sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

a que horas ...

 ... ela volta?

MARIA CLARA DE MEDEIROS MORAIS

No longa-metragem brasileiro Que horas ela volta? lançado em 2015 e dirigido por Anna Muylaert, é apresentada a história de Val (Regina Casé), uma mulher que sai de Pernambuco em busca de melhores condições de vida para sua família e passa a trabalhar em São Paulo como babá e empregada doméstica para o casal Bárbara (Karine Teles) e Carlos (Lourenço Mutarelli), abastados moradores de um bairro nobre do Morumbi e pais de Fabinho (Michel Joelsas). A dinâmica da relação entre Val e seus patrões é estremecida após seus treze anos de serviço, quando Jéssica (Camila Márdila), sua filha, vem de Pernambuco na tentativa de ingressar na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), um dos mais concorridos vestibulares do país. A partir de então, desenvolve-se uma sequência de conflitos sociais, emocionais e psicológicos que exploram a tensão das relações de poder e submissão carregadas por esse núcleo de personagens.

A trama se vale de pequenos elementos que compõem o cotidiano da família de Bárbara e Carlos, que sustenta uma relação de dependência absoluta com sua funcionária - até mesmo para gestos mínimos, como levantar-se da mesa, ir até a geladeira, pegar uma lata de refrigerante e se servir. O filho do casal enxerga em Val uma figura materna, sentindo-se à vontade para trocar gestos de carinho e desabafar suas frustrações.

Tratada como “quase da família”, a personagem Val encontra-se integralmente a serviço doméstico, zelando pelo cuidado com Fabinho e pela manutenção da casa, dispondo apenas de um pequeno quarto em seus fundos, onde pode se recolher ao fim do dia. Apesar de apresentar uma boa composição na maior parte das cenas, há um certo retrato de exagero na personagem, especialmente em cenas de humor, levando em conta o estereótipo exótico incorporado aos nordestinos pela mídia brasileira.

De encontro à lógica de dominação, Jéssica almeja um lugar em uma das mais prestigiadas universidades públicas do Brasil, espaço em que até pouco tempo era completamente interditado a alguém de sua origem social. A personagem desafia os papéis sociais impostos a si, protagoniza comportamentos de ruptura com a ordem estabelecida e recusa-se a aceitar as normas de subordinação que já haviam sido incorporadas pela sua mãe.

Em Que horas ela volta? Anna Muylaert apresenta ao espectador duas fases distintas do processo de migração interna Nordeste-Sudeste: Val é a representação do imigrante colonizado, Jéssica representa o imigrante em processo de descolonização. A naturalização da condição de subalternidade vivenciada por Val é reflexo das estruturas remanescentes de uma sociedade escravocrata que perpetua relações de poder assimétricas que constituíram-se ao longo de uma história marcada pela dominação e exploração. Assim como Val, Jéssica não representa caso isolado, sua trajetória não deve ser confundida com uma narrativa meritocrática. A personagem interpretada por Camila Márdila representa uma categoria que é fruto das lutas sociais e de uma série de políticas públicas de inserção educacional e incentivo à região Nordeste, adotadas durante os anos 2000 no governo do Partido dos Trabalhadores.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

o fim do xxx mundo

 


“The End Of The F***ing World transcende o óbvio, mas paira na mesmice”

A temática mórbida, juvenil e de humor ácido cativa com as atuações, no entanto, o melodrama romântico acaba permeando um antro muito comum em obras audiovisuais.


João Augusto Pessoa


A série tem como base os quadrinhos de Charles S. Forsman, de mesmo nome, mas sem censuras. “The End Of The Fucking World”. A trama foca diretamente na vida de James, um jovem de 17 anos que acredita ser um psicopata, com grande prazer pelo mórbido e pelo desejo de matar. Sua coadjuvante e par romântico, Alyssa, é uma adoslecente rebelde, aquela típica personagem que é como um pavio, pronta para estourar a qualquer momento.

Os dois se conhecem por dois motivos. Alyssa se interessa romanticamente por James, o qual se interessa morbidamente pela garota, pois sua intenção é matá-la. Em primeiro momento, pois isso vai se dissolvendo ao longo da trama e transformando-se em mais uma paixão vendável de ficções televisivas.

A atuação, principalmente das protagonistas, é absurdamente envolvente, pois ela nos coloca sempre no agora da cena, com uma verossimilhança ímpar. Trazendo certo desconforto que a ação passa e nos envolvendo em um eterno clima de fuga. Pois durante a primeira temporada o casal se encontra sempre nesse escape de suas vidas, fugindo das encrencas em que se metem e que surgem repentinamente.

Já a segunda temporada é, certamente, menos emocionante, porém ao mesmo tempo muito resolutiva e surpreendente, assim como cativante por nos prender a trama com afinco, pois trás revelações e desdobramentos amplamente inesperados, relacionados principalmente a um assassinato em que os jovens se envolvem na primeira temporada.

Contudo, o melodrama romântico permeia lacunas narrativas que, a meu ver, poderiam ser preenchidas com outros respiros nessa história. Porém, fazendo um balanço geral a série é muito boa, deixa com aquele gostinho de quero mais, mas tem um ritmo e contexto geral muito satisfatório, por deixar tudo posto e explicado. Ainda mais com uma fotografia que permite a contemplação dos momentos, principalmente nos planos mais demorados e no mise-en-scène que permeia o roteiro em uma dança singular.

Com certeza, é uma experiência peculiar se deixar envolver por essa trama. Por mais estranha que pareça, é uma obra incrível e que não se corrói, trazendo sempre coerência nas surpresas e não deixando o ritmo chato.

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

wandinha

 


Miguel Gomes da Silva Neto 


Wandinha é a nova série da Netflix, spin off da Família Addams, lançada em 2022 com direção do Tim Burton nos quatro primeiros episódios e Gandja Monteiro e James Marshall nos quatro últimos. Com humor mórbido, estilização gótica e brilhante atuação da personagem principal feita pela atriz Jenna Ortega, a série vem ganhando bastante atenção de fãs no Brasil e no mundo. Wandinha ou Wednesday na versão em inglês nos apresenta um mundo onde após a filha mais velha da família Addams vingar-se de forma cruel de alguns garotos, jogando na piscina da escola dela piranhas para devorá-los, acaba tendo que ser transferida para a escola em que seus pais também estudaram, um internato chamado Nunca Mais. Aqui é interessante frisar que esse internato é destinado a crianças que possuem algumas habilidades distintas, são vampiros, lobisomens, sereias, górgonas e que eram retratados como monstros passivos de todo tipo de julgamento e preconceito proferidos por esses colonos. A escola foi justamente construída visando proteger essas pessoas, os “excluídos” dos peregrinos, que são fundamentalistas religiosos que praticam perseguições contra aqueles que eles veem como aberrações, e por isso infligem todo tipo de perseguição. 

