quinta-feira, 28 de novembro de 2019

a imagem e a vida

Resenha do filme 
“O retrato de Dorian Gray”

Ana Lívia Pinheiro de Morais

Dorian Gray é um jovem humilde, que acaba de ingressar na alta sociedade inglesa. Por sua beleza fora do normal e uma personalidade doce, gentil e amável, ele torna-se a inspiração do pintor Basil Hallward, que o imortaliza em uma pintura a qual considera sua obra prima.

De início Dorian é apenas um jovem de 18 anos não consciente de seu efeito sob as pessoas, até se deparar com a obra de seu amigo Basil. Dorian fica absolutamente surpreendido com tamanha formosura e começa a se martirizar ao se dar conta de que a beleza daquela pintura irá perdurar séculos enquanto ele ficará velho e enrugado antes de morrer.

Tanta adoração de Brasil à Dorian desperta a atenção de Henry que decide conhecê-lo e os dois começam uma amizade. Após seu quadro e sua amizade com Henry o rumo de Dorian se transformará completamente. A relação com Henry é o que lhe guia a seu prazer e também a sua ruína.

Observar as transformações de Dorian é uma experiência magnífica, vemos aquele rapaz jovem e inocente ouvindo as adorações de seu pintor, inicialmente Dorian com pouco a oferecer além da beleza se transforma em algo complexo e absolutamente indecifrável.

“O retrato de Dorian Gray” narra três personagens e relações absolutamente inquietantes, faz críticas à adoração da beleza presente na sociedade aristocrática, onde os belos rostos passeavam sorridentes pela rua enquanto as almas podres e envelhecidas permaneciam trancadas em quartos escuros,  e também às más influências, onde um jovem bonito entra em absoluta degradação moral ao entrar em contato com os não-belos. Embora esse filme se passe num período histórico diferente, nos mostra que tais críticas são perfeitamente pertinentes à sociedade atual, tornando-a não apenas uma obra de arte primorosa, mas uma crítica social ainda relevante. 

O filme me levou para o campo da reflexão, sobre até que ponto a consciência, e os valores de certo e errado podem influenciar na conduta do ser humano, levando para uma importante questão, o que é mais importante na sociedade o status ou o caráter?

Assista em: https://youtu.be/DgG1X-onBfc 

terça-feira, 26 de novembro de 2019

A Vida Invisível


"E a vida, o que é? 
Diga lá, meu irmão..."


A Vida Invisível é uma produção conjunta do cinema brasileiro e alemão, sétimo longa-metragem dirigido pelo cineasta cearense Karim Aïnouz e que está no rol de disputa por uma vaga no Oscar 2020 na categoria de melhor filme internacional, após ter sido premiado na mostra Um Certo Olhar em Cannes, neste ano.

Conta uma história baseada na obra A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, da carioca Martha Batalha, e em relatos autobiográficos do próprio Karim acerca de sua mãe Iracema. Ele roteirizou o filme com a ajuda das mãos, mente, corpo e coração de Murilo Hauser e Inês Bortagaray.

As atrizes Carol Duarte e Julia Stockler vivem as irmãs Eurídice e Guida, respectivamente, que são separadas pelo pai quando este descobre a gravidez de Guida, filha mais velha, que foge para morar em outro país. Eurídice, que sonha em ser pianista, casa-se e continua morando no Rio de Janeiro, cuja natureza calorosa, aromática, selvagem, colorida, viva e livre, representada por um ambiente de planos de ações diversificadas e pelos jardins e plantas das florestas retratadas nas cenas, contracena com as sensações expressas pelos personagens ao longo da trama.

A condição dessas mulheres nas décadas de 40 e 50, nas quais o viés patriarcal conferia a elas o lugar de propriedade dos maridos e de progenitoras, perpassa outros tempos e locais, chegando aos dias atuais.

O sexo e a sensualidade presentes na estrutura do corpo refletem uma crueza tanto do feminino quanto do masculino, sem tanto pudor. No entanto, os relacionamentos duradouros no enredo concentram-se mais, por exemplo, na amizade entre Guida e Filomena e entre Eurídice e sua confidente Zélia, bem como, principalmente, no amor que une e que confere um lugar comum em termos de identidade às duas irmãs.

As normas sociais parecem ditar as oportunidades tolhidas, muitas vezes, pelas duas irmãs, quer no campo da música para uma, quer na área amorosa para a outra. Estas vidas delas, invisíveis, próximas e afastadas, ao mesmo tempo, respiram uma comoção que faz uma considerar a outra como em uma realidade imaginativa bem mais glamorosa do que de fato possa acontecer.

De ontem até hoje, eternamente por um fio


DE JESIEL AOS CLOWS DE SHAKESPEARE: 
UMA REFLEXÃO SOBRE O TEATRO EM NATAL

Por Adri Torquato, Allan Almeida, Maurilio Medeiros, Mycleison Costa, Paula Cunha e Ranyere Fonseca

  Embora distante de ribaltas mais poderosas, a cena teatral natalense sempre teve luz própria. Analisando bem a história da “noiva do sol”, veremos que talento artístico nunca foi um problema para ela. Um dos nomes mais expressivos dessa história, ainda nas décadas 70 e 80, foi o do legendário ator, diretor, produtor e professor de teatro, Jesiel Figueiredo (1938 – 1994), que na sua arte era múltiplo e único, um “enfant terrible”.

