terça-feira, 18 de novembro de 2025

Robô Selvagem


Waldner Celso Dantas Filho


Uma robô acorda em uma ilha remota após uma tempestade e, seguindo sua programação, assume a tarefa de cuidar de um filhote de ganso após um desastre. Essa premissa simples à primeira vista de Robô Selvagem (2024), criada pela brilhante mente por trás de Lilo e Stitch (2002) e Como Treinar o Seu Dragão (2010), Chris Sanders, esconde várias camadas de um belíssimo filme em seu decorrer, tanto visualmente quanto narrativamente. Baseado em um livro de mesmo nome, acompanhamos Roz (Lupita Nyong'o), após cair no mar, aprendendo a se adaptar em uma ilha deserta, aos poucos, criando laços com os animais da ilha, com destaque para sua relação familiar envolvendo Bico Vivo (Kit Connor) e Astuto (Pedro Pascal).

Robô Selvagem é uma obra de arte em todos os sentidos. Sua história simples, mas emocionante, é um dos pilares do filme, sendo contada de forma objetiva, explorando todas as facetas dos personagens e dando o destaque necessário à trama presente, impulsionada pela trilha sonora tocante que atinge o espectador, marcando com suas mensagens de peso. Não se definir pelo que se foi programado para fazer e que às vezes não tem problema sair da programação; laços são mais importantes para família até mesmo que a espécie, a distância e o tempo, pois quem ama, “ouve com o coração”. São, não só, ensinamentos que o espectador leva ao assistir o longa, como são todas questões enfrentadas pelos personagens ao longo da trama.

Para além da história, o aspecto visual é o ápice do filme, destacando-se até mais que outros pontos fortes do mesmo. O design de produção de Raymond Zibach e a fotografia de Chris Stover criam cenas dignas de quadros, o estilo da arte usado na animação, que simula uma pintura a óleo feita à mão, junto à composição de cena resultam em uma beleza refrescante para os olhos como poucos filmes acertam em fazer. No fim, Robô Selvagem se torna uma experiência que desponta beleza e emoção, sendo definitivamente uma obra prima digna e que responde à altura da experiência de ser assistida.

UMA BATALHA APÓS A OUTRA


THIAGO ROGÉRIO PEGADO ARAÚJO

Adquirir consciência política pode ser um processo bastante doloroso. Muitas vezes, caímos em um caminho sem volta e, nesse caminho, a esperança e a desesperança acabam brigando constantemente para ver quem fica por cima. Uma Batalha Após a Outra (2025), o novo filme do Paul Thomas Anderson, famoso diretor de Magnólia (1999) e Sangue Negro (2008), nos apresenta uma história que dialoga justamente sobre essa questão, além de construir uma narrativa, sem arrodeios, sobre as batalhas que decidimos travar.

O enredo é baseado no livro Vineland, de Thomas Pynchon, e conta a história de Bob Ferguson (Leonardo Dicaprio), um revolucionário que se desloca da luta armada para se esconder com sua filha, Willa (Chace Infiniti), de um coronel supremacista branco, interpretado por Sean Penn. Dezesseis anos depois, o agora alcoólatra, paranóico e ainda perseguido Bob, precisa correr contra o tempo para manter a salvo a sua filha e alcançar uma paz que talvez nunca chegue.

É partindo dessa premissa que PTA (Paul Thomas Anderson) esmiúça, ao longo de quase três horas de duração, sobre o impacto do ser humano no mundo e suas consequências. Esse impacto, e tudo que circunda as ações motivadoras dos personagens no filme, são acentuadas por um roteiro firme, mas caricato. O diretor consegue separar os ideais dos heróis e dos vilões na narrativa, mas peca ao representar uma luta armada inconsequente e amadora em um cenário complexo e retaliativo. Quase como se os protagonistas estivessem brincando o tempo todo.

Ele considera, a nível de exemplo, que os membros em um grupo de heróis, ou naqueles que possuem um ideal mais nobre, existem pessoas que estão ali mais pelo fetiche da adrenalina e da violência, do que pela luta de um grande ideal. Que a completude interna só depende diretamente do extermínio do outro. A crença ilusória que só terão paz quando o inimigo for eliminado. É um filme longo, mas bastante frenético, com muita ação, humor e atuações hipnotizantes e que merece ser visto.

A voz do silêncio

 

Maria Antonia da Silva Lisboa de Lima

Baseado no mangá homônimo de Yoshitoki Ōima e dirigido por Naoko Yamada, voz do silêncio adapta com sensibilidade uma história já conhecida pelo público japonês, condensando em pouco mais de duas horas uma narrativa que, no material original, se desenvolve de forma mais extensa e introspectiva. Yamada, que já havia mostrado sua sensibilidade em séries como K-On! e Tamako Love Story, traz aqui a maturidade de uma diretora que sabe capturar a humanidade nos gestos mais sutis.

Em sua primeira grande obra solo para o cinema, ela demonstra uma consciência estética e emocional que a consolidou como uma das vozes mais sutis e potentes da animação contemporânea. O roteiro de Reiko Yoshida, colaboradora frequente de Yamada, consegue preservar a essência emocional da obra, equilibrando a densidade dos temas com a leveza visual característica da Kyoto Animation. O filme foi indicado a diversos prêmios internacionais e é constantemente lembrado como um retrato profundo da solidão e da tentativa de reconexão com o mundo.