É possível fazer até uma analogia entre os movimentos fundamentalistas de extrema direita e a forma como se apresenta essa perseguição das ditas “pessoas normais” para com os excluídos, através de um tom quase lovecraftiano de perseguição, onde quando antigamente eram fogueiras hoje se transforma em outras formas de violência sistêmica, um dos destaques dos primeiros episódios é justamente entre a tensão que existe entre a escola e os moradores locais.

Tim Burton é um diretor que uma das grandes cartadas dele é fazer nos entendermos através dos nossos medos, monstros internos, mas de uma forma doce, com uma certa ternura e assim mostrar a beleza e as qualidades do ser humano através daquilo que pode ser considerado como defeito, e isso mais uma vez aparece em Wandinha (a série e a personagem), pois é através das obsessões que a faz ser excluída dos demais é que ela pode exercer sua individualidade, seus sentimentos e ser excepcional para resolver esses crimes.

Nesse mundo reimaginado por Tim Burton existe um pouco de tudo daquilo que o consagrou como um grande diretor de filmes de temática sombria, o sarcasmo com as convenções sociais, o humor mórbido, a estilização gótica -dessa vez um pouco mais sóbria que os trabalhos anteriores dele, mas que funciona muito bem-, entretanto com um a mais: A atuação vibrante da Jenna Ortega junto do clima de mistério em torno dos assassinatos em série que ocorrem logo após ela chegar na escola faz com que o público vá se envolvendo cada vez mais com a história, no sentido de desconfiarmos a todo momento de quase todos os personagens. 

Entretanto após esses quatro primeiros episódios dirigidos por ele e com todas as bases da história prontas se perde um pouco do ritmo da história e ela toma alguns rumos questionáveis no sentido da forma como os personagens se relacionavam até então e o próprio ritmo da contação da história acaba perdendo esse ritmo mais fluido da primeira metade dos oito episódios, mas que mesmo assim não nos faz perder o gosto pela história que se segue.

O que vejo afinal é uma série que reúne muita coisa boa: Familia Addams, Tim Burton, atores afiados, literatura clássica, filosofias existencialistas, psicanalise, arte, humor, investigação, monstros bizarros, temáticas da juventude, assuntos relevantes e atuais e que funciona muito bem. A Netflix realmente faz uma aposta de risco, pois se trata de uma série aclamada, com diversos produtos audiovisuais já lançados, e a depender dessa aceitação do grande público. Por isso, talvez essa necessidade de mudar a direção e agradar diversos públicos diferentes, desde os fãs mais antigos até novas parcelas que nunca tiveram contato com a franquia. Contudo acho que podemos esperar por uma segunda temporada mais segura e sem precisar utilizar de alguns clichês, que mesmo bem utilizados no enredo e brincando com a nossa percepção e imprevisibilidade, ainda nos passa uma sensação de algo que precisou ser encaixado por questões mercadológicas.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

eu posso, viu?


 Mario Jardel Cunha Felipe

Eu posso te destruir. A minissérie criada por Michaela Coel traz em seu título esse aviso (ou ameaça) que brinca com os conceitos de poder e destruição. Quem são o sujeito e o objeto da oração? A protagonista? Seu agressor? Michaela? O público?

A coprodução BBC/HBO conta a história de Arabella, escritora de um best-seller que sofre para entregar seu segundo livro no prazo indicado. Numa noite ela decide sair com um amigo e no outro dia, têm flashbacks que a fazem pensar que ela foi sexualmente abusada. O piloto se sobressai ao não tratar Arabella como uma vítima definida pelo seu trauma. O episódio é sobre a vida dela: seu trabalho, suas amizades, seus relacionamentos; apenas na última cena é mostrado ao público um indicador do que de fato aconteceu, o que torna o momento ainda mais devastador. É uma vida interrompida.

Os episódios seguintes tratam de mostrar os primeiros passos após a descoberta de Arabella. A princípio, seu mecanismo de defesa a impede de reconhecer o que aconteceu. Bella não quer ser uma vítima. Seus amigos Terry e Kwame a ajudam a processar o acontecimento.

I May Destroy You aborda muitos pontos durante seus 12 episódios. Interseccionalidade, raça, gênero, classe, sexualidade, veganismo, mudanças climáticas, redes sociais; mas acredito que a série se centre em três temas: consentimento, poder, e a ideia de estar no controle.

Numa das melhores cenas da obra, após impulsivamente viajar para a Itália e invadir a casa de seu ex-namorado, Arabella anda em direção ao mar, sozinha, e se deixa cobrir pelas ondas. O mar é um símbolo para o poder que Bella carrega dentro dela, tanto para o bem quanto para o mal: a maior parte do nosso corpo é feita de água, mas a água também pode nos afogar. Somos feitos daquilo que pode nos destruir. Bella pode destruir ela mesma.

Os amigos de Arabella também ganham profundidade. Terry lida com a culpa de ter deixado a amiga de infância sozinha e tenta de toda forma trazer conforto à Bella, enquanto guarda para si um caso em que dois homens se aproveitaram sexualmente dela. Kwame é um jovem gay, confortável com sua sexualidade e que também é vítima de violência sexual durante a série. Através da história de Terry, Kwame e outros personagens a produção explora diferentes formas de violência, expandindo o entendimento cultural sobre consentimento, assédio e abuso sexual.

I May Destroy You também não se limita a mostrar Arabella como uma vítima perfeita. Em um dos episódio mais marcantes da obra, nos é mostrado um lado bastante desagradável de Bella, quando ela, corroída pelo trauma e apoiada por inúmeros seguidores nas redes sociais, abandona sua própria identidade, destrata seus melhores amigos e vira uma casca dela mesma, reduzida ao seu próprio trauma, o que a impede de olhar para si mesma e reconhecer seus defeitos.

Numa obra de inúmeros méritos como I May Destroy You, parece até fútil tentar apontar defeitos. A série possui alguns problemas de ritmo aqui e acolá: um acontecimento que não foi tão bem construído, arcos de personagens que terminaram de forma um tanto apressada. Mas é só isso. Nada que importe no esquema geral da série, principalmente porque Michaela guardou o melhor pro final.