Obstinado, genial, polêmico e absolutamente apaixonado pelo seu ofício, Jesiel emocionava e conscientizava adultos, enquanto divertia as crianças com suas obras milimetricamente planejadas. Essa expressiva figura dos palcos potiguares faleceu em um acidente de carro, no ano de 1994, mas antes ainda teve de padecer em uma outra “morte”, o despejo do local onde funcionava o seu teatro. Jesiel e seus emblemáticos personagens ficaram sem um lar por falta de condições financeiras para custear o aluguel do imóvel. Esses que, talvez, foi o primeiro sinal de que nas terras de Poti nem sempre o talento segue a mesma direção dos incentivos para o seu cultivo.

Seguindo os passos de Jesiel Figueiredo, outros artistas vêm ao longo dos anos preenchendo os palcos da capital potiguar, seja de maneira independente ou através de grandes grupos de teatro. Francismar da Silva, ator e formado em licenciatura em teatro pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, é um desses jovens atores que mesmo sem incentivo público busca fazer a chama do teatro continuar crepitando em Natal.

Líder da cia. Osloucos.com, uma companhia de teatro independente que realiza apresentações em Natal e na região metropolitana, Francismar conta que iniciou no teatro ainda muito cedo. “Comecei a fazer teatro com 8 anos de idade na escola. Um pouco mais tarde, queria expandir minhas vertentes e foi na faculdade que encontrei meu estilo. Isso aconteceu após a criação de um grupo de teatro entre amigos da graduação”.

Dono de um sorriso fácil e de uma imensa afinidade com o humor, Francismar enxerga no teatro uma função social tão importante que, por vezes, o faz driblar as dificuldades da falta de investimento. “O meu coletivo trabalha dentro de uma comunidade carente circundada pela violência e criminalidade. Vejo nosso trabalho como uma sementinha que estar brigando e resistindo a tudo isso. Desempenhamos o teatro vocacional, que é um tipo de teatro feito pela comunidade e para comunidade. Nele, crianças, pais e jovens se inserem e devolvem os espetáculos que elaboramos juntos. Acredito neste tipo de teatro que inclui as pessoas e as incentiva a fazer algo pela comunidade, para além de ficarem sujeitas à violência”.

Já Dudu Galvão, ator da tradicional companhia de teatro Clowns de Shakespeare, que há 26 anos leva shows aos teatros potiguares e de todo o Brasil, diz que fazer teatro em Natal passa pela arte de saber se reinventar para não sucumbir as dificuldades. “Nossa companhia tem focado mais em ações pedagógicas, em parceria com a prefeitura de Parnamirim, com o projeto de formação de teatro para jovens e adultos, são essas ações que vamos fazendo para que nosso trabalho não perca sua força. Temos sempre de nos reinventar. É um exercício diário. Não podemos depender apenas do poder público, se não a gente morre”.

O Clows de Shakespare é a prova que acreditar na arte como meio de transformação pode render bons frutos. Fundado em 1993, o grupo viveu tempos áureos no início da década passada, contudo, com a crise política e a redução das verbas destinadas a cultura, veio a sofrer assim como muitos outros grupos.  No currículo, os Clowns já levaram alegria a cerca 80 de cidades brasileiras, dentre elas 24 capitais e o Distrito Federal, além de cruzarem as fronteiras do país subindo em palcos portugueses, espanhóis, chilenos, equatorianos e uruguaios.

Dudu Galvão, que assim como Francismar começou cedo no teatro, acredita que a arte é, antes de tudo, uma escolha de vida. “É a forma como eu me vejo no mundo contribuindo para a humanidade. É uma forma de expressão artística, uma faculdade. Um meio de vida que contribui para alimentar a alma das pessoas”. Para Dudu, além de tudo isso, o teatro é também “dia a dia”, “cotidiano” e “muito trabalho”, não só nessas terras de Jesiel, mas em todo o país.

Ele pontua que produzir espetáculos em uma terra onde todos os teatros públicos encontram-se fechados significa “viver na resistência” e estar sempre buscando “ir para a rua”, não podendo se restringir apenas a ideia de um teatro tradicional. Fato que mostra como o teatro ainda segue vivo e buscando trazer alegria para os natalenses, seja com a Clows de Shakespare, os Osloucos.com ou com a lembrança de Jesiel Figueiredo.

3 em 1

O BAR (2017) | RESENHA

Por Mycleison Costa

Está afim de aproveitar a noite assistindo um filme de comédia, suspense ou terror na Netflix? Saiba que O Bar (El bar), filme espanhol dirigido por Álex de la Iglesia, mistura esses três gêneros em uma só produção que intriga e diverte o espectador.



Com pouco mais de 1h40m, O Bar traz para a telinha oito pessoas de diferentes estilos, classes e ambições, essas que por motivos distintos encontram-se reunidas em um boteco no centro de Madri. Todos são surpreendidos quando um dos clientes do lugar sai e é morto com um tiro na cabeça, após isso, assustado, outro homem vai ajuda-lo e é assassinado da mesma forma. Em poucos segundos o pavor toma conta do local, as ruas são esvaziadas, e os corpos são retirados misteriosamente, levando-os, assim, a desenvolverem diversas teorias do que estaria acontecendo com eles e com as pessoas ao redor. Presos no bar sem fazer ideia do que está se passando, os oito passam a conviver com os conflitos e desconfianças que surgem com o passar das horas. 

