quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Não se preocupe, querida

 

Giovanna de Andrade Augusto

Don’t Worry Darling, ou “Não se preocupe, querida” em português, é um filme dirigido pela atriz Olivia Wilde lançado pela Warner Bros. nos cinemas de todo o mundo em 2022. A trama conta a história de Jack (Harry Styles) e Alice (Florence Pugh) e seu cotidiano no Victory Project, uma cidade experimental na qual os homens trabalham em um projeto ultra secreto, enquanto as mulheres cuidam de suas casas, filhos, e fazem compras, toda a estética e os costumes do local remetem às décadas de 50 e 60. O problema começa quando Alice começa a desconfiar de que talvez o projeto não fosse aquilo que falavam, peças soltas e estranhos acontecimentos fazem a protagonista buscar cada vez mais respostas sobre a verdade do lugar, porém isso pode trazer riscos à sua família e sua própria vida. Além de Pugh e Styles, que voltou às telas pela primeira vez desde sua pequena participação em Dunkirk (2017), o elenco contém grandes nomes como Chris Pine, Gemma Chan e Nick Kroll. A diretora também aparece atuando como Bunny, um dos personagens da trama. O filme é considerado um terror psicológico e teve seus bastidores conturbados, com fofocas, dramas e uma grande mídia em cima do dito relacionamento entre Harry e Olivia.

O filme é... interessante. A bela fotografia é um dos principais pontos positivos do longa. Mas deixa a desejar em muitos outros pontos. O plot é previsível e nada inovador, além do terror psicológico não ter nada de terror. Florence faz uma atuação maravilhosa, mas também é só ela. Chris e Gemma fazem algumas poucas aparições e seus personagens não são muito aprofundados na trama. Harry Styles não foi a melhor escolha para protagonizar um homem com a profundidade que Jack Chambers pedia, mas conseguiu fazer um trabalho adequado com seu pouco estudo e experiência, definitivamente ele faria um bom papel em uma comédia romântica. Olivia Wilde foi o maior exemplo de fazer muitas coisas e não fazer nada direito. Entre dirigir, atuar e se meter em mil dramas com os holofotes em sua vida pessoal e brigas internas entre o elenco, a diretora se perdeu e não conseguiu entregar excelência em nenhum aspecto, o que foi decepcionante, principalmente para os amantes de Booksmart (outro filme dirigido por ela).

Outro ponto extremamente incômodo do filme foi o fato da diretora entregar em inúmeras entrevistas relatos sobre como o filme é focado no prazer da mulher e a constante sexualização da personagem principal. Os relatos e trailers basicamente vendiam o filme como quase um pornô, a extrema ênfase nas poucas cenas sexuais (como foi descoberto após o lançamento do longa) tirou de foco também o intuito principal do filme: entender como Alice iria fazer para descobrir a verdade sobre o Victory Project. Essa sexualização trouxe inúmeros debates após o lançamento pois no final do filme é descoberto que Alice está inserida nessa realidade nova contra sua vontade, portanto, todas as cenas sexuais retratadas no filme não seriam consensuais e retratariam estupros. Como a diretora poderia vender isso como prazer feminino? Até a própria Florence veio à público e comentou sobre as fofocas sobre o filme, falando sobre seu desconforto com a “Redução de seu personagem às cenas de sexo ou ao homem mais famoso do mundo transando com alguém.” e que “Não é por isso que ela está na indústria.”

O final do filme tinha potencial para ser extremamente bom, foi inserido um último plot twist inesperado que deu movimento para o fim da trama, mas, novamente, deixou a desejar. Muitas cenas divulgadas durante a gravação fazem parte de um final do filme que foi cortado e que daria esse fechamento final para a narrativa, o final ficou aberto e no cinema só podia ser visto inúmeros rostos confusos, tentando compreender que o filme tinha realmente acabado, pois não parecia.

Por fim o filme é apenas isso, um filme, sem grandes detalhes ou cenas. O estrelismo da diretora tirou o foco da real protagonista da história e de um potencial desenvolvimento da trama. O plot é raso e inclusive lembra muito o filme “Mulheres Perfeitas” de 2004, faltou inovação na história e uma propaganda verídica aos acontecimentos do longa.


Elena

 

Sofia Júlia Costa da Silva

Elena é um filme documental de Petra Costa que resgata de forma delicada e melancólica a memória de sua irmã Elena. A relação das irmãs era muito pautada na arte, considerando que Elena atuava e Petra se tornara cineasta, logo o documentário se enquadra no poético, e é esteticamente agradável.

Apesar de difícil de digerir devido a delicadeza do tema abordado, Petra vai contando a história com leveza, de forma que percebo a imersão quando as lágrimas começam a escorrer. Elena gravava fitas, e no processo criativo do filme, Petra as ouve, o que torna a narrativa uma comunicação para além do material com a memória de sua falecida irmã, uma espécie de co-participação no filme, já que por vezes ouvimos a voz de Elena e em seguida a da diretora. Ao mesmo tempo que conversa com sua irmã morta nas abstrações do tempo e espaço que criou em seu filme, Petra também conversa com o espectador, quase como uma súplica abafada pelas entrelinhas da história que está contando, súplica essa para que não existam outras Elenas.

Ao fim do filme, sinto uma falta imensa de Elena -filme e personagem-, que não chega perto da que Petra sentiu, mas me apego à personagem, e como aconteceu com sua irmã, cai a ficha que ela jamais voltará.

Drive My Car

 Maria Luiza de Carvalho Ramos Tavares

O vencedor do Oscar 2022 de melhor filme internacional, "Drive My Car", dirigido por Ryusuke Hamaguchi, é uma verdadeira obra de arte. Adaptado do conto do famoso autor Haruki Murakami, na trama acompanhamos o Yusuke Kafuku, que após perder a sua esposa de maneira abrupta, precisa lidar com os sentimentos de luto, solidão e arrependimento. Quando começa a trabalhar como diretor de uma peça, Kafuku é obrigado a parar de dirigir o seu amado carro e precisa aceitar uma motorista particular, é aí que seu processo de aceitação e, até mesmo, de autoconhecimento começa.

Apesar do conto ser pequeno, "Drive My Car" possui 3 horas de duração e m prólogo de 45 minutos, mas engana-se quem acredita que o filme é muito longo, cada segundo vale a pena e é indispensável para a trama. Com uma fotografia belíssima e diálogos emocionantes, o filme vai guiando o telespectador para entender a jornada de cada personagem.

É bastante interessante como a comunicação é abordada no filme. Kafuku tinha um relacionamento aparentemente bom com a sua esposa Otto. Nos momentos íntimos, Otto se sentia tão confortável que se libertava completamente e começava a narrar histórias – inclusive, essa parte do longa é inspirado no conto "Sherazade", também do Haruki Murakami – que eram repassadas para ela no dia seguinte por Kafuku. Quando descobre que Otto está o traindo, Kafuku recua e guarda para si toda aquela mágoa. Não consegue entender porque sua esposa está o traindo, mas não tem coragem de confrontá-la, ele não consegue se comunicar.

Quando Kafuku precisa de um motorista, ele recua e fica distante, pois não quer e não consegue se comunicar. Mas aos poucos, a relação entre Kafuku e Misaki, a motorista, vai crescendo, e os dois conseguem se conectar até conhecer a si mesmos, a relação dos dois se torna uma jornada de autoconhecimento.

O filme também conta com a peça "Tio Vânia" de Anton Chekhov, que se mistura com a trama e com os personagens. O surpreendente é como a peça foi apresentada: cada ator fala uma língua diferente, um deles, inclusive, fala a língua coreana de sinais. Kafuku sendo o diretor dessa peça significa muito, pois mostra como o personagem tem barreiras na hora de se comunicar, assim como os atores que falam línguas diferentes, mas no final encontram uma maneira de falar o que precisam.