Num último episódio transcendental, Michaela Coel brinca com as expectativas do público apresentando alguns finais possíveis para a história de Arabella. No primeiro, Bella, junto de Terry e outra amiga, se vinga do homem que abusou dela, o drogando e matando; no segundo, ao confrontar seu agressor, Bella começa a simpatizar com ele, antes dele ser levado pela polícia; e na terceira e mais onírica possibilidade, Arabella aborda seu abusador no mesmo bar em que o viu pela primeira vez, o leva para casa e transa com ele, numa posição dominante, e no controle da situação. Nenhum desses finais é o de Arabella de fato: no fim ela decide parar de visitar aquele bar. Bella encerra um ciclo de violência, tomando controle da sua própria narrativa.

No fim, I May Destroy You não é mais sobre destruição do que é sobre reconstrução. Muito mais que o trauma de Arabella, a série é sobre seu processo de cura. Assim, Michaela indica formas de lidarmos com nossos próprios traumas, para que não sejamos definidos por eles, e ganhemos controle das nossas próprias vidas.

domingo, 4 de dezembro de 2022

Dossiê CRIATIVIDADE



O aprendizado lúdico como um jogo entre o Eu e o Outro



Marcelo Bolshaw Gomes1



'Aprendizado' é a prática e produto de aquisição e assimilação de ganhos simbólicos nas relações entre Eu e Outro. Por 'simbólico' entendo não apenas o conhecimento mas também a sabedoria; não apenas a informação mas também a incorporação de habilidades e o desenvolvimento de competências. 'Simbólico' também representa visibilidade, status, prestígio. O que, de modo secundário, também se aplica a ideia de aprender, como resultado de nossas interações. O aprendizado simbólico é a aquisição de repertório e da prática de performance. O jogo ensina a saber perder e a saber ganhar, a saber se colocar no lugar do outro, seja do ponto de vista interpessoal ou do intercultural, o jogo ensina a capacidade de adaptação e de diálogo.

Porém, o brincar, o lúdico é anterior ao outro. Benjamin, Winnicott e outros falam da relação entre eu e brinquedo como uma preparação para o outro. Muitos pensadores de ensino tradicional consideram que o começo do aprendizado começa o letramento e as quatro operações, que a socialização da escola estabelece o final da zona de conforto infantil. O aprendizado torna-se sério e sem graça porque exige concentração contínua e disciplina corporal. Jogar é uma prática mista entre brincar e aprender.

E 'jogar a dois' (ou mais) é simular uma situação hipotética através de disputa simbólica. A socialização e a criatividade são estimuladas ao máximo pela dinâmica cooperação/competição. O que nos leva a pensar que o verdadeiro objetivo de jogar é desenvolver a criatividade.

Mas, o jogar também é uma prática de ganhos simbólicos em relações entre eu e outro. Nesse caso, não se trata de vencer o outro em uma competência específica, mas também de se colocar no lugar do outro, de aprender a se comportar diante dos ganhos e das perdas da vida. Para que exista a competição entre o eu e o outro, antes deve existir cooperação para pactuar regras. Assim, o jogo é cooperação e competição ao mesmo tempo. A teoria matemática dos jogos e Bourdieu são metodologias para pensar os atores sociais como jogadores, mas de forma descontextualizada, sem os cenários culturais que dão sentido a esse 'jogo social' das instituições.

Em nossa perspectiva, a pós-história ou pós-escrita está, através dos meios de comunicação, resgatando a ludicidade dos jogos anteriores à escrita e produziando a 'gamificação das relações sociais e das interações'. A gamificação acontece dentro das instituições quando o modelo do jogos passa a organizar outras práticas sociais. A gamificação do aprendizado faz parte de transformarmos nossas vidas em aventuras de risco. O aprendizado das relações dentre o eu e o outro está se configurando como uma Jornada existencial. Para alguns a jornada do herói; para outros, da heroína.

No âmbito da disciplina Oficina de Redação Criativa (COM0280) do curso de jornalismo da UFRN, estudamos as várias reflexões sobre o lúdico, os jogos e a gamificação. No semestre passado, lemos a coletânea organizada pela professora Lúcia Santannella sobre Gamificação. Nesse segundo semestre escolhemos fazer um seminário sobre os livros do prof. Marcos Nicolau sobre LUDOSOFIA e a tese de Tadeu Rodrigues Iuama: Ludocomunicação: um contraponto crítico-propositivo à gamification, observado a partir da participação em larps.

Além da apresentação dos trabalhos, os alunos redigiram individualmente textos criativos sobre suas leituras.


TEXTOS

AUTORES

JOQUEMPÔ: brincar, um estilo de vida

Marina Layssi de Souza Silva

O processo criativo na ludocomunicação

Ana Luiza S. Rosewarne

A criatividade e os jogos

Karen Edyanne

Ludoaprendizagem desplugada

Thaís Medeiros Fernandes

A arte de transformar a caixa

Marylia Sousa Sarmento

Joalison Andrade Rocha

Introdução à criatividade

Rayssa Cristina Coelho dos Santos

Gamificação

Antônio Marcos da Silva

Pedagogia neurocriativa

Jason Nascimento de Andrade Junior

Razão e Criatividade

Joana Mercedes Paino Ribeiro

Criatividade na vida

Ana Carla Lobo do Nascimento



Referências pesquisadas



IUAMA, Tadeu Rodrigues. Ludocomunicação: um contraponto crítico-propositivo à gamification, observado a partir da participação em larps. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Paulista, São Paulo, 2020.


NICOLAU, Marcos. Dezcaminhos para a criatividade. 2. ed. João Pessoa: Ideia, 2018a.

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Introdução à criatividade. 2. ed. João Pessoa: Ideia, 2018b.

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Ludosofia: a sabedoria dos jogos, 2ª ed. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2018bc.

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Razão e criatividade: tópicos para uma pedagogia neurocientífica. 3. ed. João Pessoa: Ideia, 2018d.

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Games e gamificação: práticas educacionais e perspectivas teóricas. João Pessoa: Ideia, 2019.

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Ludoaprendizagem desplugada: pensamento computacional com jogos de tabuleiro no ensino fundamental. João Pessoa: Ideia, 2021.


1Professor titular em Estudos da Mídia da UFRN.