Por ter apenas três locações – o bar em si, o porão e a tubulação de esgoto do local – a produção exige muito dos atores, que, com sobras, cumprem muito bem o que é pedido. A boa forma dos artistas é visível nas cenas que mesclam tensão e comédia. Na trama destacam-se três personagens: A belíssima Elena (Blanca Suárez), que foi ao bar tomar um café e carregar o celular enquanto se preparava para um encontro amoroso; Nacho (Mario Casas), um publicitário hipster com pinta de bom moço, e Israel (Jaime Ordóñez), um morador de rua psicótico, descabelado e que passa o filme inteiro analisando os acontecimentos de acordo com passagens do livro do Apocalipse.

Durante a obra criamos diversas teorias do que estaria acontecendo com os personagens e somos apresentados a algumas reviravoltas interessantes. O desfecho é bom e vai de acordo com aquilo que o enredo encaminha da metade para frente da história, contudo, não se arrisca muito, o que pode decepcionar o espectador que esperava algo mais “fora da caixinha”. 

De todo modo, O Bar é um filme que prende a atenção, diverte e mostra como o homem pode agir em situações extremas da vida. Pode tomar um cafézinho nesse bar. Vale a pena!

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

canções poéticas brasileiras

PALAVRA (EN)CANTADA

Manuela Ferreira de Lima

Palavra (En)Cantada, documentário dirigido e co-roteirizado por Helena Solberg, traz a singularidade e a audácia de um tema admirável: as relações entre a música popular brasileira, a poesia e a literatura.

Através de declarações de nomes como Adriana Calcanhoto, Antônio Cícero, Arnaldo Antunes, Chico Buarque, Férrez, Jorge Mautner, Lenine, Maria Bethânia, Martinho da Vila, Paulo César Pinheiro, Tom zé, Zélia Ducan, entre outros, o documentário trata da excelência da produção musical popular como uma extensão sonora da nossa forte tradição oral de contar histórias.

Em Palavra (En)Cantada discute-se o limite entre música e poesia e o momento que essas artes se (con)fundem e formam uma unidade. Além disso, o filme aborda a variedade que a nossa língua oferece e a diversidade de canções/poesias que com ela se pode formar. O documentário destaca os movimentos Bossa Nova e Tropicália, os quais revolucionaram a maneira de trabalhar as palavras e o som.  

Ademais, discorre sobre o tema com leveza e fluidez, oferecendo ao espectador agradáveis momentos de música e poesia, protagonizados pelos artistas anteriormente mencionados, e imagens grandiosamente belas, como a encenação da peça Morte e Vida Severina, de João Cabral de Mello Neto, no Festival de Teatro Universitário de Nancy, na França, em 1966, e cenas raras de Dorival Caymmi cantando O Mar, nos anos 40.

Palavra (En)Cantada, filme premiado como Melhor Direção de Longa Documentário do Festival do Rio 2008, por vezes parece tratar da temática de maneira muito erudita, mas ao evidenciar Tom Zé dizer que antigamente a música entrava pelos ouvidos e hoje, graças aos poderosos sistemas de som dos automóveis, “ela entra pela bunda”, se torna descontraído e desprendido de ser pretensioso.

Mais uma vez, Helena Solberg acerta na escolha de uma temática para documentário, ela foi dos poetas provençais aos cantores de rap, costurando uma narrativa magnífica com depoimentos e cenas memoráveis.

Carnaval 2020


Diversidade social, racial e cultural conduzem as escolas de samba do RJ 

Leandro Lima Ribeiro

Com o enredo História para Ninar Gente Grande e homenagem à Marielle, Mangueira foi a grande campeã do carnaval 2019 e pretende recorrer à crítica para conquistar seu vigésimo primeiro título. 

Os 90 dias que antecedem o carnaval 2020 são marcados pela movimentação e euforia nas quadras e barracões das 13 escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Em uma edição marcada novamente pela crise econômica, as agremiações prometem provocar questionamentos sobre questões sociais, religiosas e políticas e homenagens a mulheres e homens que fizeram de sua vida uma luta política em nome da liberdade e da igualdade.

Elza Soares, as Ganhadeiras de Itapuã, Jesus Cristo, São Sebastião, Joãozinho da Gomeia, Benjamim de Oliveira são algumas personalidades que conduzirão o canto de comunidades da zona norte, oeste, leste e sul do Rio de Janeiro e adjacências. Confira os enredos das escolas que adentrarão ao Sambódromo Marquês de Sapucaí, Passarela Professor Darcy Ribeiro, entre os dias 26 e 27 de fevereiro de 2020.

Estácio de Sá        

            Campeã do Grupo A em 2019, a Estácio de Sá volta à elite do carnaval carioca com “Pedra”, da professora Rosa Magalhães. O enredo é uma miscelânea de contos, poemas e histórias cujas temáticas são conduzidas pela base do planeta Terra: a pedra.

            A professora Rosa pretende deixar “uma pedra no meio do caminho” e agitar o público presente ao som da “medalha de ouro” do Estácio, centro do Rio de Janeiro. Para isso, conta com uma comunidade apaixonada que comemora o sonho de estar de volta ao Grupo Especial, após três anos no Grupo A.

            Considerado o berço do samba, a Estácio é uma das maiores escolas de samba do Rio de Janeiro, possuindo um título (1992) em seu currículo, fruto da homenagem aos 70 anos da Semana de Arte Moderna.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) atribui o título de primeira escola de samba do Brasil à agremiação vermelha e branca por ser a herdeira da Deixa Falar, organização que contribuiu com a estruturação daquilo que conhecemos atualmente como Grêmios Recreativos Escolas de Sambas em todo Brasil.

