quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Onde está o trabalho?


Mercado informal cresce no segundo trimestre de 2018

Por: Aécio de Oliveira Souza, Edvaldo Ferreira da Costa, Gilvanise Lourença de Oliveira, Manuela Ferreira de Lima e Marcelo Nascimento.

Francisco Jairo oferecendo seus produtos aos motoristas que trafegam pela BR 304, em Santa Maria, RN. Foto: Marcelo Nascimento.

Francisco Jairo da Silva, 35, é uma entre tantas pessoas que atualmente trabalham no mercado informal. Jairo já trabalhou formalmente, mas tinha que ficar longe da família. A distância e a saudade fizeram com que ele retornasse ao pequeno município de Santa Maria, no interior do Rio Grande do Norte, para trabalhar às margens da estrada que passa pela cidade.

      Assim como Jairo, milhões de brasileiros encontraram no trabalho informal uma maneira de manter a renda familiar. Uma prova disso são os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, realizada no segundo trimestre de 2018. Os dados apontam que no trimestre encerrado em setembro houve uma redução do desemprego e aumento da ocupação. No entanto, esse crescimento é decorrente de empregos sem carteira assinada e por conta própria. O resultado é positivo, mas voltado para a informalidade.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontavam, já em 2016, que o percentual da força de trabalho ativa que estava na informalidade era de 45%.  Em 2017, a Reforma Trabalhista sugeria que novas oportunidades de trabalho surgiriam, devido a desburocratização que seria feita. Contudo, segundo o dossiê “Informalidade: realidade e possibilidade”, elaborado pelo projeto Reconexão Periferias, da Fundação Perseu Abramo, a reforma trabalhista, aprovada em novembro de 2017, apenas impulsionou o surgimento de novas configurações de exploração do trabalho, sem criar novas vagas, como prometido.

Para Julia Rocha Araujo, doutora em Economia pela UFPE e professora do Departamento de Economia da UFRN, “diversos fatores levam as pessoas a procurarem o mercado informal. Dentre eles, pode-se destacar o fechamento de postos de trabalho formais em períodos de desaceleração econômica, criando um excedente de mão de obra, assim algumas pessoas buscam na informalidade os recursos que precisam para sobreviver. Além disso, há também casos de pessoas que preferem atuar na informalidade para fugir de questões burocráticas e/ou para não arcar com todos os tributos inerentes das atividades econômicas formais. Na informalidade, elas conseguem obter maior renda líquida”.

Para a economista, “a redução do desemprego dada pelo aumento dos empregos sem carteira assinada revela que as empresas que atuam no Brasil continuam apresentando um elevado grau de desconfiança quanto ao futuro da economia do país. Essa desconfiança inibe que os empresários realizem novos investimentos e aumentem a capacidade produtiva, demandando menos mão de obra.”

A professora esclarece ainda que “o profissional conta própria não é necessariamente informal. Atualmente, a definição de trabalhador informal ganhou força no debate econômico como aquele que não contribui para a Previdência Social. No entanto, caso os trabalhadores sem carteira assinada (como profissionais liberais) ou conta própria contribuam para o sistema da Previdência Social serão classificados como formais”.

Analisando a crescente informalidade e os possíveis impactos que ela pode gerar para o sistema previdenciário, é fato que, de qualquer forma os trabalhadores inseridos nesta modalidade de trabalho, em razão do desemprego, já não contribuíram. Dessa forma, a escassez de postos de trabalhos formais é o real vilão para o sistema previdenciário. “Esses trabalhadores poderiam voltar a contribuir a partir da retomada do crescimento econômico, com a criação de novos postos de trabalho formais”, enfatiza a professora.

Contudo, ainda segundo Julia Araujo, “temos uma situação diferente quando analisamos os trabalhadores que buscam a informalidade para não arcar com os custos e burocracias da formalidade. Esses trabalhadores deixam de contribuir para o sistema previdenciário por não relacionar a contribuição com benefícios futuros. Nos últimos meses, tal desconfiança foi potencializada devido a uma possível Reforma da Previdência”.

É neste cenário que encontram-se pessoas como Josias Hermínio da Silva, 23, um dos companheiros de Jairo, personagem que abriu esta matéria. José relata que “a vida às margens da estrada é difícil, mas é preciso enfrentar para adquirir o sustento da família”. Josias está no ramo informal acerca de um ano e com a venda de milho assado e cozido, castanhas, mel e água mineral, consegue uma renda de aproximadamente um salário mínimo por mês.

  

 Josias em seu ponto de vendas.
Foto: Marcelo Nascimento

Tanto Jairo como Josias relatam que a falta de emprego foi a principal causa deles terem procurado o mercado informal. Os vendedores afirmam que a atividade é bastante insalubre, uma vez que ficam expostos ao sol, à chuva, à poluição dos automóveis e o mais grave, o risco de atropelamento. “A gente trabalha aqui todos os dias, entre 10 e 12 horas, uns minutos de descanso nos ajudam a recuperar as forças”, relata Jairo.

