Pedro de Luna
Em Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, 1959), François Truffaut não apenas estreia como diretor, ele inaugura uma nova forma de fazer cinema. Marco inaugural da Nouvelle Vague, o filme é, antes de tudo, uma declaração pessoal: autobiográfico em essência, político em subtexto e profundamente poético na forma. Por meio de Antoine Doinel, seu alter ego interpretado por Jean-Pierre Léaud, Truffaut dá voz a uma geração de crianças invisíveis, aquelas que crescem sem escuta, sem espaço, sem direção.
Antoine é um menino comum, mas essa é justamente a tragédia. Porque ser “comum” numa sociedade que exige submissão e não escuta as angústias da infância é uma condenação silenciosa. O menin iva colaboram para um realismo poético que rompe com o cinema clássico e aproxima o espectador da verdade emocional do personagem. A Paris filmada por Truffaut não é idealizada, é fria, indiferente, melancólica. A cidade grande, com seus becos e muros altos, funciona quase como uma prisão simbólica para aquele que só quer correr, brincar, pertencer. A atuação de Jean-Pierre Léaud é um dos maiores trunfos do filme. Ele não interpreta Antoine; ele é Antoine. Seu olhar não tem a malícia dos atores infantis moldados por Hollywood, mas carrega uma autenticidade desconcertante. Em sua revolta, há fragilidade.
Em sua fuga, há desespero. Em seu silêncio, há perguntas sem resposta.
A cena final é uma das mais célebres da história do cinema. Antoine foge do reformatório e corre até o mar, que, até então, ele nunca havia visto. A câmera o acompanha numa longa sequência, até que ele para e olha diretamente para nós. Truffaut congela a imagem, nos forçando a encarar aquele olhar. É um momento de suspensão, onde tempo e narrativa se interrompem, e tudo o que resta é uma pergunta muda: e agora? A fuga foi real, mas a liberdade é possível?
Os Incompreendidos não oferece soluções. Tampouco tenta redimir a dor com algum tipo de final feliz. O que ele faz, com delicadeza e força, é nos convidar a escutar o que normalmente ignoramos: as dores invisíveis, os gritos abafados, a solidão cotidiana de umainfância que amadurece cedo demais. O filme não julga Antoine. Julga o mundo ao redor dele.
Mais do que um clássico da Nouvelle Vague, Os Incompreendidos é uma aula de empatia e um espelho desconfortável. Truffaut nos mostra que crescer, em muitos casos, é aprender a sobreviver aos adultos. E que, se quisermos realmente compreender a juventude, talvez devêssemos começar por calar um pouco, e ouvir de verdade
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