Unidos do Viradouro

            Atual vice-campeã do Grupo Especial, a vermelha e branco de Niterói, foi à Salvador, Bahia, para compor seu enredo que pretende “ensaboar” a Sapucaí, no primeiro dia da festa. A Furacão Vermelho e Branco, bateria da Viradouro, é comanda pelo experiente Mestre Ciça.  

Segunda escola a entrar na passarela do samba, a Viradouro prestará uma homenagem às Ganhadeiras de Itapuã, mulheres que, do lucro garantido por meio das lavagens de roupa durante a escravidão no Brasil e vendas de iguarias nos incipientes centros urbanos, conquistavam a alforria de suas mães, irmãs, amigas e outras companheiras.        

O canto, nesse sentido, era o subterfúgio para que sua missão chamasse a atenção de clientes, que apreciavam os quitudes vendidos nos centros de cidades, como Salvador e Rio de Janeiro. Na Lagoa do Abaeté, essas mulheres negras tiraram dos movimentos de seus braços a garantia da liberdade e da igualdade de outras mulheres negras.

Essas canções, em 2004, foram copiladas em um disco que fundou as Ganhedeiras de Itapuã. O grupo musical foi reconhecido com o Prêmio Culturas Populares – Mestre Duda 100 anos de Frevo, do Ministério da Cultura, e nas categorias Melhor Grupo e Melhor Álbum Regional na 26ª edição do Prêmio da Música Popular Brasileira.

As Ganhadeiras de Itapuã são reconhecidas, por muitos antropólogos e historiadores, como o primeiro movimento femininista negro do Brasil. A luta e a história dessas mulheres prometem emocionar os presentes nas arquibancadas da Sapucaí. A Viradouro é a segunda escola da primeira noite, dia 26 de fevereiro. O desfile é orquestrado pela dupla de carnavalescos Tarcizo Zanon e Marcus Ferreira.

Estação Primeira de Mangueira

            “Se Deus voltasse a Terra, voltaria preto, pobre e favelado”. Essa é a principal tese defendida pela atual campeã do carnaval carioca em busca do seu bicampeonaneto. Assinado pelo jovem Leandro Vieira, a comunidade do Morro da Mangueira pretende ousar com suas fantasias que, por hora, já agitam os bastidores do carnaval e as camadas mais conservadoras da sociedade.

            A verde e rosa recorreu, portanto, a sua pegada crítica para questionar os dogmas e o fundamentalismo religioso. A mangueira promete que “A verdade vos fará livre”. Nossa Senhora que acompanhe os novos tempos, pois ela será representada nas cores do arco-íris em uma crítica à inteferência dos discursos religiosos na diversidade sexual, especialmente no tocante à homossexualidade.

Paraíso do Tuiuti

            O Paraíso do Tuiuti pisa forte na Passarela do Samba com o enredo “O Santo e o Rei: Encantarias de Sebastião”, de João Vitor Araújo. A escola, que amargou um 8° lugar após o emblemático desfile de 2018, pretende recuperar as primeiras colocações por meio da história do padroeiro do Rio de Janeiro, São Sebastião.

            A agremiação amarela e azul, a exemplo do que vem apresentando desde 2018, buscou uma pegada crítica para refletir a atual situação do país. A Tuiuti é a quarta escola e conta com um samba cadenciado e uma comunidade que, acima de tudo, acredita no seu pavilhão.

Acadêmicos do Grande Rio


Joãozinho da Golmeia, o rei do Candomblé.

Se o Cristianismo é o fio condutor da Mangueira, o Candomblé pretende agitar seus tambores no desfile da Acadêmicos do Grande Rio. É só pedir licença a Oxalá, Ogum e Iemanjá que a festa vai começar. Trata-se de um enredo importante e necessário diante do crescente número de terreiros invadidos devido à intolerância religiosa no Rio de Janeiro e na Bahia.
 A comunidade de Caxias clamará por paz e respeito às religiões de matriz africana. O intuito da tricolor é prestar uma bela homenagem a Joãozinho da Gomeia, um dos maiores expoentes do candomblé na Baixada Fluminense e no Brasil.

            Consagrado como um dos babalorixá mais famoso, Joãzinho iniciou sua carreira religiosa em Salvador, mas só veio ganhar notoriedade em Duque de Caxias. Polêmico, era declaradamente homossexual e fundou, ainda na capital baiana, uma das mais importantes casas do candomblé, conhecida por misturar danças da Angola, Ketu e dos Candomblés de Caboclo. Jorge Amado, assíduo apreciador da cultura africana e dos terreiros da Bahia, descreveu um pouco da casa de Joãzinho, como nos apresenta a seguir:

Outros candomblés podem ser mais puros nos seus ritos, o do Engenho Velho certamente o será. Também o Axé Opô Afonjá, o grande templo da mãe de santo Aninha, uma das mais formosas, nobres e dignas mulheres que conheci. (…) Porém nenhuma macumba tão espetacular como essa da roça da Gomeia, ora nagô, ora angola, candomblé de caboclo quando das festas de Pedra Preta, um dos patronos da casa.

Ao ser perseguido pelo povo de santo, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde ficou conhecido como o Caboclo da Pedra Preta. Seu carisma atraiu a atenção de brancos, negros, ricos, pobres e até de figuras importantes no mundo da política, como Getúlio Vagas e Juscelino Kubitschek.

O desfile da Grande Rio conta com os estreantes Gabriel Haddad e Leonardo Bora como carnavalescos. A escola é a quinta do primeiro dia do desfile das escolas do Grupo Especial do Rio de Janeiro.

