O
BECO: LOUVORES AO BECO DA LAMA EM
PÁGINAS AMARELADAS
Jefferson Bernardino da Silva
Era o ano de 2005
quando a Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências (SAMBA), através de
uma iniciativa de Alexandre Eduardo Garcia, o Dunga, fundou o jornal O Beco,
que não passaria de duas edições, para divulgar eventos culturais e o amor ao
beco em verso e prosa. O periódico mensal em formato berlinense, impresso em
parceria com a gráfica do Departamento Estadual da Imprensa, ou a tradicional
sede do jornal A República, é uma ode ao beco da lama muito antes da sua
revitalização e glamourização turística, mais de uma década antes de o poder
público e o interesse privado chegarem por lá. A primeira edição saiu em 1º de
março daquele ano.
O custo era baixo e
simbólico: apenas um real. Uma forte expressão jornalística de resistência e
valorização cultural. Logo na sua primeira página, já deixa claro aos
desavisados de que não se trata de um jornal convencional, comercial, nos
moldes do mercado da imprensa em massa, com espaços bem delimitados e
planejados para abrigar a publicidade que os faz lucrar. É através da frase
“cultura, poesia e humor” no cabeçalho que anunciam que o jornal não tem
finalidade informativa tradicional mas cultural. Os anúncios são poucos e estão
no rodapé. Desde bares e restaurantes a anúncios de políticos que nos insinua
terem custeado ele de alguma maneira.
A primeira página não
traz manchetes e suas chamadas espremidas, não segue um padrão gráfico e lógico
de diagramação. Tem uma identidade visual simples. Cada edição é marcada por
uma cor: a primeira verde e a segunda azul. É um jornal no melhor estilo
artesanal, independente e alternativo. A primeira edição era uma tímida tiragem
de quatro páginas preenchidas por poemas, crônicas e artigos, uma compilação
deles que também estão presentes na segunda edição. Lembra muito mais um
manifesto do que um jornal com suas pirâmides invertidas. O nariz de cera
francês encontra o provincianismo e a simplicidade potiguares, que predomina,
sem se apegar ao lide quase inexistente até nos textos com um tom mais
informativo.
O seu objetivo é
resgatar memórias, personagens que por lá passaram e locais (como o bar de
Nazi) em sua curta extensão. De cara, o primeiro texto tem similaridades com um
editorial em forma de crônica e escrito por Berilo Wanderley. Lhe ressuscitam,
resgatam a sua pena para que descreva na crônica “Beco da Lama” a sua melhor
definição. O nostálgico jornal começa a trazer na segunda edição, em textos
literários e saudosistas, novidades. O jornal experimental vai tomando novas
formas e se aventurando por novos gêneros textuais jornalísticos. Há uma entrevista com o gerente cultural da
SEBRAE na época Eduardo Viana. Uma ilustração de Franklin Serrão em uma coluna
satírica chamada “Close Resenha”. Um perfil de Fernando Kallon, uma coluna
sobre a Rua da Conceição escrita por Jeane Nesi. Nota-se que o jornal vai
abarcando textos mais objetivos também, apesar da linguagem descritiva,
relatorial, um típico texto historiográfico. Um artigo de Clotilde Tavares que
naquela época já reivindicava políticas culturais para o Beco. Sobre o dia da
poesia e um evento promovido em sua comemoração, há um texto de colunismo
social sobre os que compareceram. Mais uma entrevista em formato pingue-pongue.
As perguntas se misturam com as respostas assim como as notícias se misturam
com as poesias, sem muita divisão. Na Beco Express, o informativo é em forma de
pequenas notas que muito lembram a coluna Roda Viva de Cassiano Arruda Câmara.
O aspecto é um pouco confuso, não segue regras. A edição é encerrada com uma
foto na sessão lambe-lambe, em que um fotógrafo não profissional, Hugo Machado,
retrata o homem sertanejo em seu ambiente árido.
Dunga tem projetos para
trazer o jornal de volta, surfando na onda que evidencia o Beco no momento,
mais do que apropriado. Descontinuou o antigo porque não aceitou que apenas o
seu jornal fosse impresso gratuitamente. O Beco morreu por falta de democracia.
Se recusou a ser estrela solitária em meio a tantos locais e manifestações
culturais de seus companheiros.
Hoje, as páginas estão
encardidas. Mas a arte popular, expressão mais visceral de uma sociedade; a
magia dos recantos, sujos de lama ou não; e encantos dos boêmios bêbados a
soluçar poesias não envelhecem.
LEIA + RM: http://almadobeco2.blogspot.com/2007/11/
https://papocultura.com.br/tag/beco-da-lama/ e
http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/uma-futura-samba-para-o-velho-centro/315083
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