Garota Exemplar (Gone Girl, 2014), dirigido por David Fincher e baseado no romance homônimo de Gillian Flynn, é daqueles filmes que nos prendem pelo enredo, mas nos marcam pela inquietação que deixam ao final. O longa apresenta uma construção meticulosa do suspense e da narrativa, com um roteiro afiado e uma estética fria que reforça o distanciamento emocional dos personagens – marcas características de Fincher.
A trama acompanha Nick Dunne (Ben Affleck), um marido aparentemente comum cuja vida vira de cabeça para baixo quando sua esposa Amy (Rosamund Pike) desaparece no dia do aniversário de casamento. A partir daí, o filme desenvolve não apenas uma investigação policial, mas uma profunda análise sobre aparências dentro de um relacionamento, com reviravoltas imprevisíveis que mantêm o espectador em constante estado de alerta.
Do ponto de vista técnico, Garota Exemplar é muito bem-feito. A montagem das sequências é brilhante, unindo passado e presente de forma natural, mas ainda assim surpreendente. A trilha sonora também se destaca: discreta, porém extremamente eficaz — ora silenciosa e tensa, ora inquieta e quase hipnotizante, especialmente nas cenas conduzidas pela narrativa de Amy.
Além dos aspectos técnicos, as atuações merecem atenção especial. Ben Affleck, com sua expressão contida, combina perfeitamente com a ambiguidade do personagem Nick. Já Rosamund Pike rouba a cena com uma atuação complexa, misteriosa e ameaçadora — um desempenho marcante, que a coloca facilmente entre as grandes personagens femininas do cinema atual.
Apesar de toda essa excelência, o final deixou um gosto agridoce. A construção do enredo cria uma expectativa de um desfecho mais explosivo ou conclusivo, e o que recebemos é, na verdade, um encerramento que parece inconcluso. Não por falta de resolução, mas pela sensação de que o filme caminha para algo mais grandioso, apenas para parar e nos deixar no desconforto. Pode-se argumentar que essa era a intenção – mostrar o aprisionamento emocional e psicológico de um casal cuja relação virou um campo de batalha silenciosa –, mas, na realidade, causa um sentimento de que faltou um passo a mais. O filme parece flertar com a ideia de uma continuação, mesmo que talvez não tenha sido essa a proposta original.
Mesmo com esse desfecho, Garota Exemplar é um filme envolvente, elegante e incômodo — uma combinação que contribui significativamente para seu impacto. É impossível ignorar o brilhantismo técnico e a densidade temática da obra, que vai muito além do mistério do desaparecimento. Trata-se de um thriller psicológico de alto nível, uma dissecação brutal — e estilizada — do que significa compartilhar a vida com alguém.