União da Ilha do Governador

            A Ilha, em 2020, acredita em um reforço mais do que especial. Trata-se de um dos maiores dirigentes e diretores de carnaval do mundo do samba: Laíla. Antes na Beija-Flor e na Unidos da Tijuca, Laíla e sua equipe prometem promover mudanças na escola da Ilha da Baía da Guanabara que vem amargando as últimas colocações nos últimos anos.

            Consequentemente, reforçou seu time com a experiência de Fran Sérgio e Cahê Rodrigues que, juntos, assinam o enredo “Nas encruzilhadas da vida, entre becos, ruas e vielas, a sorte está lançada: Salve-se quem puder!”.

            Na verdade, o enredo aborda a história de ruas, becos e vielas enquanto ferramentas de transformação pessoal. A equipe, nesse sentido, não apresentou sinopse, que é um texto que auxilia no entendimento do enredo contado na avenida, uma vez que os desfiles de escola de samba são narrativas apresentadas para o público.

Portela        
 
            A Majestade do Samba, como é conhecida no mundo do carnaval, contratou o casal Lages (Renato e Márcia) para alcançar o sonho de ver a 23° estrela em seu pavilhão. A Portela não é só a maior campeã do carnaval carioca, como também é reverenciada pelas coirmãs. Quem resiste ao encanto da águia e da Tabajara do Samba?

            A azul e branco de Madureira e Oswaldo Cruz apresenta o enredo indianista “Guajuiá, terra sem males”, por meio do qual contará a história dos índios que viviam no Rio de Janeiro, antes da chegada dos portugueses. É uma homenagem aos tupinambás, aos seus hábitos, cultura e costumes.

Com pegada crítica, o samba-enredo tem trechos aguçados e que abordam a interferência religiosa. Versos como “Nossa aldeia é sem partido ou facção/ Não tem bispo, nem se curva a capitão / Quando a vida nos ensina/ Não devemos mais errar” pretendem tecer críticas não só ao prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, como também ao governador, Wilson Witsel, e ao presidente da República, Jair Bolsonaro.

            Esperançosa, a Portela é a última escola do primeiro dia dos desfiles das escolas de samba e deve adentrar à Sapucaí acompanhada dos primeiros raios solares da segunda-feira de carnaval.

São Clemente

            Primeira escola do segundo dia, 27 de fevereiro, a São Clemente recorreu ao bom humor para apresentar o “Conto do Vigário”. Fruto da imaginação do desenhista Jorge Silveira, a escola luta para abandonar as últimas colocações que vem alcançando nos últimos anos.   

            Vestida de amarelo e preto, cores da agremiação, o grêmio tentará explicar o porquê de o Brasil ser visto pelo mundo com certa desconfiança. Para isso, a representante da Zona Sul do Rio voltará aos tempos passados para mostrar as malandragens e falcatruas da história deste país, começando pela cobiça pelo ouro de Minas Gerais.   

Unidos de Vila Isabel

            A Comunidade de Noel e Martinho da Vila viajou até Brasília, Distrito Federal, para colher seu enredo. “Gigante pela própria natureza: Jaçanã e um índio chamado Brasília” contará a história da cidade localizada no cerrado central brasileiro por meio da mitologia indígena.

            Com um ar conservador em suas temáticas nos últimos carnavais, o enredo é uma boa oportunidade de traçar críticas ao sistema político que assola a cultura brasileira, sobretudo, a popular. Resta a curiosidade para saber como o carnavalesco Edson Pereira conduzirá essas e outras questões.

            Pomposa e luxuosa, a Vila pretende encantar com seus carros exuberantes e extremamente grandes, algo que vem acontecendo desde 2017. A agremiação, nesse ano, adotou uma mistura de sambas composta pelos próprios compositores da escola para montar seu hino de 2020. É a segunda escola de segunda-feira.

Acadêmicos do Salgueiro

            Da Zona Norte do Rio para o mundo, o Salgueiro recorreu à irreverência de Benjamin de Oliveira, o primeiro palhaço negro do Brasil, para contar o enredo “O Rei Negro do Picadeiro”, de Alex de Souza.

            Após exaltar seu orixá, Xangô, em 2019, a vermelho e branco acredita na força, na história e na obra de Benjamin para alcançar os 40 pontos tão esperados em enredo. Afinal de contas, o artista abriu as portas para milhares de negros e negras no mundo dos picadeiros, dos palcos, das telas de cinema e da televisão.

            O Rio de Janeiro foi a sua corte e nada mais justo do que uma belíssima homenagem do Salgueiro. Sua arte será apresentada na Apoteose do Samba e pretende emocionar todos aqueles que, na arte, encontram sua forma de resistência e luta.

Unidos da Tijuca 

            Outra representante da Zona Norte do Rio entrará na Sapucaí na segunda-feira. A Unidos da Tijuca pretende “arquitetar” o público com um enredo que reúne história e crítica e cujo plano de fundo é a arquitetura e o urbanismo da capital carioca. Então, podemos esperar muita coisa boa quando se trata de Paulo Barros como carnavalesco. Quem sabe prédios humanos e as tão famosas favelas de forma lúdica? 

            Patrocinado, o desfile será uma referência ao Congresso Mundial de Arquitetos, que acontece no Rio, em 2020. A comunidade do Borel promete um grande espetáculo para esquecer o 7° lugar, que deixou a agremiação fora do Desfile das Campeãs.

Mocidade Independente de Padre Miguel    

Se tem um enredo esperado pelo Mundo do Samba, esse enredo é o da Mocidade, assinado por Jack Vasconcelos. A comunidade de Padre Miguel homenageará sua maior e mais nobre estrela: Elza Soares. É uma pedrada!