É importante destacar que o carro também é um personagem no filme. Ele está presente nas duas partes do longa, quando Otto estava viva e após a sua morte. Dirigir aquele carro é muito importante para Kafuku, é uma atividade que ele sempre gostou. O carro se faz presente tanto no conto quanto no filme.

Hamaguchi, com delicadeza e precisão, conseguiu apresentar em "Drive My Car" o luto e a individualidade de cada personagem, fazendo com que o telespectador reflita e se identifique. A fotografia e os diálogos deixam o filme mais leve, e faz com que as 3 horas pareçam apenas 3 minutos. Mas, apesar disso, é importante reconhecer que o filme não é para qualquer público, uma vez que tem um ritmo lento e é mais artístico do que comercial.

foi plágio?

 


Emmanuel Marcondes da Silva

A série alemã “1899” foi criada por Jantje Friese e Baran bo Odar, mesmos criadores da série “Dark”. “1899” conta com um elenco vastos de várias nacionalidades, diversos idiomas são encontrados nessa série que tem sua história iniciada no fim do século XIX com um roteiro linear, mas sempre surpreendente.

A história se passa em um navio “Kerberos” que está levando mais de mil passageiros da Europa para Nova York nos Estados Unidos. Onde todos os presentes buscam uma vida melhor e deixar o passado de lado, mas que no meio da viagem se surpreendem ao depararem com um navio “Prometheus” que estava desaparecido há 4 meses e a viagem que deveria durar 7 dias toma rumos inesperados e a chegada ao país próspero não ocorre mais.

A fotografia da série é muito bonita, mas peca em algumas cenas bastante escuras onde mesmo assistindo com o ambiente com as luzes apagadas fica difícil entender o que está acontecendo.

Apesar do ritmo por muitas vezes lento e diálogos por vezes pontuais, a história prende do início ao fim nos fazendo juntos com eles tentar descobrir o que está acontecendo e por que. Pois tudo que parece real, pode não ser. E ao final descobrimos que tudo ocorreu na mente dos personagens e que eles estão com seus corpos congelados em 2099 em uma nave rumo #outro_planeta.

A série tenta nos mostrar que a mente humana pode muito e as realidades que vivemos nem sempre são reais, como em sonhos por exemplo. E que cada pessoa é um universo a ser explorado.

“X” DE TI WEST


 Maria Emanuela da Costa Fernandes

No início desse ano, tivemos a estreia de um filme de terror cheio de originalidade e estilo. Tendo como pano de fundo uma despretensiosa casa de fazenda no Texas, havia um novo ícone slasher esperando para ser lançado. “X” de Ti West, um dos meus favoritos do ano, e um filme com uma pré sequência (Pearl) tão boa quanto o primeiro.

Estrelado por Mia Goth, Jenna Ortega, Brittany Snow e Scott Mescudi, o longa segue uma equipe de cineastas adultos enquanto eles se aventuram em um local remoto para filmar um filme pornô. Sob o olhar atento do casal de idosos, cuja propriedade eles estão, eles se esgueiram para obter a última foto. Mas quando a filmagem secreta começa a despertar a suspeita dos peculiares proprietários, eles jamais poderiam imaginar o que os espera.

X” é um slasher ousado, inundado de reviravoltas inesperadas que deixam os espectadores em momentos desconfortáveis ​​e percepções horripilantes. É um filme relativamente lento para a maioria, mas sua paciência à medida que se desenvolve é bem recompensada durante um terceiro ato intenso e, particularmente falando, divertido. Às vezes, a melhor palavra para descrever seria “maluco”. A cinematografia faz um trabalho perfeito ao capturar a estética dos anos 70 sem torná-la enigmática. Ele se encaixa perfeitamente nessa década através das suas cores, direção de arte, planos abertos e contra-plongées. Soa como um aceno para os clássicos do passado - especialmente com O Massacre da Serra Elétrica (1974).

As performances são de primeira qualidade, com todos os personagens tendo seu próprio momento de roubar a cena. Mas é o gótico que realmente brilha como Max, uma jovem atriz motivada com os olhos postos na fama. Ela é o canal da mensagem geral de beleza e juventude do filme - e os horrores disso desaparecendo para alguns.

Às vezes, fica o sentimento de que os vilões diminuíram o tom, quase como que para acompanhar a narrativa dos demais personagens. Parecia um pouco brega nos momentos em que o foco precisava estar nos horrores que aconteciam. Houve partes em que não tinha certeza se deveríamos estar rindo ou não, o que me tirou alguns dos sustos. Mas quando o tom se alinha com a tensão, é a perfeição. Por isso é extremamente encaixável a palavra “maluco” nesse misto de emoções. É estranho se ver rindo em um filme de terror, especialmente um slasher, porém a proposta do filme é quase desnorteante.

X é um sentimento selvagem e um filme inesquecível. O seu ápice está precisamente quando a merda realmente atinge o ventilador, o que me deixa muito animado com sua sequência, Pearl. Certamente haverá reviravoltas ainda mais chocantes com o estilo excêntrico de West. E como não costumamos lançar um filme de terror duplo no mesmo ano, isso torna tudo ainda mais divertido.

marte um

 Raquel Costa

Dirigido por Gabriel Martins, Marte Um tem um rico enredo que flerta primordialmente com momentos e gestos cotidiano, narrando seus dramas, sonhos e frustrações de uma família de classe média baixa de uma cidade mineira, após a decepcionante posse de um presidente extremista de extrema-direita. Cotidiano esse que lembra a realidade de muitos de nós, seja nas discussões familiares ou simples situações como dormir no ônibus após um dia cansativo, por exemplo, que fazem um diálogo com o espectador o tempo inteiro.

Com a direção fotográfica de Leonardo Feliciano, a valorização das cores e texturas do que é visto em tela faz a diferença para a imersão de quem assiste. A direção de Gabriel proporciona observações genuínas - graças à sua experiência e vivência como roteirista - Marins faz muito com o pouco orçamento e mostra que sabe conduzir uma trama com maestria e sensibilidade. Entrega enquadramentos belíssimos, bom ritmo e uma trilha sonora que conversa com a narrativa. Não tem nada fora do lugar.

Sendo produzido graças a um fundo de investimento para diretores negros, o longa brasileiro superou vários preconceitos e desconfiança do exibidor nacional, atingindo mais de 50 mil espectadores nas salas de cinema e sendo indicado a concorrer no Oscar. Um filme que traz protagonismo de um núcleo familiar composto por pessoas negras e de classe média baixa, que conversa com grande parte da população buscando conexões entre as várias gerações e possibilidades de encontro entre as mesmas. Levando ao espectador algo único, que não se vê nos filmes internacionais ao qual dominam grande parte das salas brasileiras de cinema, que é a auto-identificação e reconhecimento da sua singularidade, de um cotidiano que é tão nosso, tão cultural, cheio das particularidades nacionais. Marte um é um filme de emocionar qualquer um, com final leve e cheio de significados e ambições saudáveis, trazendo a esperança de dias melhores.

US


Erica Beatriz Teixeira De Souza


Jordan Peele, é um Ator, Roteirista e Produtor americano que fez sua estreia nos cinemas com o filme “Get Out” em 2017, redefinindo o gênero do terror com uma produção moderna, e cheia de críticas sociais. Em 2019, com seu longa metragem “Us”, Peele mostra uma evolução positiva do seu trabalho em amplas direções, deixando claro que ele têm algo além de uma história de terror para contar ao seu público.

“Us” começa em 1986, onde uma garotinha (Adelaide) se diverte no parque de diversões Santa Cruz Beach Boardwalk com sua família. Ao se afastar de seus pais em um momento de distração, Adelaide perambula sozinha pelo parque até se encontrar dentro de uma casa de espelhos. Confusa e cercada por seus próprios reflexos ela nota que um deles na verdade é uma outra versão dela, Adelaide foge com medo e se torna uma criança reclusa por causa do trauma.