Ainda é cedo para verificar se a Reforma Trabalhista contribuirá de algum modo para o aumento de postos formais no mercado. Hoje o que se pode constatar é que os trabalhadores têm buscado cada vez mais o mercado informal como uma maneira de sobrevivência, aceitando empregos precários como alternativa à falta de trabalhos formais e submetendo-se à condições até subumanas.



segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Estruturas machistas

As dificuldades de manter o futebol feminino no RN
Os obstáculos vão além da questão do gênero e comprometem a existência do futebol Norte-rio-grandense

Por: Alberto Ferreira, Andre Samora, Hogla Geovanna, Lucas Rodrigues, Maria Eduarda Macêdo e Rangel Alves


Seleção do Cruzeiro de Macaíba. (Foto cedida pela entrevistada)

O campeonato estadual de futebol feminino de 2018 começou no dia 15 de novembro e encerrará no dia 9 de dezembro. No entanto, as dificuldades para manter as mulheres no nesse esporte são persistentes.

O primeiro vestígio de futebol feminino no Rio Grande do Norte foi com a participação do ABC, na Copa do Brasil de 2007. A equipe foi eliminada pelo Tiradentes-PI, na segunda fase. Em 2008, o estado alcançou seu melhor resultado em uma competição nacional com a equipe do Parnamirim, que foi eliminado nas quartas de finais da Copa do Brasil. 

O futebol brasileiro não possibilita uma carreira estável para as mulheres. Elas não têm contratos a longo prazo, carteiras assinadas ou garantias mais concretas. Os pagamentos são apenas para ajuda de custos e essa é a realidade dos times potiguares. Em alguns casos, as atletas precisam tirar o dinheiro do próprio bolso para pagar as passagens até os treinamentos. As jogadoras não podem pensar apenas no futebol, elas necessitam ter outro trabalho que assegure seus gastos pessoais. 

“A falta de apoio ao esporte faz com que muitas vezes tenhamos que nos desdobrar para conseguir se manter neste ramo, principalmente no que diz respeito às questões financeiras.” problematiza a jogadora do Cruzeiro de Macaíba, Jéssica Natália, 21.



Jéssica Natália, durante o treinamento do Cruzeiro de Macaíba. (Foto cedida pela entrevistada)

Tendo em vista que a base de todos os obstáculos enfrentados pelos times femininos está na diferença de gênero e no preconceito, a atleta de 21 anos surge como exceção à regra.  “Creio que ao contrário de muitas meninas, tive mais pessoas que me apoiaram do que pessoas que julgaram como algo negativo, mas acredito que isso se deu pelo fato de as pessoas me conhecerem e saberem que sou apaixonada por esporte, nesse sentido, associavam mais o futebol ao esporte propriamente dito do que ao aspecto cultural de que futebol é coisa de homem.”

A Confederação Brasileira de Futebol, ao tentar dar oportunidades para estados que não têm representatividade, como o Rio Grande do Norte, criou em 2017 a segunda divisão do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino. Não logrando sucesso, o RN foi eliminado na primeira fase pelo São Gonçalo- CE.

A jogadora expõe sua visão sobre a falta jogos no ano “Outra dificuldade é manter-se sempre motivado, devido ao calendário de poucas competições. É difícil passar vários meses treinando com um intervalo de seis meses de uma competição para a outra. Portanto, acredito que as dificuldades sempre vão aparecer, sendo assim, somos campeãs por superar essas barreiras”.

Se a realidade nacional é essa, a situação do estadual é bem pior. Só há informações de cinco edições do campeonato potiguar. Em 2013 apenas duas equipes jogaram. E para piorar, em 2014 e em 2016 a competição não ocorreu. E, nesse ano, a Federação Norte-rio-grandense de Futebol (FNF) concedeu apenas três dias para as equipes realizarem as inscrições. Foram inscritos: o Cruzeiro de Macaíba, o Palmeiras das Rocas e o Parnamirim. Devido à estrutura precária de muitos estádios potiguares, o estádio Dr. José Jorge Maciel está sediando todos os jogos do campeonato deste ano.

Esse campeonato deveria servir para dar visibilidade para o futebol feminino no RN, entretanto, só serve para não deixar os times do estado inativos. Além disso, outro objetivo da competição é classificar o campeão para a segunda divisão do brasileiro. 

O potiguar sequer tem transmissões dos seus jogos, entretanto, há um projeto da Rádio Universitária 88.9 FM que pertence à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, denominado da Universidade do Esporte, que visa transmitir, no facebook, e dar notoriedade ao campeonato estadual. 

