Marília Mendonça, de “Amante sem lar” a senhora do Spotify.
Por Adri Torquato.
Marília Mendonça é a artista brasileira mais bem colocada na principal referência de sucesso mundial,a plataforma Spotify, tal posição rendeu a cantora a quantia de 4,2 milhões de dólares, o equivalente aproximadamente a 16, 8 milhões de reais. Todavia, a trajetória musical da cantora não passa despercebida a um olhar mais atento sobre um dos nossos traços culturais mais antigos e perversos,o olhar da sociedade sobre as mulheres.
Mendonça iniciou sua carreira na internet com letras de moça livre e “empoderada”, sem ligar muito para o que outros diziam do seu comportamento, nem tampouco do número do seu manequim, já que a sua imagem robusta também fugia dos padrões. Porém,essa performance cheia de estilo e atitude não lhe trouxe o sucesso e reconhecimento artístico a altura do seu talento, já que abraçara o gênero musical sertanejo, de origem agrária e conservadora. Eram necessários “ajustes”. Foram feitos. De “moderninha” à sofredora. Mudado o repertório e a personalidade veio o seu primeiro grande sucesso nacional, “amante não tem lar”.
A letra da música cuja temática é uma traição, conta a história do envolvimento de uma moça solteira com um homem comprometido onde ela cheia de sentimentos de autopunição e culpa assume inteiramente a responsabilidade pelo caso amoroso, mesmo sem ser a figura jurídica impossibilitada de envolver-se com outra pessoa, no caso, o homem casado. “Só vim me desculpar / Eu não vou demorar / Não vou tentar ser sua amiga / Pois sei que não dá / Você vai me odiar / Mas eu vim te contar / Que faz um tempo / Eu me meti no meio do seu lar.”
Há uma autoculpabilização e a fala da personagem feminina mostra uma visão depreciativa sobre si, declarando os danos causados à família do homem traidor: “Ele te ama de verdade / E a culpa foi minha / Minha responsabilidade eu vou resolver / Não quero atrapalhar você”.
“E o preço que eu pago / É nunca ser amada de verdade / Ninguém me respeita nessa cidade / Amante não tem lar / Amante nunca vai casar”. Esse é o refrão da música, repetido à exaustão pelas fãs da artista que lotam os seus shows.
Ao afirmar a preocupação sobre a sua reputação, dizendo que não será mais digna de respeito e amor e não conseguirá se casar em razão disso, exclui-se do círculo de respeitabilidade das mulheres casadas que usam aliança e véu e confirma o julgamento moral predominante da condição de marginalidade da mulher solteira que se envolve com um homem casado, tornando-se uma escória da sociedade patriarcal.
Sobre a representação da instituição do casamento, revisitamos a escritora francesa Simone de Beauvoir quando diz: “Abrem-se as fábricas, os escritórios, as faculdades às mulheres, mas continua-se a considerar que o casamento é para elas uma carreira das mais honrosas e que a dispensa de qualquer outra participação na vida coletiva.”
É interessante observar que sob o aspecto jurídico o mais implicado na música seria o personagem masculino, já que este era casado, portanto, sem disponibilidade jurídica e social para um envolvimento extraconjugal. Todavia, toda a reprovação e autocensura recaíram no feminino.
A música é um exemplo da violência simbólica em relação à dominação masculina sobre as mulheres. Porém, muito mais do que a narrativa de um drama amoroso e um coração partido canta a enorme dificuldade de uma sociedade em lidar com os seus próprios avanços. Contudo, essa foi a estratégia vitoriosa que fez com que a sua intérprete se casasse de “papel passado” com o seu público, e com comunhão de bens.
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