JOQUEMPÔ

 


JOQUEMPÔ: brincar, um estilo de vida.

O papel amassa a pedra. A pedra quebra a tesoura. A tesoura corta o papel. Esse é um ciclo do jogo muito praticado na infância de muitos, o "joquempô", ou apenas, “pedra papel tesoura”. Essa brincadeira, marcante em gerações, marca ao mesmo tempo, os pequenos detalhes de uma vida.

Nessa vida, que é perceptível em pequenos instantes de ilusões (tempos, meses e anos), os jogos e brincadeiras nos ajudam a ir além desse mundo ilusório. O joquempô, por exemplo, mostra que apesar do papel ser cortado pela tesoura, pode embrulhar a pedra, e nesse vai e vem, se faz analogias com a vida humana. Por vezes, a ressignificação de um tema se aprende de maneira lúdica na infância, uma situação que machuca pode ser vista de uma maneira mais leve devido aos ensinamentos dos jogos e brincadeiras na fase inicial da vida. A pedra, pode quebrar e pode embrulhar, além de maneiras diferentes, podem se pôr em jogo as probabilidades de algo acontecer ou não, de conhecer pessoas e estratégias diferentes, a ação e reação leva a ausência e presença de frustrações que permitem um maior crescimento da mente humana.

E assim se formam as formas lúdicas de vida, com aprendizagem sobre os acertos e erros da vida, que quando se é criança, são apenas formas de brincar.

Marina Layssi de Souza Silva

criatividade na vida

 


CRIATIVIDADE: UM “DOM” DE NECESSIDADE


Ana Carla Lobo do Nascimento


Ao longo da história humana a criatividade se transfigurou com nomes e expressões diversas, tomando formas diferentes a cada novo contexto, cultura e sociedade. Como para os filósofos, a criatividade poderia surgir como uma ideia nova, ao longo dos anos dizia-se que quem a possuía eram figuras inteligentes, capazes de mudar o mundo com sua inovação.

Embora a criatividade possa se apresentar de tais formas, vê-se que ela afirma-se para além da máxima de que “a criatividade é um dom para poucos.’; ou então que ela seria uma dádiva concedida aos artistas e suas produções o ápice de seu exercício. Porém, como citou Fayga: “O vício de considerar que a criatividade só existe nas artes, deforma toda a realidade humana”.

Para analisarmos o modo que a criatividade se comporta usaremos de alguns artifícios: o texto “Introdução a criatividade” de Marcos Nicolau e dois longas-metragens: “Tick, Tick... Boom!”, de 2021 e “Perdido em Marte” de 2015.

Para Marcos Nicolau – e autores citados em seu texto –, a criatividade comporta-se quase como um mecanismo funcional, e muitas vezes de sobrevivência. Como, por exemplo, no filme “Perdido em Marte”, o protagonista Mark Watney se encontra longe de seu planeta – Terra –, sozinho em um local que em nada favorece sua sobrevivência e sem mantimentos. No entanto, em certo momento da narrativa ele descobre que com a plantação de batatas consegue se manter vivo em Marte até o seu resgate. A maneira que o protagonista achou de sobreviver no planeta, revela como a criatividade possui um instinto de “facilitação”, ou seja: em momentos de extrema necessidade, ela atua quase como uma força motora de solução de problemas.

Em “Tick, Tick…Boom!” O protagonista é um compositor que há anos convive com um bloqueio reativo, ele aguarda pelo dia em que sua criatividade irá “despertar” novamente e lhe entregar um novo musical, entretanto passa oito anos escrevendo-o, sem oportunidade para destacar-se em Nova York, com conflitos de um jovem adulto. Ele lida com a ideia de como lidar com o tempo que se tem.

Ambos os filmes revelam formas diferentes do comportamento da criatividade, mas das duas formas elas são vistas como um “dom” natural, que antecede o ser humano. O que se atribui a ela, é a maneira que é usada.

Ludosofia


 A criatividade e os jogos

Karen Edyanne 


Quando alguém procura por “criatividade” no dicionário, é comum encontrar, como primeira definição, “a qualidade ou característica de quem é criativo”, ou a explicação que define criatividade como uma inteligência para criar, inventar e inovar. Mas a criatividade pode ir muito além disso: ser criativo é entender a arte de transformar as coisas, de mudar e alcançar o que ainda não tinha sido alcançado, de achar outros caminhos para chegar em um fim. A criatividade não é só criar: é se encantar, se envolver e se colocar dentro dos processos de criação, seja ele uma história fictícia, a solução de um problema ou em brincadeiras, como propõe o livro “Ludosofia: a sabedoria dos jogos”, de Marcos Nicolau.

No jogo, a criatividade é quase como uma regra. É a partir dela que são criadas as brincadeiras, quando hábitos ou elementos da vida cotidiana são inseridos dentro dos jogos, como Marcos Nicolau apresenta ao falar da representação real do universo e das virtudes humanas inseridas nessas atividades. O jogo exige, também, uma espontaneidade criativa dos seus participantes. É importante que, no processo de jogar, para chegar ao objetivo estabelecido ou fazer o jogo acontecer, o jogador construa seu raciocínio com base na criatividade para desenvolvê-lo de um modo inovador.

Por outro lado, é com a criatividade que mestres e professores podem transformar experiências rotineiras e habituais em métodos mais simples e acessíveis para os alunos. Por meio de jogos, principalmente as crianças sentem-se motivadas, pois é com a brincadeira que o aspecto da diversão se torna mais vivo. O ato de brincar e envolver disciplinas do currículo escolar nessa atividade é, também, uma grande expressão de criatividade, promovendo o desenvolvimento criativo não só do professor, mas também dos alunos participantes.

O jogo é uma expressão da criatividade. Ele existe de modo que, conscientemente ou não, o jogador enfrente situações da vida real de modo fictício, contribuindo, assim, para o uso da criatividade em sua própria vida pessoal ou profissional, promovendo uma nova forma de lidar com situações cotidianas.

ludocomunicação

 


O papel do processo criativo dentro da ludocomunicação

Ana Luiza S. Rosewarne


Exercer a criatividade em qualquer vertente de expressão é uma tarefa que não se executa somente por inspiração. Se partíssemos desse princípio, profissionais que exercem carreiras cuja fonte principal do trabalho é a criatividade, como os jogos de live action role playings (larps) unidos à ludocomunicação, teriam um grande problema. Não é sempre que estamos inspirados. Existe um escritor, o qual o nome não me recordo, que disse a seguinte frase: “Os deuses nos dão 5 minutos de inspiração, as horas cabem a nós”. Ela sintetiza exatamente o funcionamento do processo criativo. O produto desse processo é fruto de uma dedicação para além de um simples insight.