Anos se passam até os dias atuais, e somos reapresentados a uma história típica de férias de verão, na qual Adelaide, agora já crescida, leva sua normal família para o lugar onde vivera seu maior trauma. Tudo está bem até que de repente em uma noite, uma outra versão nada normal de sua família (Doppelgängers), aparecem em sua casa usando macacões vermelhos e tesouras afiadas, a partir deste momento o caos é instaurado, lutas, perseguições, agressões e diálogos profundos preenchem a história, dando pistas sensoriais de que algo está errado no mundo.

Em “Us”, a família de Adelaide vive o sonho americano, Gable (marido de Adelaide) durante a maior parte do filme usa um moletom de Howard, um lembrete da prestigiada e histórica universidade na qual ele se formou, passam o verão em uma segunda casa destinada às férias, e ainda possuem um barco. Mas claro, estão sempre se comparando a outra família e tentando acompanhar o estilo de vida de seus amigos.

Mesmo com todos esses clichês, Peele consegue trazer para a sua obra um tom experimental e personagens interessantes que são constantemente colocados à frente de situações intrínsecas. A invasão domiciliar abordada no filme já é um subgênero reconhecido no terror, todo mundo tem medo da violação de sua casa, a ideia de que um lugar onde você teoricamente deveria estar seguro possa se tornar uma cena de crime é aterrorizante e o diretor consegue sofisticar esse cenário adicionando os Doppelgängers, tornando a narrativa chamativa e incomum ao redefinir a ideia de uma luta contra uma figura desconhecida ou sobrenatural, pois neste cenário seu inimigo é você mesmo.

O filme é sobre muitas coisas mas principalmente sobre o contexto da dualidade, o longa é repleto de de espelhos, desde a pequena Adelaide que encontra seu clone em um corredor cheio deles, até os outros personagens que se olham, são empurradas, e se assustam com seus próprios reflexos. São duas famílias, duas linhas de tempo e finalmente dois mundos. Gabe (o marido de Adelaide) enfrenta essa dualidade ao ser um homem negro nos EUA quando confronta os invasores de sua casa, ele é gentil e compreensível por alguns minutos mas ao ver que esta atitude não surtiu efeito, o vemos performar uma alternância de código linguístico, assumindo a postura de um homem grande, negro e intimidante em uma tentativa falha de afastar a misteriosa família de sua propriedade.

O ápice e momento mais perturbador desta dualidade, é quando cada membro da família olham nos olhos de seus clones e veem eles mesmos, desprovidos de linguagem, educação e de etiqueta para conviver em sociedade. Os coelhos presentes no filme também podem ser uma alusão a “Alice Através do Espelho e O Que Ela Encontrou Por Lá” de Lewis Carrol, no qual Alice atravessa um espelho e encontra um mundo onde tudo é o oposto do que deveria ser. Fica claro que cada frame é meticulosamente calculado, e nenhuma referência é por acaso.

Quando finalmente descobrimos a origem dos Doppelgängers, vemos que eles estão diretamente ligados aos seus originais e forçados a viver versões miseráveis de suas vidas. Esse é o principal motivo da tentativa violenta ascender a escada social, sugerindo que todo o sucesso dos originais seria baseado na falha dos clones. O diretor transcende a crítica direta, e ao ao invés de levantar novamente o tema do racismo, ele critica sutilmente o nosso modelo de sociedade, no qual enquanto alguns vivem uma vida confortável e de luxo , outros sofrem para que isso possa acontecer.

Como última revelação inquietante, percebemos a Adelaide clone na verdade trocou de lugar com sua original no dia em que se conheceram na casa de espelhos. Adelaide que nasceu no subsolo estava esse tempo todo atuando como protagonista de forma que questiona nossas posições sociais e sugere que qualquer ser humano, poderia se tornar um monstro violento se submetidos às torturas vivenciadas pela Adelaide original. Qual personagem, neste cenário, seria o vilão?

“Us”nos força a encarar dilemas morais e perceber como a dualidade é usada para explorar noções do que faz nós sermos nós, seria algo genético ou tudo depende das circunstâncias em que estamos inseridos? O filme é uma produção intimista que deve ser apreciada mais de uma vez, várias camadas visitam temas e interpretações diferentes, se recusando a entregar um final fechado, insinuando assim uma metáfora que pode vir a ser realidade, talvez nós sejamos os nossos piores inimigos.


Referências

GET out. Direção de Jordan Peele. Estados Unidos: Universal Pictures Home Entertainment, 2017. 1 disco blu-ray (104 min.).

US. Direção de Jordan Peele. Estados Unidos: Universal Pictures Home Entertainment, 2019. 1 disco blu-ray (117 min.).

CARROL, L. As aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através Espelho e o que Alice Encontrou Por Lá. Brasil: Editora Zahar, 2010.

The Proposal

 


Karolina Trindade da Costa 

Um dos melhores filmes Enemies to Lovers que o cinema já viu! The Proposal, ou A Proposta, como estamos habituados a ouvir no Brasil, é um dos filmes mais conhecidos da Diretora Anne Fletcher. Lançado em 2009, o filme é uma escolha ideal para os amantes da boa e velha comédia romântica. Ele conta a história de Margaret Tate (Sandra Bullock), uma poderosa editora de livros que corre o risco de ser deportada para o Canadá, e para poder permanecer em Nova York, ela diz que vai casar com Andrew (Ryan Reynolds), o seu, até então, assistente. O jovem aceita ajudá-la, mas impõe algumas condições, como ser nomeado editor na empresa e, também, ir ao Alasca para que Margaret conheça a sua família, que por sinal não é nada convencional.

Uma das características que fazem o filme ser muito especial é a unidade e protagonismo de todos os personagens em cena, mesmo que secundários. Em um filme com Sandra Bullock e Ryan Reynolds, espera-se que os personagens coadjuvantes não se destaquem muito, mas não é o que acontece nesse filme!

Além de darem total apoio para o protagonismo dos personagens principais, eles se destacam de maneira pontual. Um exemplo é o personagem do Oscar Nunez, o Ramone! Quem assistiu o filme sabe como ele é um dos personagens mais cativantes da narrativa.

Outro fator que podemos comentar é a leveza que existe no romance apresentado entre os personagens principais. O filme como um todo não apresenta cenas de beijos demorados ou cenas muito “quentes” para embasar a ideia de um filme de romance. Mas existe uma química de implicância, e até mesmo uma troca de vulnerabilidade entre os personagem que completa todas as lacunas que poderiam ter sido deixadas por esses elementos. Uma história de romance completa e fácil de entender sua construção sem precisar apelar muito para fatores mais sensuais.

E o que podemos dizer da cena pós créditos do filme? uma obra de arte! Impossível pular ou assistir sem dar gargalhadas. Nesse pós créditos a trilha sonora também se destaca muito! A música It Takes Twoum do Rob Base e DJ E-Z Rock, que é citada anteriormente, em uma conversa dos dois, onde Margaret fala que foi o primeiro show que ela foi na vida, a cena acaba com os dois fazendo um dueto fofo e desafinado. Essa cena é uma das viradas para o romance, que até então era falso, se tornando um interesse real para os dois. Acredito que foi intencional colocá-la no final do filme para fazer uma ponte e lembrar do momento em que os dois se apaixonam.

O filme é descontraído, ótimo para assistir em uma sexta à noite e descansar de uma semana corrida! Poderia facilmente ser um filme de Natal, mas infelizmente não é. Vale a pena assistir e repetir a dose!

Cidadão Kane

O homem que tinha tudo e não tinha nada


Lucas Ney de Lima Sabino


“Cidadão Kane” é considerado por muitos a melhor produção de Orson Welles. O filme conta a história de Charles Foster Kane (interpretado pelo próprio Orson Welles), um magnata da imprensa. O que conduz a narrativa é a palavra “Rosebud” dita pelo Sr. Kane antes de sua morte, isso intriga jornalistas e os fazem ir atrás de pessoas que conheciam o magnata para entender o significado dessa expressão. No fim, o filme é uma reflexão sobre o que realmente importa na vida.


