A questão indígena no Rio Grande do
Norte: conversa com Diego Akanguasu, do Sítio Histórico e Ecológico Gamboa do
Jaguaribe
Gilvanise Oliveira, Manuela
Lima, Marcelo Nascimento; Júlio Castro.
O Sítio Histórico e Ecológico Gamboa
do Jaguaribe, popularmente conhecido por Gamboa do Jaguaribe, se propõe a ser
uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural). Lá são recebidas muitas
pessoas para trocar ideias e elaborar ações sobre questões socioambientais
relativas ao estudo de culturas indígenas. Sabe-se que há um déficit muito
grande dos estudos sobre o tema no Rio Grande do Norte, que durante muito tempo
a ideia da aculturação, da perda cultural foi a que marcou não só a visão da
elite política brasileira, mas que foi introduzida na maior parte da população.
O indígena Diego Akanguasu conta que
muitos intelectuais como Câmara Cascudo, Darcy Ribeiro, por mais que amassem a
causa e os povos indígenas, eram adeptos dessa visão, o que não contribuiu em
nada, muito pelo contrário, provam o descaso, a invisibilidade com a
diversidade indígena do Nordeste, sobretudo do nosso estado, que é
estereotipada para ser entendida sempre como o indígena de 1500, ou o indígena
do Xingu, ou o indígena da Amazônia, quando, na realidade, cada povo indígena
tem a sua história, passou por suas dificuldades, tem as suas próprias
vivências, seus próprios conhecimentos e suas particularidades.
“É o caso das onze comunidades
indígenas que existem hoje no RN e que, nesse estado aqui ao lado do Piauí, que
somente em 2005 foram reconhecidas as comunidades indígenas desse território
mostra, por exemplo, como grupos familiares vão ficar roendo o osso do poder, a
gente sabe por ‘a mais b’ o nome dessas oligarquias que estão aí se elegendo,
se reelegendo, botando filhos, netos, enfim, isso vem dos golpes que montaram o
Brasil. Isso remonta ao período das grandes navegações, do colonialismo, que
transformou aldeias em missões, depois em vilas e agora nós somos cidades”,
afirma Akanguasu.
O líder ainda diz que eles estão na
Zona Norte de Natal mostrando que as capitais são formadas por mão de obra
indígena. Fala que estão na Potiretama, na terra dos Potiguaras, numa parte da
Pindorama, dessa mata atlântica que já foi destruída mais de 90% e aqui nessa
terra de Poti, desse rio grande que se chama Potengi, que corre nessa memória
indígena e que é desvalorizada, que é sucateada e que nem sequer é anunciada.
Um rio que comporta esse estuário, parte desse estuário, onde mais de 70% das
espécies marinhas vem, onde o pescado é o setor econômico mais forte do estado
e, ainda assim, continua sendo degradado, como vemos em obras de saneamento,
onde se tenta dialogar para que seja principalmente reutilizada a água, que não
seja jogada mais de 1000 litros por segundo de água nesse rio, é visto não só o
descaso socioambiental, mas o descaso com a memória e com as culturas
indígenas, então eles nesse lugar servem como aquela tecla F5 do computador
dando aquela atualizada, fazendo a ligação desde o momento desse contato
chamado descobrimento, o contato do velho mundo com o novo mundo, até esse
momento de hoje, de tentativa de construir uma democracia de participação
popular nas decisões, principalmente quando tem a ver com a nossa boa
permanência, nossa boa vida, nosso bem viver nesse planeta azul cheio de água
que a gente chama de Terra.
“Como diz o camarada da república
popular de Maçaranduba, sendo assim chamado em Ceará Mirim, Chico Canindé,
antes de pensar em reforma agrária, que é assim um dos problemas centrais do
Brasil, a má distribuição, a concentração formada, montada por esse esbulho,
temos que pensar na ‘reforma aguária’ e como o cacique Chicão Chupuru falou: ‘A
água é o sangue da terra’. Precisamos de água, a água é o nosso elemento
fundamental para a gente garantir a nossa vida e está sendo cada vez mais
privatizada como a terra já vem sendo nesses 500 anos”, diz Diego.
Ele explica que a miscigenação no Brasil, como em toda parte do mundo, é constante. Cada grupo se organiza de uma forma e tem seus critérios de endogamia e exogamia de se relacionar com pessoas de dentro ou de fora do grupo. Isso entrou no repertório do grupo das pessoas que difundiram a ideia da aculturação como se as culturas fossem petrificadas, como se as pessoas só se envolvessem nos seus núcleos familiares, mas isso não é um grupo étnico. Um grupo étnico tem outras características que o ordena, que o organiza, e não o fator da linhagem sanguínea, da geração. O que acontece na humanidade toda são os fluxos de pessoas, de migrações que vão moldando os grupos. A miscigenação é algo que vem intrínseco com a humanidade. O que acontece nesses 519 anos de colonização é a miscigenação com esses povos que não estavam por aqui, o que também não tira a etnicidade de nenhum grupo, não tira a origem indígena de nenhuma pessoa. Pode aumentar, pode “complexificar”, mas nunca vai retirar.