Dentro do contexto dos larps, o exercício da criatividade é o ponto central para que o jogo aconteça. Seja por parte de seus criadores, seja por parte dos participantes e usuários dos jogos. A ludocomunicação, segundo Iuama (2020), é a arte do encontro que visa a utilização de dinâmicas lúdicas para promover a formação e manutenção de relações comunitárias. Ainda segundo Iuama (2020), os larps se configuram como uma arte participativa, podendo se assemelhar ao teatro e a performance. Ou seja, os dois conceitos são coexistentes, e ambos têm como base para que se realizem, a necessidade de praticar a criatividade.

A criação de um mundo diferente exige uma capacidade criativa muito bem elaborada. Entretanto, seja para quem cria ou para quem joga, essa capacidade pode ser desenvolvida e aprimorada com a prática. A leitura, o contato com outras culturas ou até mesmo referências de jogos já existentes, podem auxiliar os participantes a desenvolver a criatividade dentro dos seus ambientes de jogos, sem depender exclusivamente da inspiração.

Portanto, entender que não se pode depender desses momentos de súbitos de grandes ideias para aflorar a criatividade, é a chave principal para começar a buscar recursos que possam auxiliar o processo de criação de personagens, situações, narrativas e até mesmo as vestimentas utilizadas pelos personagens dentro dos larps, tornando-se assim um jogador cada vez mais excelente.

ludoaprendizagem

 

Resenha — Ludoaprendizagem desplugada: pensamento computacional com jogos de tabuleiro no ensino fundamental

Thaís Medeiros Fernandes

Escrito por Marcos Nicolau, “Ludoaprendizagem desplugada: pensamento computacional com jogos de tabuleiro no ensino fundamental” foi lançado em 2021, introduzindo um meio de inserir na aprendizagem a tecnologia, mas sem aparatos tecnológicos. O livro fala sobre o pensamento computacional, como induz o título, e a importância de seu conhecimento desde cedo, principalmente no que tem relação à capacidade de resolução de problemas.

Não há como negar o impacto das novas tecnologias no mercado de trabalho e mesmo em nosso dia a dia, então é de extrema importância que jovens tenham noções sobre elas. Mas, como no Brasil não são todas as escolas que têm acesso a computadores, outra forma de garantir essas aprendizagens necessárias trazida por Marcos Nicolau foi através de jogos de tabuleiro. Os dois parecem não ter muita relação, mas o livro nos mostra como esses jogos podem estimular processos cognitivos para o pensamento computacional, além de trazer 24 jogos super diferentes como exemplos.

Nicolau apresenta diversos conceitos sobre informática de uma maneira leve, inserindo a parte didática da obra com uma linguagem fácil de entender e acompanhar. Durante todo o livro, são mostrados jogos de tabuleiro de várias culturas e tempos históricos, incluindo até jogos criados pelos celtas milhares de anos atrás, que acompanham desenhos e em cada página o leitor encontra um diferente. Isso é essencial para a obra, pois deixa a leitura mais divertida e mais rápida também, além de facilitar a compreensão, aumentar a curiosidade e interesse e enriquecer o repertório cultural do leitor.

De forma geral, o livro realmente cumpre a proposta de mostrar como podemos inserir o pensamento computacional, algo tão tecnológico, de um jeito simples, sem precisar de computadores nem equipamentos super caros. O foco é na racionalidade da coisa, em como solucionar os problemas dos jogos que não dependem da sorte, mas sim do raciocínio e da lógica do jogador. Mas nos faz também refletir: jogos de sorte também não proporcionam isso?

Um jogo que tenha regras, que necessite do uso lógico, mas que também dependa da sorte de jogar um dado, por exemplo, me parece muito mais interessante. Afinal, se temos a má sorte de tirar um número baixo, temos que arranjar um meio de passar por cima dessa má sorte e solucionar o problema para ganharmos a partida, certo? Os jogos de tabuleiro apresentados são ótimos e há uma grande variedade deles, mas senti falta da incorporação dos jogos que dependem também do acaso, pois, na minha opinião, são os que mais estimulam processos cognitivos e promovem desafios, além de muito mais divertidos.

Fora da caixa?

Criatividade: 

A arte de transformar a caixa

Não é sobre pensar fora da caixa. É sobre executar fora da caixa. A criatividade tem mais a ver com transpiração do que com inspiração. Acredite, nem toda boa ideia surge do acaso ou em um acender da lâmpada, na verdade se trata de estratégias pessoais para se chegar em uma determinada solução ou conclusão. 

A criatividade está presente em todos os seres humanos, mas nem todos a utilizam. Ela é a capacidade de pensar por diferentes perspectivas e transformar o algo já existente - com a soma das suas experiências, em algo novo. O olhar atento consegue despertar a criatividade e repaginar ideias antigas de uma forma que pareçam inéditas e nunca pensadas antes. Logo, não é necessário criar algo do zero, para ser criativo. 

A pessoa criativa conecta as oportunidades com as necessidades. Ela entende que tudo pode ser melhor, reajustável e transformado, mas acima de tudo é uma pessoa que cria. Por exemplo, muitos têm ideias de negócios inovadores e serviços diferenciados, entretanto, nem todos tiram esses projetos do mundo das ideias. Os criativos são criadores e essa característica os diferencia. 

A criatividade é uma habilidade requisitada no mercado de trabalho, enxergar as oportunidades e entender como oferecer o produto ou serviço para os clientes, em especial, na era digital em que tudo é mais rápido. Nem todo mundo nasce com essa habilidade à flor da pele, mas é imprescindível que todos tenham em mente que é possível trabalhá-la e, assim, tirar o melhor proveito dela — independentemente da área de atuação.

Sejamos criativos.

Marylia Sousa Sarmento

Joalison Andrade Rocha

Introdução à Criatividade

 

INTRODUÇÃO À CRIATIVIDADE


Rayssa Cristina Coelho dos Santos


NICOLAU, Marcos. Introdução à criatividade. 2ª. Ed. João Pessoa (PB): Ideia, 2018.