Para entender melhor o motivo e como esse filme traz essa reflexão, primeiro vale uma citação “A riqueza não consiste em ter grandes posses, mas em ter poucas necessidades.” dita por Epicteto que viveu na Grécia Antiga, onde foi um filósofo estoico. Ele acreditava que a filosofia não é apenas uma forma de pensar, mas uma parte importante da experiência de vida. Mas em que isso se relaciona com o filme? Charles Foster Kane era um homem multimilionário, tinha posses em imóveis, empresas, ações em bancos, controlava (em certo ponto) a mídia, tinha grande influência na sociedade, artistas sobre seu cuidado, ações em banco… Porém, no desenvolvimento da narrativa, percebemos o quanto ele se sentia sozinho e vazio. Morreu sem amigos, sem família e sem esposa.

O filme não entrega essa reflexão de bandeja, é preciso estar atento a três coisas, a primeira é  que os repórteres estão atrás do significado da expressão “rosebud” dita pelo Sr. Kane, acreditando se tratar de algum tesouro ou herança deixados pelo magnata, ou uma amante secreta, alguma viagem marcante e etc. Eles não descobrem e acabam desistindo. A segunda são os globos de neve segurados pelo o Sr. Kane quando ele termina seu casamento e no momento de sua morte. E a terceira é que no final, no meio das coisas que estão sendo descartadas e queimadas do Charles Foster Kane, vemos um trenó usado pelo mesmo na infância, o trenó era da marca “Rosebud”.

Somando tudo isso, ao flashback de sua infância, a conclusão que tiramos é que embora o cidadão Kane fosse um homem com muitas posses e com muito dinheiro, o único momento em sua vida em que ele se sentiu feliz de verdade, foi quando morava com sua mãe, mesmo sendo muito pobre e seu único brinquedo um trenó velho, ele se sentia amado por sua mãe que abriu mão de tudo (inclusive de estar com seu filho) para que o pequeno Charles pudesse ter um futuro melhor.


Por fim, na minha opinião, o filme é sim uma obra prima. Tem boas atuações, inovações técnicas como profundidade de campo, a narrativa é contada com flashbacks de entrevistas, a direção faz um trabalho sensacional. Mas não é um grande filme somente por isso, mas por essa reflexão trazida de uma maneira sútil e muito interessante.

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Pearl 1


Saulo Vinícius Menezes Pinheiro


Pearl (2022), da produtora A24, é dirigido por Ti West e coescrito pela atriz Mia Goth que também protagoniza a obra. Pearl é o segundo filme da trilogia “X”, e conta a história de origem da Serial Killer do primeiro longa, dando mais profundidade à personagem que até então era pouco desenvolvida. O filme mostra a juventude da Pearl, seus sonhos, e mostra com sucesso todo o seu arco para se tornar a antagonista do primeiro filme, créditos para a Mia Goth que conseguiu passar com clareza toda a intensidade de sentimentos da protagonista.

Além de esteticamente agradável apenas com o uso de poucos cenários, sendo a maioria deles, os mesmo de sua prequência, Pearl consegue aproveitar bem suas uma hora e quarenta com uma narrativa empolgante e tensa, é assustador enxergar a menina sonhadora do campo se tornar uma assassina no final da narrativa, mesmo que já sabemos que isso vai acontecer.

A presença de transições como wipe, e a iris no final do filme, ajudam muito na imersividade do telespectador, passando a ideia de ser um filme antigo mesmo, já que esses efeitos são de certa forma datados, se encaixam perfeitamente na proposta da obra.

Apesar do primeiro filme, X, ser um slasher comum, não é um filme cansativo de forma alguma, além disso, Pearl veio para dar mais profundidade para a história e cumpre bem o seu papel. As escolhas de transições, a narrativa e a atuação da Mia, elevaram e engrandeceram o filme, ampliando com maestria o universo criado até então, me deixando extremamente ansioso para a sequência que irá concluir essa trilogia.

Pearl 2


Diana Thallita da Silva Santos


Algo não está certo com Pearl (Mia Goth), e ela nunca vai entender o porquê. Ela quer sair de sua fazenda isolada no Texas de 1918 e experimentar o amor que vem da atuação, endo vista como uma artista, mas não como o seu verdadeiro eu, uma assassina a sangue rio. Não é provável que em suas entrevistas como estrela mencionem que uma vez ela empalou um pato com um forcado e depois o alimentou com seu melhor amigo, um crocodilo.

Mas, por quão óbvio o enredo e o diálogo podem ser dos co-roteiristas, West e Goth, o pintar um retrato de um monstro, é divertido interpretar as proclamações de Pearl ao longo de seu filme como atriz/assassina em série falando duas vezes: “O mundo inteiro vai saber meu nome”, “não gosto da realidade”, “tudo o que quero é ser amado”. Goth faz essas revelações valerem em vitrines primitivas, expressas com uma voz sussurrante e com forte sotaque que pretende torná-la meio ingênua e muito inocente, uma cópia das inúmeras Pearls que existem por aí. Um longo close-up de Goth mais tarde nos leva a um passeio selvagem de suas ansiedades por não ser amada, seus medos de seu verdadeiro eu, sem saber que a mudança repentina dentro dela está próxima, especialmente depois que alguém a faz se sentir pequena. Então eles sofrem por isso.

Há quase uma alegria demente permeando cada quadro de Pearl, enquanto Ti West procura criar um filme de terror ambientado na estética dos filmes da família Disney, como O Mágico de Oz ou Mary Poppins. A estética do cinema, portanto, evita brilho, colorido e, ouso dizer, quase totalmente americano. A cinematografia e a linguagem visual durante os sonhos de Pearl de se tornar uma estrela lembravam os de um musical com a forma como as tomadas são enquadradas ou como a câmera avança ou gira enquanto explora os contornos da psique já fraturada de Pearl.

Ao colocar o filme bem em 1918, no meio da pandemia global afetada pela gripe espanhola, West também está tentando comentar sobre a pandemia real em que estamos vivendo há mais de dois anos, quase um século depois. Ele explora os sentimentos de isolamento, os momentos intensos de solidão e o desejo de escapar da monotonia do trabalho penoso de uma cidade pequena para perceber se a sua vida atual é a única forma de vida que existe. Esse sentimento só aumenta quando a rigidez da mãe de Pearl parece distorcida devido ao medo da pandemia e ao medo de entender e perceber a malevolência de Pearl.

Pearl funciona não apenas como um comentário sobre os filmes da Era de Ouro de Hollywood, mas também parece funcionar como um espeto eficaz contra a imagem “totalmente americana” da vida na fazenda, com a cerca branca e o celeiro e a vida pacífica em uma fazenda. A montagem final mostrando Pearl cortando a mão de Mitzy é igualmente notável por causa de como visualmente apresentado todo o calvário é brilhante e sangrento. Até mesmo o assassinato de Mitzy é motivado pelo fato de ela ser “loira e bonita”, a própria imagem de uma mulher tipicamente americana como esperado pelos juízes.

No centro de Pearl está o show de Mia Goth, onde o Goth sozinha eleva o longa com uma performance que beira o incandescente. Você não pode desviar o olhar, e é por causa de Mia Goth que Pearl consegue manter o público simpático a ela, mesmo depois que seus modos assassinos a dominam. Goth captura com sucesso todo o emocional pela qual Pearl passa enquanto a paranoia e a raiva a dominam.