Questionado sobre a identidade dos
índios, Diego Akanguasu disse que as pessoas podem esquecer ou podem ser
educadas que ser indígena é somente aquilo que foi estereotipado pela
sociedade, mas conhecendo uma das onze comunidades indígenas do Rio Grande do
Norte, conhecendo a diversidade indígena do Nordeste, se você for para o Norte,
se você for in loco, se você for ver
esses povos, irá ver que eles são totalmente distantes daquele antigo livro
didático que mostrava o indígena como um boneco produzido industrialmente,
sempre com as mesmas características, sempre reproduzindo os mesmos costumes,
os mesmos hábitos. Claro que alguns hábitos podem ser resgatados, podem ser
valorizados, podem ser reestruturados, ressignificados, e isso tudo tem a ver
com movimentos de grupos étnicos, sejam quilombolas, indígenas, ciganos, sejam
quais forem estes grupos. A miscigenação é algo humano. Não é algo dos povos
indígenas e nem muito menos somente desse período de contato do velho mundo com
o novo mundo, como foi assim chamado. Das Américas com a Eufrásia (Europa,
África e Ásia).
“Uma coisa que é muito falada, que é
muito mal explicada e que é difundida nos livros didáticos, e que até 2005 foi
muito falada no RN e no Piauí, que como eu falei são os últimos estados a
reconhecerem a diversidade indígena da sua população, essa ideia tinha a ver
com a proposta colonial assimilacionista de usar a mão de obra indígena, como
até hoje foi feito, desde a retirada do pau-brasil, desde as construções das
cidades, das construções das vilas, da própria Fortaleza dos Reis Magos. Nem
tudo que existe aqui no Brasil foi a mão de obra indígena, muita gente falou,
muitos estudos disseram que o indígena não foi escravizado, até hoje há muitos
indígenas escravizados, e a ideia de dizimação é atrelada a ideia de
aculturação do assimilacionismo. Se você passa a integrar uma cultura,
independente de você ter um conjunto de leis que lhe obrigue a fazer isso, era
considerado que você estava aculturado, logo o indígena, a cultura indígena
estaria exterminada”, conta.
Diego lamenta que se fala em
extermínio, mas não se sabe se esse genocídio é somente na parte cultural ou se
tem a ver também com a parte física dos indígenas, porque o que os dados
mostram é que a população indígena não decresce, muito pelo contrário, ela só
aumenta com o passar dos tempos. A valorização das diferenças, o
reconhecimento, o estudo depois da última Constituição de 1988, que passou a
tirar essa ideia da aculturação e do assimilacionismo e passou a respeitar não
só idiomas indígenas, mas sim toda a sociodiversidade, aí sim vai entender que
não é passando a ser cristão, ou passando a falar um idioma europeu, seja ele
espanhol, seja ele português, ou então passar a usar roupas ou a adotar
qualquer outro hábito que não era de tal grupo, não lhe faz deixar de pertencer
a esse grupo. Simplesmente mostra como a cultura é dinâmica e como as coisas se
transformam. Quando falam de genocídio e extermínio das culturas indígenas
estão pensando nessa transformação cultural, nessa transculturação, que vai dar
o nome de aculturação, que tem todo esse desencadeamento político de retirada
de direitos dos indígenas, e de golpes e mais golpes, de Cabral da colônia até
os candidatos fascistas e antidemocráticos dessa eleição de 2018, para não
citar, dar nome aos bois, os latifundiários.
Em 12 de outubro de 2018 ocorreu um
mutirão de limpeza do manguezal, o que é um ato simbólico porque o lixo é
produzido em larga escala e não vai ser limpando num dia que o problema do lixo
irá acabar, mas eles precisam reservar dias, momentos e debatendo essas
questões que são importantes para suas vidas em sociedade. Segundo Akanguasu,
isso é um fator que eles estão atentos, que tem a ver com demarcação de terras
indígenas, com o breque total de alimentação à base de veneno como tem um
projeto de lei que quer aumentar de 5lt para 7,5lt de veneno por ano para cada
pessoa. São questões que eles pensam e que vão fazendo isso nesses mutirões
diários, mensais ou semanais. “Então, a Gamboa do Jaguaribe é um sítio
histórico e ecológico destinado ao estudo de culturas indígenas e questões
socioambientais”, conclui.
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