terça-feira, 12 de novembro de 2019

O jornal do Beco


O BECO:  LOUVORES AO BECO DA LAMA EM PÁGINAS AMARELADAS

Jefferson Bernardino da Silva

Era o ano de 2005 quando a Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências (SAMBA), através de uma iniciativa de Alexandre Eduardo Garcia, o Dunga, fundou o jornal O Beco, que não passaria de duas edições, para divulgar eventos culturais e o amor ao beco em verso e prosa. O periódico mensal em formato berlinense, impresso em parceria com a gráfica do Departamento Estadual da Imprensa, ou a tradicional sede do jornal A República, é uma ode ao beco da lama muito antes da sua revitalização e glamourização turística, mais de uma década antes de o poder público e o interesse privado chegarem por lá. A primeira edição saiu em 1º de março daquele ano.

O custo era baixo e simbólico: apenas um real. Uma forte expressão jornalística de resistência e valorização cultural. Logo na sua primeira página, já deixa claro aos desavisados de que não se trata de um jornal convencional, comercial, nos moldes do mercado da imprensa em massa, com espaços bem delimitados e planejados para abrigar a publicidade que os faz lucrar. É através da frase “cultura, poesia e humor” no cabeçalho que anunciam que o jornal não tem finalidade informativa tradicional mas cultural. Os anúncios são poucos e estão no rodapé. Desde bares e restaurantes a anúncios de políticos que nos insinua terem custeado ele de alguma maneira.

A primeira página não traz manchetes e suas chamadas espremidas, não segue um padrão gráfico e lógico de diagramação. Tem uma identidade visual simples. Cada edição é marcada por uma cor: a primeira verde e a segunda azul. É um jornal no melhor estilo artesanal, independente e alternativo. A primeira edição era uma tímida tiragem de quatro páginas preenchidas por poemas, crônicas e artigos, uma compilação deles que também estão presentes na segunda edição. Lembra muito mais um manifesto do que um jornal com suas pirâmides invertidas. O nariz de cera francês encontra o provincianismo e a simplicidade potiguares, que predomina, sem se apegar ao lide quase inexistente até nos textos com um tom mais informativo.

O seu objetivo é resgatar memórias, personagens que por lá passaram e locais (como o bar de Nazi) em sua curta extensão. De cara, o primeiro texto tem similaridades com um editorial em forma de crônica e escrito por Berilo Wanderley. Lhe ressuscitam, resgatam a sua pena para que descreva na crônica “Beco da Lama” a sua melhor definição. O nostálgico jornal começa a trazer na segunda edição, em textos literários e saudosistas, novidades. O jornal experimental vai tomando novas formas e se aventurando por novos gêneros textuais jornalísticos.  Há uma entrevista com o gerente cultural da SEBRAE na época Eduardo Viana. Uma ilustração de Franklin Serrão em uma coluna satírica chamada “Close Resenha”. Um perfil de Fernando Kallon, uma coluna sobre a Rua da Conceição escrita por Jeane Nesi. Nota-se que o jornal vai abarcando textos mais objetivos também, apesar da linguagem descritiva, relatorial, um típico texto historiográfico. Um artigo de Clotilde Tavares que naquela época já reivindicava políticas culturais para o Beco. Sobre o dia da poesia e um evento promovido em sua comemoração, há um texto de colunismo social sobre os que compareceram. Mais uma entrevista em formato pingue-pongue. As perguntas se misturam com as respostas assim como as notícias se misturam com as poesias, sem muita divisão. Na Beco Express, o informativo é em forma de pequenas notas que muito lembram a coluna Roda Viva de Cassiano Arruda Câmara. O aspecto é um pouco confuso, não segue regras. A edição é encerrada com uma foto na sessão lambe-lambe, em que um fotógrafo não profissional, Hugo Machado, retrata o homem sertanejo em seu ambiente árido.

Dunga tem projetos para trazer o jornal de volta, surfando na onda que evidencia o Beco no momento, mais do que apropriado. Descontinuou o antigo porque não aceitou que apenas o seu jornal fosse impresso gratuitamente. O Beco morreu por falta de democracia. Se recusou a ser estrela solitária em meio a tantos locais e manifestações culturais de seus companheiros.

Hoje, as páginas estão encardidas. Mas a arte popular, expressão mais visceral de uma sociedade; a magia dos recantos, sujos de lama ou não; e encantos dos boêmios bêbados a soluçar poesias não envelhecem.


LEIA + RM: http://almadobeco2.blogspot.com/2007/11/
https://papocultura.com.br/tag/beco-da-lama/ e
http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/uma-futura-samba-para-o-velho-centro/315083

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