A trama acompanha Shoya Ishida, um garoto que, na infância, praticava bullying contra Shoko Nishimiya, uma colega surda que tentava se integrar à nova escola. O comportamento cruel do menino acaba se voltando contra ele quando os colegas o transformam no novo alvo das humilhações e Shoya passa a viver isolado, consumido pela culpa e pela vergonha. Anos depois, incapaz de lidar com o peso do ue fez e com o vazio da própria vida, ele decide procurar Shoko, mais como um último gesto antes de desistir de tudo, do que como uma tentativa real de redenção.

Esse reencontro, no entanto, marca o início de uma lenta transformação, que o filme retrata com um cuidado emocional raro e profundamente humano. Mais do que uma história sobre culpa e redenção, A voz do silêncio é também uma reflexão sobre a comunicação, ou melhor, as falhas dela. A surdez de Shoko é tanto literal quanto simbólica: ela representa a dificuldade universal de sermos compreendidos, de expressarmos dor, culpa e amor de forma honesta. Yamada transforma esse tema em algo quase palpável, usando o silêncio como uma textura narrativa. O som abafado, os momentos em que as vozes se perdem, os enquadramentos que isolam rostos ou cortam o contato visual, tudo reforça a ideia de que comunicar-se é um ato de coragem. E, da mesma forma, ouvir o outro também é.

O filme convida o espectador a pensar sobre a natureza do perdão e da empatia. O pedido de desculpas de Shoya não é apenas para Shoko, é uma tentativa desesperada de se reconciliar consigo mesmo, mas a trama mostra como essa reconciliação não é uma linha reta, e sim um processo cheio de recaídas, inseguranças e gestos mal compreendidos. Nenhum dos personagens é idealizado: todos carregam pequenas falhas, covardias e ressentimentos, e é justamente isso que os torna tão reais. Há algo de profundamente humano na maneira comoYamada mostra esses encontros e desencontros, sem pressa, sem julgamentos, demonstrando que crescer emocionalmente é um ato doloroso, mas necessário.

Ela tem uma forma muito particular de revelar caráter e emoção através do corpo dos personagens, mais especificamente, a maneira de andar deles. Desde seus trabalhos anteriores na Kyoto Animation, Yamada explora o modo como alguém caminha, se inclina ou hesita antes de dar um passo como extensão da alma do personagem e em A voz do silêncio, isso se manifesta em diversos momentos: no passo pesado e contido de Shoya, sempre com os olhos voltados para o chão, contrastando com o caminhar leve, quase infantil, de Shoko; na forma como a relação entre os personagens é revelada tanto pela proximidade com que caminham juntos quanto pela forma como se aproximam, ora hesitantes e tímidos, ora alegres e animados, captando sutilezas do vínculo que se desenvolve entre eles nos detalhes de sua linguagem corporal. São escolhas que falam mais sobre quem os personagens são do que muitos diálogos poderiam e que se tornam essenciais em uma adaptação com tantos personagens relevantes e temas tão delicados.

No fim, A voz do silêncio é um filme sobre aprender a ouvir e a ser ouvido, sobre aceitar que nossas cicatrizes não desaparecem, mas podem se transformar em pontes. Com sua animação delicada e seu olhar empático, Naoko Yamada constrói uma obra que fala sobre dor e redenção sem jamais perder a doçura. Talvez o maior mérito do filme seja esse: transformar o arrependimento em ternura, e o silêncio em uma ponte para a reconciliação. 

Metropolis

JOSE LUAN ALVES DA COSTA


O filme Metropolis, lançado em 1927, é uma obra-prima do cinema mudo dirigida por Fritz Lang. É considerado um dos primeiros grandes filmes de ficção científica e um marco na história do cinema por sua estética inovadora, narrativa simbólica e crítica social. 

Metropolis foi originalmente exibido com cerca de 2 horas e 30 minutos, mas cópias foram editadas e cenas foram perdidas ao longo do tempo. Em 2008, foi encontrada uma cópia quase completa em Buenos Aires, permitindo uma restauração significativa em 2010. O filme continua sendo estudado e celebrado como uma das obras mais influentes da história do cinema. Em 2001, foi o primeiro filme a ser incluído no registro da UNESCO "Memória do Mundo".

O protagonista, Freder, filho do governante da cidade, descobre as condições desumanas dos trabalhadores e se junta a Maria, uma líder espiritual que defende a união entre as classes. A história também envolve um robô (uma das primeiras representações de inteligência artificial no cinema) e explora temas como desigualdade, luta de classes e o perigo da industrialização descontrolada.

Metropolis é mais do que um filme; é um marco cultural e um exemplo da força do cinema como meio artístico e político. Seus visuais atemporais e sua narrativa universal tornam esta obra essencial para qualquer amante da sétima arte. A mensagem final – que "o mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração" – continua sendo um poderoso apelo por empatia e cooperação em tempos de divisão.