a Justiça, que deveria ser imparcial, revela-se indulgente com alguns e discriminatória com outros? Quando a injustiça é realizada ao invés da justiça, anseio tão humano? Estas e outras questões são abordadas pela minissérie Justiça, escrita por Manuela Dias e exibida pela Globo em 2016.

Nela, vemos Elisa (Débora Bloch) disposta a matar Vicente (Jesuíta Barbosa), o ex-noivo e assassino de sua filha que cumpriu somente sete anos de pena pelo crime. Entretanto, ela entra em conflito quando se permite humanizá-lo, quando o enxerga como alguém que também sofreu com suas ações. Acompanhamos também desavenças entre vizinhos que culminam na acusação falsa realizada por Douglas (Enrique Días), policial, contra Fátima (Adriana Esteves), doméstica e mãe de dois filhos pequenos, que é condenada injustamente.

Sozinhos, sete anos depois, ambos voltam a conviver e precisam resolver as questões do passado. Assistimos ainda a história de Rose (Jéssica Ellen) e Débora (Luisa Arraes), duas amigas de infância que, na posse de drogas ilícitas, recebem tratamento discriminatório da polícia em razão do racismo institucionalizado. Rose é presa e Débora sai impune, mas é estuprada depois e conta com o auxílio da amiga para obter justiça. Por fim, vemos a história de Maurício (Cauã Raymond), cuja esposa, Beatriz (Marjorie Estiano), é atropelada e fica tetraplégica. O criminoso sai impune, candidatando-se a um cargo político anos depois, mas Maurício é preso por ter auxiliado Beatriz em sua eutanásia.

Ao assistir a minissérie, é interessante observar que, quando a Justiça falha como instituição, o conceito de justiça ganha conteúdos diferentes. Vingança, reconciliação, recomeço etc. Ademais, a maioria dos personagens são apresentados como humanos, todos sujeitos a erros e acertos, distantes de um maniqueísmo possível em razão do tema da obra, o que é um ponto positivo. Outro seria a ambientação da produção, que ocorre no Recife, longe do tradicional eixo Rio-São Paulo. Ainda que o enredo seja adequado para o Brasil como um todo, ver outro local em tela confere uma sensação de novidade, que também se manifesta na trilha sonora. 

Por outro lado, o entrelaçamento das histórias, que se passam no mesmo dia, simultaneamente, e que é demonstrado por meio da repetição de cenas em pontos de vista diferentes, pode se tornar cansativo para quem assiste. No entanto, não se torna confuso. Especificamente, o tema do racismo se perde no decorrer da trama de Rose e Débora. Seria interessante ver mais desdobramentos. Pessoalmente, as menções ao crime de Vicente, considerado como passional, são irritantes. Servem para humanizá-lo e a classificação é estabelecida pela lei. Porém, o rótulo do passional pode ser uma rota de fuga para um debate mais profundo sobre o machismo, a verdadeira raiz do problema. 

No geral, Justiça é uma minissérie que pode conduzir o telespectador a reflexões importantes, dada a realidade brasileira e os clamores de longa data em torno das falhas da Justiça. Seus vinte episódios prendem a atenção e, em especial, a justiça entendida como reconciliação pode ser uma novidade para quem a enxerga por um prisma mais punitivista. Enfim, vale a pena conferir.

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