A obra Introdução à Criatividade, autoria de Marcos Nicolau é composta pela introdução e 7 capítulos que apresentam questões relacionadas à criatividade e suas implicações sobre a inteligência e demais funções psicológicas. Nesta obra, o autor levanta várias concepções de criatividade fundamentadas em grandes autores, pesquisadores da Psicologia e da Educação. Elabora um texto cuja preocupação é desmistificar conceitos que permeiam o senso comum de que esta capacidade - criatividade - somente é encontrada em artistas e inventores.

A introdução procura apresentar aspectos históricos sobre a temática e o objetivo da obra que tem o propósito de fornecer aos alunos, professores e profissionais, uma introdução à criatividade e aos processos de criação, como também a participação dos educadores em suas práticas pedagógicas, visto que, é na educação que o ser humano se prepara para o exercício da cidadania desenvolvendo suas habilidades pessoais e profissionais.

Após a introdução, paulatinamente, constrói capítulos com temas atrativos pela sua atualidade e, também pela formatação diferente encontrada nos livros tradicionais. O primeiro capítulo “Um dom da natureza humana” foca o insight e invenções com as quais convivemos apresentando-as como um produto final resultado de um longo processo inventivo. Cita Leonardo da Vinci, como um grande inventor de quatro séculos passados com seus protótipos de helicóptero e submarino, que somente no século passado foram aperfeiçoados. Chama também a atenção para a roda que considera a maior invenção para a humanidade.

O segundo e o terceiro capítulos, com os títulos: “A sistematização da criatividade” e a “Fisiologia da criatividade”, o autor define criatividade como comportamento natural do ser humano, que flui a todo instante desde a situação mais simples às mais complicadas. Mostra que não é nada excepcional, faz parte da natureza humana; distingue instinto de intuição e ao contrário de muitos, afirma que a intuição é um dos mais importantes elementos cognitivos. Ao se reportar ao processo criativo traz a cultura como potencializadora da criatividade, pois a sua principal função é satisfazer as necessidades humanas. A fisiologia, busca conectar os dois hemisférios cerebrais, direito e esquerdo através do insight e sugere atividades que trabalhem os dois lados do cérebro, para tanto sugere o Brainstorm, tempestade de ideias, para encontrar soluções para uma dada questão. É um método, que pode ser trabalhado como uma dinâmica em vários espaços, especialmente o educacional. Interessante, o autor chama atenção para a rede neuronal, sua importância e a facilidade de restauração, desde que utilizado e a cada novo aprendizagem eles se renovam, daí a importância de ser trabalhado frequentemente.

Os capítulos 4 e 5 discutem a importância da educação criativa e a sensibilidade para a criação abordando aspectos polêmicos em relação a aprendizagem desenvolvida na escola porque, em alguns momentos pode ser obstáculos para a aprendizagem efetiva. A partir do autor, há uma revisão do conceito de inteligência e propõe novas formas de aprender, visto que os estudantes são diferentes na forma de pensar e aprender, daí os testes de inteligência que medem o Quociente Intelectual (QI) estão ultrapassados pelas novas concepções apresentadas no texto e que os educadores devem buscar novas formas de trabalhar usando sensibilidade, criatividade e observando as diferenças em suas salas de aula.

Na sequência, no Capítulo 6, “A mente em nossas mãos”, o autor trata da interação da mente e do cérebro resultando na complexidade da inteligência e dos processos de criação. O foco desconstrói a ideia de funções mentais fixas e imutáveis. O autor recorre a Vygotsky para afirmar que o cérebro tem plasticidade e seu funcionamento pode se adequar sempre às novas funções e exigências de vida.

As indicações de leituras, que dá título ao último capítulo é de extrema importância para o leitor desta obra alegre e atraente. A formatação do texto, que o torna menos formal. Os autores citados foram essenciais para buscarmos mais fundamentação sobre a temática da criatividade. Dentre os quais, foram contemplados: Fayga Ostrower, Stephen Nachmanovitch, Roberto Duailibi e Harry Simonsen Jr., David Lewis, Rudolf Arnheim, Edward de Bono, Betty Edwards, Keith Harary e Pamela Weintraub, Jung, Ângela Maria La Sala Batá, da Marilyn Ferguson,; Piaget, Lauro de Oliveira Lima, Gianni Rodari, Vygotsky, Marta Kohl de Oliveira, Jean-Pierre Changeux e Alain Connes, Karl R. Popper e John C. Eccles.

Ainda, continuando com as recomendações, o autor, chama a atenção para o ecletismo dos conteúdos necessários para um aprofundamento do tema. Portanto, suas considerações abrem possibilidades e fecha afirmando que a preparação profissional está em nossas próprias mãos.

A obra tem dessa forma uma importância impar por tratar de um tema pouco trabalhado na escola pelos educadores e por permitir que se enxergue outros caminhos e visões a respeito da criatividade ao contribuir com possibilidades para construção de um ensino e aprendizagem criativos.

Simonsen Jr., David Lewis, Rudolf Arnheim, Edward de Bono, Betty Edwards, Keith Harary e Pamela Weintraub, Jung, Ângela Maria La Sala Batá, da Marilyn Ferguson,; Piaget, Lauro de Oliveira Lima, Gianni Rodari, Vygotsky, Marta Kohl de Oliveira, Jean-Pierre Changeux e Alain Connes, Karl R. Popper e John C. Eccles.

Ainda, continuando com as recomendações, o autor, chama a atenção para o ecletismo dos conteúdos necessários para um aprofundamento do tema. Portanto, suas considerações abrem possibilidades e fecha afirmando que a preparação profissional está em nossas próprias mãos.

A obra tem dessa forma uma importância impar por tratar de um tema pouco trabalhado na escola pelos educadores e por permitir que se enxergue outros caminhos e visões a respeito da criatividade ao contribuir com possibilidades para construção de um ensino e aprendizagem criativos.

gamificação

LUDOCOMUNICAÇÃO E O SEU PROCESSO CRIATIVO

Antônio Marcos da Silva

Ao ler a tese de doutorado de Tadeu Rodrigues, que discute sobre a Ludocomunicação e a sua relação com a gamification (aplicação de elementos de um jogo em um contexto que não é de fato um jogo, usado com o objetivo de enriquecer esses contextos, influenciar no comportamento e incentivar resultados mais atrativos), nos leva a pensar sobre uma diferente perspectiva comunicacional a partir de uma prática lúdica. 

Para melhor compreensão, entende-se Comunicação, dentro do contexto social, como criadora de comunidades, companheirismo, de comum, mas também de vínculo. Destarte, observo este termo como talvez o de maior papel neste trabalho.