          Para promover um belo desfile, a escola precisa vencer os problemas administrativos que vem enfrentando desde o ano passado. Afinal, não é todo dia que a “Elza Deusa Soares” conduz uma agremiação apaixonada pelo seu pavilhão ao tão sonhado título. Elza merece um lindo desfile por tudo que representa enquanto vida, história de luta e resistência.  

            Com uma letra forte, “abrir os caminhos para Elza passar” é o mínimo que o samba, como forma de agradecimento, pode promover. Sem sombra de dúvidas, olhos lacrimejados e aplausos serão constantes nesse desfile histórico da Vila Vintém.

Beija-flor de Nilópolis      

            Esquecer sua pior colocação é o principal objetivo da Beija-flor. E, devido a isso, podemos esperar aquela Beija-flor que entrava arrepiando todos os setores e arrancando as notas máximas dos jurados. A azul e branco apresentará o enredo “Se essa rua fosse minha”.

            A escola defenderá os rumos que a vida toma por meio das ruas e caminhos construídos pela humanidade. A deusa da passarela, portanto, pretende traçar o rumo para mais uma vitória e levar a taça para a comunidade de Nilópolis, na Baixada.

            A Beija-flor é a última escola e fecha o desfile das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Seu desfile conta com uma comissão de carnaval, da qual fazem parte Alexandre Louzada e Cid Carvalho.

            Resta esperar para acompanhar o desempenho de cada agremiação durante os próximos 90 dias e, principalmente, no dia do espetáculo. Afinal, carnaval se ganha ali, diante do público, do telespectador e, sobretudo, dos jurados. Que o melhor trabalho técnico e artístico venha se consagrar campeão na quarta-feira de cinzas. O mundo do samba agradece.


domingo, 24 de novembro de 2019

Oficinas Funcarte


A   FUNDAÇÃO   CULTURAL   CAPITANIA   DAS   ARTES   REALIZOU OFICINAS CULTURAIS PARA DIVERSOS PÚBLICOS

Nos meses de outubro e novembro, a FUNCARTE desenvolveu diversos cursos para crianças, jovens, adultos e terceira idade

Manuela Lima | 25/11/2019

A Fundação Cultural Capitania das  artes (FUNCARTE), em colaboração com a programação do Natal em Natal, ofereceu mais de 600 vagas para oficinas de arte e cultura para crianças, jovens, adultos   e   o   público   da   terceira idade. 


Foram   desenvolvidas  oficinas  nas áreas de Música, Teatro, Dança, Artes visuais, Artesanato, Empreendedorismo Cultural, Memória, Literatura e Audiovisual, todas gratuitas.

As oficinas foram ministradas por instrutores de diferentes áreas artísticas e desenvolvidas em espaços culturais administrados pela Prefeitura do Natal e também em Associações e salões paroquiais dos bairros, nas quatro regiões da capital, entre os meses de outubro e novembro deste ano.
Confira as oficinas que foram oferecidas:

  • INTRODUÇÃO AOS ELEMENTOS DA LINGUAGEM VISUAL: práticas de percepções visuais para a pintura e exposição artísticas, direcionada para estudantes, artistas e pessoas criativas.
  •  PESCANDO CORES: trabalho de habilidades manuais com uso da técnica do grafite para idosos.
  • DANÇA DE SALÃO: introdução à prática dos diferentes ritmos populares e artísticos da dança de salão.
  • HIP HOP CULTURA: encontros e práticas do Hip Hop para crianças, jovens e adultos.
  • PINTURA EM VITRAL: introdução prática à técnica em peças artísticas e artesanais em vitral.
  • ELABORAÇÃO DE PROJETOS CULTURAIS: oficina básica para elaboração de projetos culturais destinados à participação em editais e Leis de Incentivos.
  • AUDIODESCRIÇÃO: oficina básica de construção de referência técnica para o uso de audiodescrição em produtos e conteúdos artísticos.
  • CAPOEIRA: oficina básica de introdução à prática da Capoeira.
  • EMPREENDEDORISMO PARA CRIANÇAS E JOVENS: oficina básica de jogos criativos, habilidades psicomotoras com vista na percepção empreendedora de crianças, adolescentes e jovens (método canvas).
  • FANTOCHE (TEATRO DE BONECOS): oficina prática e recreativa para confecção e manuseio técnico de bonecos (João Redondo), criação de personagens, histórias e cenas.
  • VASOS DE PICASSO: oficina básica para criação artística voltada para o conhecimento do estilo e técnica do Pintor espanhol Pablo Picasso.
  • CANTA CANTIGA: oficina de introdução à poética e à musicalidade das cantigas populares.
  • LEMBRANÇA AO PERTENCIMENTO (CATALOGAÇÃO PARA MUSEUS): oficina básica de conhecimento técnico em catalogação de acervos museológicos, peças históricas, fichamentos e organização.
  • MONITOR DE TURISMO: oficina básica para capacitação de guias e criação de roteiros turísticos com foco no Centro Histórico de Natal e seu patrimônio cultural.
  • LEITURA E POESIA: oficina introdutória ao estudo das obras dos principais poetas, romancistas e ícones da literatura, com ênfase aos movimentos históricos significativos da poesia e literatura brasileira.
  • BALLET CLÁSSICO E DANÇA CONTEMPORÂNEA: oficina básica introdutória da técnica do ballet clássico voltada para crianças e jovens.
  • PERNA DE PAU: oficina básica da prática artística circense da perna de pau.
  • OFICINA DE VIOLÃO: oficina básica para o ensino do violão e criação de grupos de violonistas.
  • BORDADO RENASCENÇA: oficina básica de ensino da habilidade do bordado da renda renascença.
  • MACRAMÊ: oficina básica de ensino da habilidade de criação de peças de tecelagem manual através da técnica Macramê.
  • INTERPRETAÇÃO PARA TV: oficina básica de ensino da habilidade técnica para uso da técnica de interpretação para à TV e/ou participação em trabalhos audiovisuais.
  • PRODUÇÃO DE CD: oficina básica para o ensino de técnicas, planejamento e projetos de gravação de CD e/ou produtos musicais de baixo custo com usos de novas tecnologias digitais.
  • PERCUSSÃO E RITMOS: oficina básica para prática dos ritmos populares, étnicos e técnicas de participação em grupos percussivos.
  • CONTAGEM DE HISTÓRIA: oficina básica para o preparo de professores, monitores, instrutores, facilitadores de leitura para a prática da contagem de histórias, com ênfase na técnicas teatrais.
  • O CORPO E A VOZ DO ATOR: oficina básica para o conhecimento técnico da linguagem corporal e de técnicas vocais voltadas para a expressividade nas práticas teatrais.