É inegável que, aos 102 minutos, Pearl (2022) parece mais longo do que deveria. O ritmo mais lento pode parecer intencional, mas há momentos em que ocorrem cenas que parecem redundantes ou já foram definidas pelo diálogo. No entanto, os momentos que enfatizam ou constroem os atos violentos são bem feitos. Uma dose saudável de contenção é mostrada aqui durante esses momentos. Enquanto tenta explorar momentos mais profundos de isolamento e saúde mental, Pearl nunca perde de vista seu charme desvairado e o espeto de suas homenagens.

Pearl (2022) de Ti West é sobre como os atores podem ser aterrorizantes quando alimentam essa necessidade corrosiva de serem vistos a todo custo. Por isso, é apropriado que o momento mais brilhante neste filme, sua cena final seja Goth usando seu rosto para fins perturbadores, com aquele sorriso de olhos arregalados, que não chega aos olhos, enquanto a esposa espera ansiosamente que o marido volte para casa com um sorriso largo e forçado; seus dentes sinalizam felicidade, enquanto seus músculos faciais contraídos esporadicamente e as lágrimas que brotam dizem algo muito mais assustador, tudo congelado naquele desespero. West nos faz olhar para isso durante os créditos finais. É tudo descontroladamente, maravilhosamente desconfortável, e só faz você querer ver esse personagem nesse efeito com mais frequência enquanto conta uma história que não é tão sutil quanto seu pedido final e silencioso de ajuda.

Enola Homes 2

ELA VOLTOU!

 Cintia Cristina Oliveira Nunes

Enola Holmes 2, o elétrico filme dirigido por Harry Bradbeer, é uma agradável trama e um aprimoramento do filme 1. O filme conta a história da irmã mais nova do renomado detetive Sherlock Holmes, interpretada por Millie Bobby Brown, que nos passos do irmão também se torna uma detetive. Entretanto suas investigações constantemente esbarram nas barreiras sociais e culturais da época, pois ela é uma jovem de 17 anos vivendo no patriarcal mundo da era vitoriana na Inglaterra. O desaparecimento de uma jovem que trabalhava em uma fábrica de fósforo em ascensão é seu primeiro caso oficial, e em busca do paradeiro dela, ela trava uma corrida contra o tempo e contra o sistema e acaba descobrindo um problema maior do que esperava.

A trama traz um equilíbrio entre a realidade histórica da época em que se passa, e a fantasia do do universo de Arthur Conan Doyle, a princípio Enola parte em busca da jovem desaparecida na Fábrica de fósforo, e lá descobre que o número de mortes de jovens meninas que trabalham ali tem aumentado desde que os fósforos vermelhos produzidos foram substituídos por fósforo brancos. E esse contexto não é escolhido aleatoriamente, historicamente a produção esse novo modelo de fósforo gerou uma das doenças mais tenebrosas da era vitoriana, a Phossy jaw, doença letal que gerava a necrose da mandíbula das meninas que eram expostas a esse novo composto químico, e tentar desvendar e expor esse mistério é o grande desafio da personagem.

Enquanto no primeiro filme temos um presença curta do Sherlock Holmes, nesse segundo vemos ele participando mais ativamente da narrativa, seu incrível talento investigativo é exibido quando este busca o culpado de um assassinato, e ao decorrer da trama o mistério que tenta desvendar se cruza com a investigação de Enola, e os dois passam a trabalhar juntos. A partir desse momento o filme fica mais rápido, as cenas de ação se tornam mais comuns, os conflitos dos dois personagens se intensificam. Tudo isso aliado à quebra da quarta parede, quando a atriz interage com público, contribuem para uma sensação de imersão no filme e nas ruas da Londres medieval. O diretor incrivelmente consegue fazer isso sem deixar o filme pesado.

As pistas que poderiam revelar o paradeiro da moça desaparecida acabam por dificultar mais ainda a vida dos detetives. Vemos várias pistas separadas que montam um quebra cabeça insolúvel, isso é uma marca características das obras de Sir Arthur Conan Doyle e que o diretor consegue reproduzir muito bem. Então sem revelar o culpado, o filme prende a atenção do telespectador até o momento final.

Enola Holme 2 é então um grande acerto da Netflix, sendo uma combinação perfeita de leveza e profundidade. A ousadia e perspicácia da Irmã de Sherlock ao desafia os donos da fábrica e o sistema machista da época inspiram, a leveza de Millie Bobby Brown no papel traz o clima vívido, descontraído, que toda boa trama adolescente precisa, sendo um filme agradável, bem dirigido, e um presente aos fãs da saga Sherlock Holmes.

cisne negro

 

Victor Eduardo


Nesse terror-psicológico do diretor Aronofsky, que talvez seja o seu melhor filme até da sua carreira, conta a história de Nina (Natalie Portman) uma bailarina de Nova York que almeja um papel como solista numa nova temporada de ballet com um clássico reinventando do lago dos cisnes, mas percebendo que as coisas fogem do seu controle quando se depara por pressão e assédios do seu diretor manipulador, da sua mãe super protetora e da nova bailarina Lily (Mila Kunis) que é tão boa quanto a Nina, e assim tornando sua rival.

O filme trata da busca da perfeição de Nina como uma bailarina, uma menina frágil, vulnerável e extremamente controlada, e com uma técnica precisa, contudo ela encontra dificuldades de interpretar o papel principal de rainha dos cisne, que além de ser o cisne branco doce e sutil que faz com maestria segundo o próprio diretor da peça, ela precisa interpretar o cisne negro que é o exato oposto do que ela ´é´ um ser provocativo e ameaçador, assim ela sente bastante dificuldade de interpretar esse papel e ainda de se ver ameaçada com inveja da sua colega Lily, essa apresenta a essência do cisne negro.

Nisso a Nina começa um processo de se auto descobrir sexualmente, sentimento esse reprimido pela sua mãe mas atiçado pelo seu diretor e explorar uma dependência em sua vida que nunca teve em seus 28 anos de idade, Nina aos poucos é tomado por uma paranoia e ansiedade que fazem ela não saber mais o que é real ou não e acompanhamos tudo na história na perspectiva dela fazendo o espectador imergir naquele universo com destreza até na escola de muitos ângulos pegando a costa de nina como se ela estivesse sendo perseguida como se nós estivéssemos perseguindo ela.

É notável uma dualidade que perpassa por todo filme seja as duas personalidade da Nina lutando para ver qual vai prevalecer naquele corpo quase como se as duas não pudessem existir o cisne branco e negro na mesma pessoal, e nos próprios personagens que fora do ballet representam personagens da peça do lago dos cisne como o diretor que ao mesmo tempo seria o príncipe mas também o bruxo do mal, e nessa psicose da Nina de não saber mais o que é real ou apenas imaginação da sua mente e da pressão enorme que todos botam nele e ainda mais a que ela bota em si mesmo para alcançar a perfeição o filme vai preparando muito bem a experiência para o ato final.

Fora o roteiro impecável dessa obra, os efeitos visuais desse filme são muito criativo, bem como filme é sobre ballet também e ballet sem espelho não é ballet, aqui o Aronofsky brincam com ele e usa como recurso para mostrar os devaneios de Nina, e também na montagem usando de espelhos unidirecional pra da uma estética único para esse filme, e na maioria das cenas usando câmera de mão, fora a trilha sonora com toques sutis seja num som de um cisne, o seu bater de asas, ao passo suave de uma bailarina, criando todo uma atmosfera que deixa o espectador completamente imersivo e angustiado querendo entender o que está acontecendo de fato e o que é apenas imaginação, e com o tempo que passa parece que tudo vai ficando mais caótico e confuso, mas no final tudo se justifica apesar dele ser meio subjetivo o que fica claro é que a Nina finalmente conseguiu o que tanto queria, a perfeição.