Fugindo do aspecto subjetivo, o jogo é sinônimo de brincar, e este permite a criatividade muito além de uma limitação ligada ao devaneio e a fantasia. Permite também a ousadia da descoberta e da experimentação do indivíduo sobre si mesmo e a percepção do outro quanto à ele. Tadeu diz que a criatividade para McGonigal (2012) se trata de uma maneira de atingir uma meta, sendo assim, ele troca o termo para inovação por achar mais adequado. E aqui, para ir em direção a seus pensamentos, faremos o mesmo, pois “é no brincar, e apenas no brincar, que a criança ou o adulto conseguem ser criativos e utilizar toda a sua personalidade” (WINNICOTT, 2019, p. 92-93).

Gostaria de tratar deste trabalho sobre a série Fleabag, um dos maiores sucessos de comédia dramática e um belíssimo exemplo do uso da criatividade e da personalidade que vão para além de uma personagem. Fleabag é uma série que aborda a complexidade narrativa, um modelo de storytelling que se opõe às formas convencionais que são características da TV estadunidense. Fleabag ganhou seis Emmys. A história se desenvolve nos dilemas da protagonista, de mesmo nome. Sua narrativa perpassa pelos sentimentos que alguém pode ter ao lidar com o luto, a solidão, expectativas de futuro, ideais de sucesso e relacionamentos amorosos.

Phoebe Waller-Bridge, autora e protagonista da série, nos transporta para a mente de uma mulher inteligente, sagaz, inquieta, sexual, engraçada, entre outros diversos adjetivos. Grande parte dessa trajetória acontece pelo grande destaque da série, além do roteiro e da escrita impecáveis: a quebra da quarta parede. Essa quebra não é algo recente em produções, mas o olhar de Fleabag para a câmera se tornou um grande ícone, e por meio deste a personagem dialoga com o público e transmite um sentimento, ao mesmo tempo que com apenas um olhar nos incentiva a criar camadas e camadas interpretativas sobre o que está acontecendo. Em determinado momento estas interações já nem são mais características da série, elas acontecem de forma natural. A personagem vira cúmplice do telespectador e nós viramos o da personagem, que há muito já se identificou diversas vezes com ela e as situações da sua vida.

Os diálogos rápidos e os olhares para a câmera despertam o sentimento de identificação do público com os personagens e os acontecimentos, como se ele mesmo estivesse passando por tudo aquilo. Por meio deste, Fleabag consegue nos fazer compreender seus sentimentos e pensamentos. É uma ligação que ela cria com a audiência no primeiro momento da série. E não poderia ser melhor.

Não apenas neste aspecto, mas só assistindo a série para entender melhor, Phoebe Waller-Bridge e/ou Fleabag consegue brincar com o público para gerar um vínculo que geralmente seria usado para nos tirar da posição de conforto, mas aqui, ao contrário, ele é o que proporciona esse sentimento.

Poderíamos dizer que esse é o ponto principal pelo qual a série fez e faz tanto sucesso ainda nos dias de hoje, mas tudo isso é um conjunto de processos chamativos capaz de fazer o espectador a interpretar sinais, a respondê-los, abrindo espaço para a ambiguidade, mistério, conclusões, e para a criatividade. Pois é a partir desta que se pauta o esforço analítico para o entendimento da história. Fleabag consegue em toda a narrativa promover diálogos que geram discussões e reflexões sobre questões de valores e ideologias importantes para a sociedade, e junto a ela, esse é um dos papéis da Ludocomunicação e da Comunicação como um todo.

pedagogia neurocriativa

 


Jason Nascimento de Andrade Junior


Em seu livro Razão e Criatividade, Marcos Nicolau dá vazão aos estudos do cérebro e seus comportamentos em relação à exercícios mentais que possam estimulá-lo, fossem os famosos testes de QI ou ainda jogos de tabuleiro como o xadrez. Tendo isso em mente foi possível traçar paralelo entre a ludosofia – desenvolvida tanto na leitura quanto em sala de aula nos últimos meses – e o TCG (Trading Card Games) que completa 3 décadas em 2023: Magic The Gathering.

Antes de dar prosseguimento à relação entre o jogo e a Criatividade, vale salientar a história do desenvolvimento dele: planejado numa garagem nos Estados Unidos por um grupo de jovens adultos recém-formados – dentre eles, alguns matemáticos –, a equipe por trás do que virá a ser a wizards of the coast como a conhecemos consistia de 10 funcionários que iam de faxineira até os designers de arte, alguns poucos dólares no bolso e uma ideia ousada de surfar na onda dos jogos de mesa como Dungeons and Dragons que, na época, já cultivava alguns fãs pelo país a fora.

E finalmente em 1993 as cartas, antes no imaginário do grupo de artistas, tomaram corpo e mais do que isso, se tornaram disponíveis ao público. O resultado não poderia ser outro e o sucesso não demorou a vir, novas edições começaram a ser impressas naquele mesmo ano e torneios foram organizados para oficializar a presença de Magic The Gathering no cenário competitivo nacional dos EUA.

Atualmente Magic conta com mais de 21 mil cartas diferentes umas das outras, uma variedade surpreendente de opções e possibilidades que lhe permitem traçar diferentes estratégias a fim de alcançar o seu objetivo: vencer a partida (ou se divertir, para os mais casuais).

Mas onde isso se encaixa com o livro escrito por Marcos Nicolau: Razão e Criatividade? 

Magic The Gathering é um jogo que incentiva seus jogadores a, como diz o ditado, pensarem fora da caixinha, afinal não basta ter a carta mais cara ou jogar com a estratégia mais forte para vencer, pois ela não existe num universo de 21 mil possibilidades, é preciso então fugir o pré-estabelecido, buscar formas sólidas de ganhar, isto é, antes mesmo de jogar, pois cabe à você decidir quais cartas usar, qual estratégia seguir e outros inúmeros fatores que aumentam a complexidade do jogo e exigem do seu jogador um maior nível de raciocínio, para que só aí, depois de algumas decisões tomadas, poder jogar frente à frente com seu adversário, o que exige uma nova série de decisões que precisam ser tomadas de ambos os lados, como numa partida de xadrez.

Razão e Criatividade

 

Joana Mercedes Paino Ribeiro


A obra Razão e Criatividade, de autoria do professor Marcos Nicolau, é uma exortação ao conhecimento referente ao processo da escrita, a partir de saberes que perpassam pela neurociência, bem como a neurolinguística. Descrevendo o caminho da criatividade até o produto final a ser pretendido com a escrita. 