Para Iaci Souza (21), estudante, que participou da oficina de dança de salão, a prática contribuiu para ampliar seu conhecimento sobre os diferentes ritmos populares e artísticos da dança de salão. “Para mim foi uma ótima experiência, pois colaborou para a minha desenvoltura artística e me ajudou a melhorar minha comunicação corporal”, disse.

Se você ficou interessado em algumas dessas oficinas para 2020, acompanhe o Blog da FUNCARTE, no endereço http://www.blogdafuncarte.com.br/. Lá, além do edital dessas oficinas, são disponibilizadas as agendas com as programações culturais e as notícias sobre os eventos que acontecem na nossa cidade.

sábado, 23 de novembro de 2019

Gamboa do Jaguaribe


A questão indígena no Rio Grande do Norte: conversa com Diego Akanguasu, do Sítio Histórico e Ecológico Gamboa do Jaguaribe

Gilvanise Oliveira, Manuela Lima, Marcelo Nascimento; Júlio Castro.


O Sítio Histórico e Ecológico Gamboa do Jaguaribe, popularmente conhecido por Gamboa do Jaguaribe, se propõe a ser uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural). Lá são recebidas muitas pessoas para trocar ideias e elaborar ações sobre questões socioambientais relativas ao estudo de culturas indígenas. Sabe-se que há um déficit muito grande dos estudos sobre o tema no Rio Grande do Norte, que durante muito tempo a ideia da aculturação, da perda cultural foi a que marcou não só a visão da elite política brasileira, mas que foi introduzida na maior parte da população.

O indígena Diego Akanguasu conta que muitos intelectuais como Câmara Cascudo, Darcy Ribeiro, por mais que amassem a causa e os povos indígenas, eram adeptos dessa visão, o que não contribuiu em nada, muito pelo contrário, provam o descaso, a invisibilidade com a diversidade indígena do Nordeste, sobretudo do nosso estado, que é estereotipada para ser entendida sempre como o indígena de 1500, ou o indígena do Xingu, ou o indígena da Amazônia, quando, na realidade, cada povo indígena tem a sua história, passou por suas dificuldades, tem as suas próprias vivências, seus próprios conhecimentos e suas particularidades.

“É o caso das onze comunidades indígenas que existem hoje no RN e que, nesse estado aqui ao lado do Piauí, que somente em 2005 foram reconhecidas as comunidades indígenas desse território mostra, por exemplo, como grupos familiares vão ficar roendo o osso do poder, a gente sabe por ‘a mais b’ o nome dessas oligarquias que estão aí se elegendo, se reelegendo, botando filhos, netos, enfim, isso vem dos golpes que montaram o Brasil. Isso remonta ao período das grandes navegações, do colonialismo, que transformou aldeias em missões, depois em vilas e agora nós somos cidades”, afirma Akanguasu.

O líder ainda diz que eles estão na Zona Norte de Natal mostrando que as capitais são formadas por mão de obra indígena. Fala que estão na Potiretama, na terra dos Potiguaras, numa parte da Pindorama, dessa mata atlântica que já foi destruída mais de 90% e aqui nessa terra de Poti, desse rio grande que se chama Potengi, que corre nessa memória indígena e que é desvalorizada, que é sucateada e que nem sequer é anunciada. Um rio que comporta esse estuário, parte desse estuário, onde mais de 70% das espécies marinhas vem, onde o pescado é o setor econômico mais forte do estado e, ainda assim, continua sendo degradado, como vemos em obras de saneamento, onde se tenta dialogar para que seja principalmente reutilizada a água, que não seja jogada mais de 1000 litros por segundo de água nesse rio, é visto não só o descaso socioambiental, mas o descaso com a memória e com as culturas indígenas, então eles nesse lugar servem como aquela tecla F5 do computador dando aquela atualizada, fazendo a ligação desde o momento desse contato chamado descobrimento, o contato do velho mundo com o novo mundo, até esse momento de hoje, de tentativa de construir uma democracia de participação popular nas decisões, principalmente quando tem a ver com a nossa boa permanência, nossa boa vida, nosso bem viver nesse planeta azul cheio de água que a gente chama de Terra.