Cisne negro é genial, desde a performance incrível da Natalie Portman que lhe deu um Oscar de melhor atriz, ao roteiro que vai prendendo você e deixando perturbado e lhe recompensa no final com um deleite, a paletas de cores aos efeitos sonoros minuciosos que engrandecem esse filme, ao jogos com os espelhos até a sua mensagem complexa que ele quer passar, o filme é basicamente a busca de Nina pela perfeição, mas o que é perfeição ? Se Não um sonho surreal longe do nosso alcance, e para Nina naquele momento a liberdade era isso de todo aquele caos, dor que ela estava sentindo e tirando a sua própria vida assim como o conto original do lago dos cisne ela garante isso.

E eu acho isso maravilhoso esse filme a mensagem que ele traz, a maneira que mostra como nós humanos ficamos obcecados de alcançar padrões inalcançáveis e quando muita vezes não percebemos que o maior inimigo de nós mesmo e apenas a gente, se auto sabotando pelas nossas inseguranças levando a uma constante paranoia que parece não ter fim, o cisne negro passa isso de forma única no seu visual, estética, trilha sonora usando dos clássicos do Tchaikovsky, fotografia dos seus planos e com uma mensagem certamente significativa e oportuna para época, fora que até hoje não existe muitas obras que mostra como é o ballet uma dança tão linda e espetacular.


domingo, 27 de novembro de 2022

Fatherhood

Paternidade é um filme sobre mães negras para homens negros
 

Anthony Rodrigues


O(a) leitor(a) que chegou até aqui após ver o longa Fatherhood (Paul Weitz, 2021), no catálogo da Netflix, pode ter estranhado o título do texto. Afinal, o filme estrelado por Kevin Hart e Melody Hurd, narra a história de um pai viúvo criando sua filha recém nascida. Acontece que, durante o enredo, nós percebemos que Matt - persornagem de Hart - é um homem negro descobrindo da forma mais intensa como é estar na pele de tantas mães negras. O fio condutor da narrativa é o processo de aprendizado de Matt em cuidar de sua filha sozinho, sem a presença da mãe.

Para começar a destrinchar como o filme assume essa roupagem crítica a partir da paternidade negra, devemos nos atentar sobre o fato de Matt e Liz (sua ex-companheira falecida) serem um casal negro de classe média. A socióloga estadunidense Patricia Hill Collins nos ensina que uma das características mais comuns das trabalhadoras negras e pobres nos Estados Unidos (e, arrisco dizer, também no Brasil) é serem mães solteiras involuntariamente. Já as mulheres negras que ascendem socialmente, alcançando condições de vida de classe média, acabam optando por serem mães solteiras, por se enxergarem entre o machismo e o racismo estruturais reproduzidos também por homens negros de classe média, que estão em relações afetivas com mulheres brancas. Em suma, de um jeito ou de outro, Fatherhood é sobre como a maternidade negra, dentro de relações heteronormativas, é quase sempre um processo solitário.

Essas características fazem Matt cumprir, simultaneamente, o papel de uma mãe negra e de um pai negro. Isto é, ao mesmo tempo em que precisa desempenhar suas obrigações profissionais para sustentar Maddy, Matt lida com um mundo totalmente novo e ainda raro para homens negros: o das fraldas, mamadeiras, brinquedos, choros, horas de sono, consultas ao pediatra, carrinhos de bebê etc. Não à toa, ele é pressionado por sua ex-sogra, mãe de Liz, para entregar a guarda de Maddy. Ao não aceitar, Matt é rodeado por uma descrença geral - entre amigos, família, trabalho e escola - de que seria realmente capaz de criar sua filha sozinho. Assim como para mães negras solteiras, ele precisa se desdobrar entre as obrigações relacionadas à sua filha, sua casa e seu trabalho, recebendo ajuda esporádica de amigos e familiares conforme vamos percebendo uma evolução no seu aprendizado.

Ainda que tenha uma narrativa ancorada num problema social grave, aos poucos vamos nos deliciando com a relação de afeto entre Matt e Maddy, que faz todos os obstáculos terem valido a pena. Conforme Maddy cresce, Matt vai colocando cada vez mais sua filha como prioridade em sua vida, mesmo diante de relacionamentos com outras mulheres e boas propostas de emprego. O filme, então, vai acumulando cenas lindas entre os dois, inclusive as de suas brigas, consideradas normais numa relação entre pai e filha. No percorrer da narrativa, também acompanhamos como Maddy vai se conscientizando cada vez mais da importância da presença afetiva paterna, principalmente tratando-se de uma família negra.

Por fim, destaco como o filme utiliza bem, em alguns momentos, de um ritmo mais acelerado na montagem para transmitir um sentimento de leveza e comicidade nas situações de destreza de Matt com Maddy. Como na cena do supermercado, onde Matt esquece Maddy no estacionamento e volta para buscá-la ao som de hip-hop. É como se o filme tivesse nos dizendo o tempo inteiro: “tá tudo bem, você está apenas aprendendo a ser pai e vai dar tudo certo”.

Por mais que, na minha opinião, a direção e a montagem pudessem entregar uma carga emocional maior, lançando mão de planos-sequência mais longos, sobretudo em diálogos conflituosos; penso que o filme entrega um tom dramático na medida certa: de conteúdo profundamente sociológico e com boas doses de entretenimento e de cinema de afeto. É um filme, como indiquei no título, sobre mães negras para ser assistido por nós, homens negros. E é por isso que acredito no poder de reflexão que uma boa representação negra nas artes pode gerar. Em Paternidade, nós homens negros recebemos diversos socos na cara, assim como Matt na diegese ficcional e muitos outros que vivenciaram/vivenciam isso na vida real. Resta saber se também decidiremos fazer disso um processo longo e árduo de aprendizado.


Love, Death & Robots


Yasmim Ariely Barbosa Pereira

Não é difícil conceber que na era dos streamings e blockbusters grandes produtoras como a Netflix têm investido em modelos audiovisuais que prezam muito mais pela quantidade do que pela qualidade de seus conteúdos. Em contrapartida, é fato que essa realidade gera a experimentação de novos formatos, tramas e categorias. Felizmente, resultados positivos como Love, Death & Robots conseguiram surgir desse cenário, quebrando barreiras que até então estavam travadas pela típica linearidade das narrativas cinematográficas.

Criada pelo famoso Tim Miller e produzida por ninguém menos que David Fincher, a série usa ao seu favor a antologia dos episódios, que tornam-se ainda mais ricos diante do universo de possibilidades concebido pelo poder da animação e a alternância entre diversos gêneros, estilos e traços.

Possuindo atualmente 3 volumes, a soma de seus 35 episódios narra diferentes distopias com tramas profundas e surpreendentes, circunstância que particularmente considero difícil realizar durante a média de 15 minutos em que os episódios se concretizam. Na maioria das vezes, Love, Death & Robots consegue superar essa barreira e produzir ideias pontuais, objetivas e interessantes com eficácia, porém ocasionalmente temos histórias medianas e um tanto superficiais que necessitavam de mais tempo para se desenvolver e encerrar seu enredo com mais firmeza.

Diante disso o impacto da trama pode oscilar com o passar dos episódios, - levando em consideração a incerteza da ordem em que são assistidos - mas é fato que a qualidade visual permanece altíssima. Seja stop motion ou um 3D fotorrealista, o padrão das direções de arte são igualmente impecáveis, nos instigando a apreciar ainda mais a obra, até mesmo diante de traços bastante incomuns.

Portanto, cai na ilusão quem espera de Love, Death and Robots ingenuidade e que seja apenas uma maneira de passar o tempo. A ideia de dar total liberdade criativa para a equipe de animadores nos possibilita o embarque em diferentes universos a cada “play”. É isso que a torna mais especial. Muito mais que amor, mortes e robôs, a obra é ambiciosa, equivale a uma explosão sem fim de ideias, perspectivas e reflexões - muitas reflexões. Com certeza é uma das melhores séries que já assisti.