O autor traz referências de culturas mais antigas, ao modo de como era o processo de criação nas escolas, perpassando o pensamento, através do que conhecemos, na atualidade, como a revolução da educação, através da visão psicológica frente aos alunos, percebendo, mais tarde, a neurociência, observando como o cérebro aprende, como também o modo em que a química cerebral reage aos estímulos de aprendizagem, compreendendo a importância dos sentidos e como a memória se relaciona no processo de aprendizagem e criação.

O autor aborda conhecimentos como a fisiologia do cérebro, as superações das adversidades e o desenvolvimento das habilidades, o que torna possível se dedicar a um determinado conhecimento ao ponto de se dar um retorno satisfatório no processo de criação. 

A partir da leitura realizada do livro, é percebido que o processo de criação poderá ser único para cada indivíduo, entretanto ele caminha por processos neuroquímicos semelhantes, apesar de que para algumas pessoas esse processo seja diverso, pois poderá caminhar por outros caminhos do cérebro ou ainda, será comprometido por questões sociais que dialogam com a subjetividade de cada indivíduo.

Jibaro

 


Kirllyan Souza


“Jibaro”, traduzido para português brasileiro como “Fazendeiro” (tradução que te faz ter que pesquisar na internet o que esses dois tem a ver), é o último episódio lançado até então da série “Love, Death & Robots”. Produção original Netflix de animação e antológica, com quase nenhuma continuação entre os episódios, fazendo com que tenhamos que nos adentrar a cada episódio em mundos completamente novos.

A série foi criada por Tim Miller e esse episódio em específico foi roteirizado e dirigido pelo espanhol Alberto Mielgo. É contada uma história sem diálogos, onde o contexto tem que ser retirado de nosso próprio conhecimento de mundo e imaginação. Um soldado de armadura sobrevivente de um “massacre” e a sereia, ou siren, coberta de ouro e pedras preciosas e que matou todos seus companheiros e que agora se interessa por aquele que não foi tentado por sua voz.

Começamos a narrativa seguindo quem acreditamos ser Jibaro, um soldado surdo e que faz parte de uma frota muito maior de indivíduos preparados para lutar, que não parecem pertencer a aquele contexto, de floresta, e que estão para se encontrarem com figuras religiosas. Isso é tudo que temos de início e, sinceramente, é suficiente.

Provavelmente se tratariam de colonos, fazendo reconhecimento de campo e tentando tirar o máximo que podem daquele local. Mesmo com isso colocando o protagonista numa situação a qual nos faria normalmente desgostar deles, damos o braço a torcer por levar em conta o que ele está a passar. Perdeu todos o que estavam viajando com ele, ficando apenas com a companhia dos cavalos e tendo que encontrar seu caminho de volta sem conseguir ouvir se algo está o espreitando. Nesse caso, a sereia.

Por causa da condição do protagonista e da solidão pela qual ele passa, não temos diálogos falados durante todo o percurso do curta, mas isso não faz falta para conseguirmos aproveitar o processo. As coreografias de dança, executadas principalmente pela sereia, são majestosas e seduzem o olhar. A trilha sonora é envolvente e te faz ficar alerta a todo momento, com medo do que possa vir a acontecer. A maneira como o diretor trabalhou o rosto dos personagens, que parecem semi-realistas, sempre nos fazendo focar em seus olhares e expressões faciais, faz com que fiquemos nos perguntando o que está passando pela cabeça deles a todo momento.

Tim Miller realmente conseguiu fazer algo especial, pois, a jornada dos dois personagens, é cativante e te faz ficar dividido sobre para quem você, o telespectador, deveria “torcer”. Não existe uma clara distinção entre o bem e o mal aqui e isso só deixa tudo mais interessante. É uma daquelas histórias que, mesmo você assistindo várias vezes, como eu mesmo fiz, sempre sai algo novo da experiência, e ele fica pregado na sua cabeça, como um sonho cheio de significados, mas que você nunca consegue explicar por completo.

A animação desse curta não tem nem o que se dizer sobre. É majestosa. Os cenários te fazem questionar se isso tudo não fora gravado em algum local de verdade de tão bem feitos que são. O design de personagens também é extremamente interessante, te fazendo querer saber mais sobre de onde eles vieram, como vivem e como eles são de verdade, quando não estão correndo perigo.

O ponto forte do roteiro sem dúvida nenhuma é a relação do soldado Jibaro com a sereia sem nome. Não fica claro de cara quais são as intenções de cada um, apenas pistas. Interesse e curiosidade, por parte da sereia. Ambição e desejo, por parte do soldado. O olhar que a sereia dá ao grupo no início da narrativa, antes que eles sejam capazes de fazer qualquer coisa. Assim como a atenção que o Jibaro deu à pedra preciosa que ele achara no rio. Aos poucos vai se montando o que esses dois realmente almejam. Enquanto não sabemos como nos sentir em relação a isso tudo.

O final é avassalador. Não quero entregar completamente a história, pois acredito que ela deva ser aproveitada devidamente para que seja retirado o máximo dela. São apenas 17 minutos e que valem muito a pena. Só digamos que, sem dúvida, ele tira você da sua zona de conforto. Depois da maneira que o soldado e a sereia se despedem, uma cena que sem dúvida pode chocar, temos o desfecho que se procede. A própria natureza se tratando de cuidar de tudo. Como lutar contra o próprio chão no qual você pisa? Contra a água que você bebe?

O final tem, realmente, um belo paralelo com o começo, que te faz sentir que talvez tenha entendido qual é a mensagem do curta. Sobre confiança, traição e amores enganosos. É possível que você veja tudo apenas como uma alegoria a colonização, principalmente levando-se em conta o contexto por de trás da produção, como a origem do nome Jibaro e a nacionalidade do criador do episódio, assim como é possível ver tudo isso como uma alegoria a relacionamentos tóxicos, fadados a destruição de ambas as partes.

O que importa de verdade é que, não importa a sua conclusão do que tudo isso realmente significa, é tudo lindíssimo. A animação é primorosa e o jeito que trabalham com som durante todo o percurso também é sublime. Assisti esse episódio mais de 3 vezes e pretendo continuar o revendo de tempos em tempos. Foi um dos que mais me marcou de toda a série e com certeza vale a pena conferir, não importa se você é fã de fantasia ou não.