“Como diz o camarada da república popular de Maçaranduba, sendo assim chamado em Ceará Mirim, Chico Canindé, antes de pensar em reforma agrária, que é assim um dos problemas centrais do Brasil, a má distribuição, a concentração formada, montada por esse esbulho, temos que pensar na ‘reforma aguária’ e como o cacique Chicão Chupuru falou: ‘A água é o sangue da terra’. Precisamos de água, a água é o nosso elemento fundamental para a gente garantir a nossa vida e está sendo cada vez mais privatizada como a terra já vem sendo nesses 500 anos”, diz Diego.

Ele explica que a miscigenação no Brasil, como em toda parte do mundo, é constante. Cada grupo se organiza de uma forma e tem seus critérios de endogamia e exogamia de se relacionar com pessoas de dentro ou de fora do grupo. Isso entrou no repertório do grupo das pessoas que difundiram a ideia da aculturação como se as culturas fossem petrificadas, como se as pessoas só se envolvessem nos seus núcleos familiares, mas isso não é um grupo étnico. Um grupo étnico tem outras características que o ordena, que o organiza, e não o fator da linhagem sanguínea, da geração. O que acontece na humanidade toda são os fluxos de pessoas, de migrações que vão moldando os grupos. A miscigenação é algo que vem intrínseco com a humanidade. O que acontece nesses 519 anos de colonização é a miscigenação com esses povos que não estavam por aqui, o que também não tira a etnicidade de nenhum grupo, não tira a origem indígena de nenhuma pessoa. Pode aumentar, pode “complexificar”, mas nunca vai retirar.

Questionado sobre a identidade dos índios, Diego Akanguasu disse que as pessoas podem esquecer ou podem ser educadas que ser indígena é somente aquilo que foi estereotipado pela sociedade, mas conhecendo uma das onze comunidades indígenas do Rio Grande do Norte, conhecendo a diversidade indígena do Nordeste, se você for para o Norte, se você for in loco, se você for ver esses povos, irá ver que eles são totalmente distantes daquele antigo livro didático que mostrava o indígena como um boneco produzido industrialmente, sempre com as mesmas características, sempre reproduzindo os mesmos costumes, os mesmos hábitos. Claro que alguns hábitos podem ser resgatados, podem ser valorizados, podem ser reestruturados, ressignificados, e isso tudo tem a ver com movimentos de grupos étnicos, sejam quilombolas, indígenas, ciganos, sejam quais forem estes grupos. A miscigenação é algo humano. Não é algo dos povos indígenas e nem muito menos somente desse período de contato do velho mundo com o novo mundo, como foi assim chamado. Das Américas com a Eufrásia (Europa, África e Ásia).

“Uma coisa que é muito falada, que é muito mal explicada e que é difundida nos livros didáticos, e que até 2005 foi muito falada no RN e no Piauí, que como eu falei são os últimos estados a reconhecerem a diversidade indígena da sua população, essa ideia tinha a ver com a proposta colonial assimilacionista de usar a mão de obra indígena, como até hoje foi feito, desde a retirada do pau-brasil, desde as construções das cidades, das construções das vilas, da própria Fortaleza dos Reis Magos. Nem tudo que existe aqui no Brasil foi a mão de obra indígena, muita gente falou, muitos estudos disseram que o indígena não foi escravizado, até hoje há muitos indígenas escravizados, e a ideia de dizimação é atrelada a ideia de aculturação do assimilacionismo. Se você passa a integrar uma cultura, independente de você ter um conjunto de leis que lhe obrigue a fazer isso, era considerado que você estava aculturado, logo o indígena, a cultura indígena estaria exterminada”, conta.

Diego lamenta que se fala em extermínio, mas não se sabe se esse genocídio é somente na parte cultural ou se tem a ver também com a parte física dos indígenas, porque o que os dados mostram é que a população indígena não decresce, muito pelo contrário, ela só aumenta com o passar dos tempos. A valorização das diferenças, o reconhecimento, o estudo depois da última Constituição de 1988, que passou a tirar essa ideia da aculturação e do assimilacionismo e passou a respeitar não só idiomas indígenas, mas sim toda a sociodiversidade, aí sim vai entender que não é passando a ser cristão, ou passando a falar um idioma europeu, seja ele espanhol, seja ele português, ou então passar a usar roupas ou a adotar qualquer outro hábito que não era de tal grupo, não lhe faz deixar de pertencer a esse grupo. Simplesmente mostra como a cultura é dinâmica e como as coisas se transformam. Quando falam de genocídio e extermínio das culturas indígenas estão pensando nessa transformação cultural, nessa transculturação, que vai dar o nome de aculturação, que tem todo esse desencadeamento político de retirada de direitos dos indígenas, e de golpes e mais golpes, de Cabral da colônia até os candidatos fascistas e antidemocráticos dessa eleição de 2018, para não citar, dar nome aos bois, os latifundiários.

Em 12 de outubro de 2018 ocorreu um mutirão de limpeza do manguezal, o que é um ato simbólico porque o lixo é produzido em larga escala e não vai ser limpando num dia que o problema do lixo irá acabar, mas eles precisam reservar dias, momentos e debatendo essas questões que são importantes para suas vidas em sociedade. Segundo Akanguasu, isso é um fator que eles estão atentos, que tem a ver com demarcação de terras indígenas, com o breque total de alimentação à base de veneno como tem um projeto de lei que quer aumentar de 5lt para 7,5lt de veneno por ano para cada pessoa. São questões que eles pensam e que vão fazendo isso nesses mutirões diários, mensais ou semanais. “Então, a Gamboa do Jaguaribe é um sítio histórico e ecológico destinado ao estudo de culturas indígenas e questões socioambientais”, conclui.