Heartstopper

 A celebração do amor em cores

Ana Clara Ribeiro Lopes

Inspirado nos quadrinhos escritos por Alice Oseman, o romance adolescente com temática LGBTQIA+, Heartstopper, chegou ao streaming da plataforma “Netflix” no final de abril de 2022. Dirigida por Euros Lyn e roteirizada pela própria Alice, a adaptação é repleta de representatividade e veio para deixar, especialmente para o público jovem, uma onda de positividade e de celebração do amor.

A história se desenvolve ao redor do personagem Charlie Spring (Joe Locke), um adolescente carismático, de 15 anos, que sofre bullying por se assumir gay e de Nick Nelson (Kit Connor) garoto um ano mais velho, e que possui certa popularidade por fazer parte do time de Rugby da escola. Ao voltar das férias, o caminho dos dois se cruza no primeiro dia de aula, ao sentarem um ao lado do outro. A partir disso, a amizade dos adolescentes cresce cada vez mais, com os episódios, até que os dois percebem que a conexão que possuem é, na verdade, algo apaixonante.

Somos convidados a acompanhar, ao longo de 8 episódios, os desafios da descoberta e da aceitação da sexualidade em um período tão conturbado da vida. Heartstopper fascina ao tratar dessas dificuldades da adolescência com leveza e simplicidade, sem se aprofundar em temas como o da homofobia ou transfobia, a adaptação lida com esses temas de maneira delicada e positiva. A escolha atenciosa dos atores jovens, que fazem jus aos personagens originais e os interpretam com maestria se soma à química existente entre eles para contemplar a série com veracidade e doçura. As animações gráficas presentes que remetem aos quadrinhos, encantam, além de permitem uma maior imersão e compreensão dos sentimentos retratados.

Heartstopper, para além do tema da sexualidade, se demonstra acolhedora, valorizando e confirmando que apesar das dificuldades e dos desafios, é possível celebrar o amor e as diferenças sem o receio de ser feliz.

o fim e o começo

O Fim da Viagem, o Começo de Tudo de Kiyoshi Kurosawa

Tiago Saza de Mendonça

O fim da Viagem, o Começo de tudo (to the ends of the earth) é um filme sobre estranheza ao estrangeiro, sobre interpretar um papel feliz estando infeliz e sobre o medo de estar sozinho em um lugar desconhecido. Yoko (Atsuko Maeda) é uma apresentadora independente de documentários típicos japoneses, ela força uma simpatia que nem ela mesmo acredita enquanto a câmera está em sua face. Yoko e sua equipe (que não se dão exatamente bem) estão no uzbequistão para mostrar um pouco da cultura e sociedade do local.

Algo místico carrega nos olhos de Yoko, uma melancolia tocante e sublime. Yoko transparece fragilidade e emoções sutis (diferente da Yoko apresentadora). A metalinguagem feita com primazia pela Atsuko Maeda é assustadora, nunca senti tanto desconforto em ver a Yoko carregando esse personagem de apresentadora alegre de documentários de tv típicos japoneses.

Como dito, existe algo nos olhos de Yoko que ainda não sei decifrar, uma desesperança, alguma dor, talvez sim. Mas há uma certeza no olhar dos estrangeiros por parte de Yoko: desdenho e estranheza.

Esse não é um filme típico do Kyoshi (renomeado diretor de filmes de terror japoneses), mas há um terror, um terror natural, da estranheza, do choque cultural, do medo da vida, medo da morte, da solidão. Esse filme carrega medos banais na sua maior dose, nas mãos de Yoko.

O sentimento corrói em Yoko na maior sobrecarga, se encontrar em qualquer resquício de sentimento parece a coisa certa para Yoko. O medo dos alheios é grande, mas é um medo que não gera ao sentir a vontade de cantar, esse medo existiria em sua terra Natal.

Longe de casa, interpretando alguém que não é, com pessoas que não gosta, a solidão, uma cabra, uma montanha e cantoria a flor da pele parece justo aos condenados a tamanha dor.

sábado, 26 de novembro de 2022

Amanhã (2022)

Yara Adryelle Nascimento de Santana Souza

Amanhã é uma série lançada em abril de 2022, criada pela rede televisiva sul-coreana MBC e transmitida a nível mundial pela Netflix. Ela foi considerada (injustamente) pelo público coreano como uma das piores séries de 2022, mas mundo afora ela conquistou muitos corações e fez bastante sucesso. A série de 16 episódios que mistura fantasia e drama trata de forma leve, e ao mesmo tempo intensa, sobre o suicídio e traz à tona, em cada episódio, histórias de pessoas depressivas e que estão prestes a tirar a própria vida. Além do suicídio, a série traz temas polêmicos e que são considerados tabus pelo público coreano, o que justifica a rejeição. Histórias sobre violência sexual, anorexia, bulliyng e outras tramas tristes.

Choi Joon-Woon é um adulto que não consegue um emprego de jeito nenhum. Após voltar de uma entrevista de emprego fracassada ele pensa em se matar, mas muda de ideia, no entanto, vê um senhor tentando pular de uma ponte e tenta impedí-lo, mas acaba caindo na água no lugar do outro. Choi fica em coma e é convocado por uma instituição que cuida das almas de pessoas mortas a se juntar à uma equipe que trabalha para evitar suicídios, ele aceita para diminuir seu tempo em coma. Na equipe está Goo Ryeon, uma mulher que na última vida, durante a dinastia Joseon, se suicidou por causa dos julgamentos da sociedade em que ela vivia por causa de um incidente. E Lim Ryung-gu, um homem que na vida passada perdeu a mãe, que foi violentada, para o suicídio. Os dois têm motivos pessoais para lutar para que as pessoas não tirem suas próprias vidas. É uma equipe pequena e marginalizada entre as outras equipes de ceifadores. O líder dos ceifadores Park Joong-gil, está sempre tentando prejudicar a pequena equipe liderada por Goo Ryeon, os dois vivem em constantes conflitos. Park Joong-gil não se lembra, mas ele fez parte do passado de Goo Ryeon e sofreu muito com sua partida. Choi Joon-woon, Goo Ryeon e Lim Ryung-gu recebem a cada episódio a missão de salvar alguém, eles se infiltram na vida das pessoas, descobrem seus problemas e tentam ajudar para evitar o suicídio.

Essa série mexeu comigo mais que qualquer uma em toda a minha vida. Eu ri, eu chorei, eu aprendi, lavei a minha alma, morri e renasci. Quando uma série faz tudo isso comigo costumo dar 5 estrelas para ela. Mas vamos às avaliações… essa série possui um roteiro bem básico por se tratar de representar casos reais de depressão, então foi fácil prever o que aconteceria em cada episódio. Me deu raiva e ao mesmo tempo me deixou um gostinho de quero mais quando a história de Goo Ryeon e Park Joong-gil foi inserida na trama e não tiveram um final fechado, por mim, poderia ter uma série só deles, ou uma segunda temporada continuando a história deles. Os episódios que mais me levaram às lágrimas foram o do cachorro, o do herói de guerra e o das mulheres de conforto, mas chorei em todos os outros também. O figurino, os cenários e os efeitos de edição deram um toque surreal para a série e nos resgatou da verdade crua das tristes histórias. É uma série muito boa para ver e rever sempre que se sentir triste ou sem esperança ou simplesmente por ver mesmo. Eu assistiria várias e várias vezes e choraria em todas elas.

Amanhã é uma série injustiçada, ela mostrou a verdade e mostrou que a Coreia do Sul não é um mundo encantado como os doramas bobinhos levam a crer. Em todo canto há depressão, em todo canto há violência e há tristeza, mas viver e seguir em frente é importante. A série mostra como o amanhã é precioso e que devemos continuar vivos para vivê-lo.

Drive (2011)

 

Flávio Pantoja Monteiro

A narrativa do motorista calado e solitário que vive uma vida monótona até se interessar por uma mulher é bastante corriqueiro dentro do cinema. É possível ver enredos que se encaixem nesse “esqueleto” em filmes como Taxi Driver, Baby Driver, Teoria da Conspiração, entre outros. E Drive, do dinamarquês Nicolas Winding Refn, é mais um que estrutura sua história em torno desta premissa.

Na trama, acompanhamos a história de um motorista sem nome alternando entre seus trabalhos como dublê, mecânico e motorista de fuga para assaltos. Mesmo que pareça uma vida emocionante em um primeiro olhar, não demora a percebermos como a existência do protagonista é maçante, tediosa. Isso se altera a partir do momento em que ele se envolve com Irene, sua vizinha, e com o filho dela, Benicio.

O protagonista cria rapidamente um forte laço com os dois, que é perturbado pela chegada do marido de Irene, Gabriel. A partir desse momento, o que temos é um frenesi de violência e vingança que dá o tom dos dois terços finais da obra.

Drive passa longe de ser um filme original, isso é obvio. Os clichês de ação estão presentes durante a obra inteira, desde o bad-ass caladão até a dama em perigo, passando pelo mentor assassinado e por mafiosos sem escrúpulos ou profundidade. Ainda assim, a produção é extremamente marcante. Mas por que?

Em um cinema que cada vez mais se propõe a ser inventivo e original, se afastando – e muitas vezes até desprezando – o que se entende como “cinema comercial”, o filme de Refn vai pelo caminho contrário: ele abraça totalmente o seu lado comercial. E isso passa longe de ser algo ruim.

Durante diversas cenas da película, a impressão é de estar vendo um filme estereotipado, daqueles que aparecem dentro de outros filmes. A sequência inicial é extremamente padrão, com um motorista solitário na noite enquanto a trilha sonora de rock alternativo toca e o titulo em rosa neon surgindo em tela. Mas mesmo assim, é extremamente marcante.

A impressão que se dá, é que mesmo sem apresentar uma estrutura narrativa-técnica original, Refn tem um sucesso enorme na construção de seu filme por fazer tudo de maneira impecável. Em muitas formas, é como se Drive acertasse no tom de todos os aspectos que procura apresentar ao expectador: A violência é bastante gráfica e marcante, mas sem ser apelativa. As sequencias automobilísticas são excitantes, mas sem cair no padrão de “carro disparando em alta velocidade enquanto corta o trânsito”. Até os atos de vingança cometidos pelo protagonista são no tom certo, entregando satisfação pela “punição aos vilões”, mas mantendo uma certa “classe”.

Outro ponto a se ressaltar é a profundidade da relação entre o protagonista e Irene. Diferente do que se vê comumente no gênero, não há ênfase no aspecto sexual aqui. O filme não possuí cenas de sexo, e o contato mais próximo que o casal tem é a cena do beijo no elevador. Ainda que isso aparente um certo “puritanismo” do diretor, para mim a questão é um pouco mais complexa.

O motorista silencioso não se interessa por Irene por pura e simples atração. Claro, a atração está lá, mas não é o ponto principal. Ao meu ver, o que ele encontra na vizinha e no filho pequeno da mesma, é uma resposta para o vazio que ele sente em sua existência. Ele não sente somente desejo por Irene, ele se atrai majoritariamente pela sensação de afeto mutuo que se constrói naquela relação.

É possível entender isso a partir da análise da relação entre o protagonista e Gabriel, marido de Irene. No momento em que se conhecem, fica claro que há

um interesse compartilhado pelos dois em relação a mesma mulher. Uma situação como essa precederia um conflito em outras narrativas, mas não aqui. Em Drive, o que se tem é uma “aproximação” de ambos por causa de Irene. O protagonista tem os meios e a capacidade de afastar Gabriel da família, já que o mesmo os coloca em risco devido a seu passado. Essa ação, inclusive, seria mais interessante para o motorista silencioso, caso a sua motivação fosse de fato, simplesmente estabelecer uma relação com Irene. Mas não é esse o caso aqui.

O que o protagonista realmente deseja é o bem estar de Irene e de Benício, e a presença de Gabriel é importante para que esse objetivo seja alcançado. Benício provavelmente ama o pai (ainda que não haja um desenvolvimento disso na obra), e Irene, mesmo estando interessada no motorista silencioso, ainda sente afeto por Gabriel. Dessa forma, por se importar com ambos, o protagonista também passa a se preocupar com os problemas de Gabriel.

A cena dos quatro na mesa de jantar talvez simbolize melhor do que qualquer outra a natureza daquela relação. Enquanto todos os presentes na cena estão em uma convivência “feliz”, é possível perceber que o protagonista está satisfeito com aquela situação. Não há incomodo por não ser o par romântico de Irene naquele momento, já que Gabriel ainda é o marido dela, e nada aponta uma mudança desse cenário em um futuro ideal. Na verdade, o motorista silencioso se sente confortável em seu papel como “protetor”. Tudo o que ele quer, após anos de uma existência tediosa e maçante, é se sentir necessário e amado. Ele não quer fazer parte da vida de Irene por pura atração física. Ele quer pertencer e ter sua presença desejada naquele lugar.

Entretanto, quando há a possibilidade de permanecerem juntos, após todos os antagonistas serem derrotados, o motorista opta por seguir adiante e deixar Irene para trás. Por que? Bem, para mim, novamente há uma opção pelo bem estar dela e da criança. Entendo que nesse momento, após um ciclo de violência que se estabeleceu como consequência de uma aproximação afetiva, o protagonista entenda que a sua presença ao lado de Irene traria mais malefícios do que benefícios para a mesma. E dessa forma, decide se afastar.

De muitas formas, Drive é um filme simples, mas com nuances complexas. Ele é relativamente curto, com menos de duas horas de duração, mas bastante marcante. O expectador facilmente se insere dentro do enredo, ainda que talvez não entenda alguns aspectos narrativos presentes na produção. Não é uma obra de arte, mas facilmente se tornou um de meus filmes favoritos.

BEL-AIR

 

Helisa Jales Campos


Os reboots são nostálgicos, mas podem acrescentar ainda mais profundidade para a obra original. Na série Bel-air conhecemos a história de Will que mora na Filadélfia e acaba brigando com um traficante da área e vai morar com seus tios em um bairro rico de Los Angeles, chamado Bel-air. É surpreendente saber que esse reboot nasceu 30 anos depois por causa do trailer produzido por Morgan Cooper que era fã da série, e utilizou a premissa básica de como seria Um Maluco no Pedaço nos tempos atuais que troca as piadas para destacar o tom mais dramático dessa história.

As séries são parecidas e é difícil não comparar as duas, mas elas conseguem funcionar sozinhas. Além disso, os personagens, que em ambas as obras possuem os mesmos nomes, em seus problemas mais dramatizados e atualizados, como o personagem Carlton que no Maluco no pedaço tem o papel de alívio cômico e o primo rico e ingênuo, já na versão de 2022 o personagem é mais sombrio, isto é, ganha mais camadas, como o vício em drogas e o jeito que ele lida com o racismo na escola. Outro ponto positivo são os cenários grandiosos e modernos, a famosa mansão dos Banks não poderia ser mais luxuosa, assim como a caracterização dos personagens que é usada de uma forma bastante sutil, mas que dá um tom singular para cada um.

Por mais que Bel-air tenha surpreendido o público por tratar temas importantes com a história do “príncipe de Bel-air“ de uma maneira séria, ainda teve coisas que não me agradaram, visto que passa a sensação que tentaram usar várias coisas que ocorreram em 6 temporadas em uma única só, como a relação paternal do Tio Phil com Will que pareceu meio abrupta e a inexistência do relacionamento do Will com sua prima mais nova Ashley que foi meio esquecida na série. Sendo assim, mesmo com pontos negativos acredito que Bel-air conseguiu trazer algo novo para o universo da série e traz assuntos pertinentes para se refletir, além de deixar um final meio aberto para uma segunda temporada.