O treinador do Cruzeiro de Macaíba, Francisco Bernardes Filho, 43, relata com orgulho o seu trabalho na equipe e reclama de quem é contra o futebol feminino: “Quando ensinamos algo, esperamos que os nossos alunos/atletas possam reproduzir aquilo que treinamos e acredito que estamos no caminho certo. Não acho que as mulheres tenham que mostrar nada, pois o esporte é para todos. Quem pensa diferente deveria ir ao médico, pois deve ter algum distúrbio”.



Francisco Bernardes, treinador do Cruzeiro de Macaíba. (Foto cedida pelo entrevistado)

novo jornalismo


A importância da humanização no jornalismo
Por Cristiane Modesto, Isa Caroline, Júlio Marcel, Marcus Arboés, Pedro Maciel e Taís Ramos.

O repórter Caco Barcellos conta a história de um personagem - Ruan Rocha, que foi tatuado de maneira forçada após tentativa de furto - no programa Profissão Repórter (imagem: Divulgação/Globo)
O jornalismo hoje está totalmente atrelado às evoluções tecnológicas e, com isso, à praticidade. Para atender às exigências trazidas por essa informatização dos meios de comunicação, o jornalista acaba se prendendo ao tecnicismo, deixando de lado, por vezes, a criatividade e os sentimentos que compõem um jornalismo humanizado. Isso não é algo próprio da atualidade e tem sido enfrentado por profissionais da comunicação há muito tempo. Uma, dentre tantos, é a renomada professora e jornalista Cremilda Medina, que defende e luta por uma construção social dos sentidos do jornalista por meio do que a mesma chama de “diálogo possível”, que ocorre quando o jornalista dá voz a personagens anônimos que retratam diferentes realidades e pode ser proporcionada por intermédio dos perfis jornalísticos.
O perfil jornalístico é um gênero inserido no jornalismo literário, onde um personagem terá sua história contada por uma narrativa, liberto das padronizações exigidas pelos veículos de comunicação nas matérias noticiosas e afins.
Esse procedimento é defendido pelo jornalista Ricardo Kotscho no seu livro A prática da reportagem, o qual serve como base para muitos estudantes universitários da área. Na obra, o autor mostra como pequenas histórias podem aproximar o leitor do jornal por causa de uma identificação emocional, assim como dar o poder de voz para personagens anônimos pode ajudar um indivíduo. Isso pode ser visto quando, no livro, Kotscho ressalva seu sentimento, ao exemplificar um caso onde ele ajudou a tirar uma família da miséria: “embora não conste em nenhum manual [...] que o repórter tem, entre outras, a função de acabar com a fome, sempre é bom ajudar alguém com aquilo que a gente escreve” (2000, p. 67).
A frase acima representa a felicidade de Ylanna Pires, 19, estudante do curso de Jornalismo da UFRN, que apresentou um exemplo bem mais próximo a nós, de como o jornalismo pode contribuir com alguém por meio da sensibilidade da história de uma pessoa anônima, no caso, a ambulante Francinete de Macêdo, ou Fran, como a mesma prefere ser chamada.
Ylanna Pires, acadêmica em Jornalismo (foto: Marcus Arboes)
Na matéria publicada no Caderno de Pauta, Ylanna atenta ao detalhe da presença do neto de Fran, um garoto que ajudava a avó durante o dia com o seu trabalho e à tarde ia para a escola. Esse pequeno fato dentro do texto chamou a atenção de um leitor, que conseguiu uma vaga de jovem aprendiz no supermercado Atacadão para o neto de Francinete. Tal informação chegou até Ylanna da melhor maneira possível: um caloroso encontro com a ambulante, que estava com um sorriso incondicional estampado no rosto para agradecer, fazendo a estudante se deixar tomar pelos seus sentimentos sobre a profissão. “Faz 10 anos que eu quero isso para minha vida, mas ali com certeza foi um ponto definitivo para dizer: ‘cara, eu vou fazer isso aqui nem que eu ganhe cinco reais, eu vou fazer isso pelo resto da minha vida!’.”, conta a estudante.
O jornalismo pode ser tão surpreendente que, na mesma turma de Ylanna, está Aécio, um personagem pouco notado, mas que tem uma bela história para contar. Nada mais justo que trazer o relato de alguém que pode exemplificar tão bem o quanto o jornalismo pode aproximar o leitor com uma bela mensagem.
133 quilômetros
“É para sobreviver, eu estou indo para estudar aquilo que eu sempre sonhei”
Quando o relógio da pequena Tacima, no interior paraibano, toca às 6h30 da manhã, Aécio de Oliveira Sousa, 32, se levanta, pois, às 7h00 tem de estar na Secretaria de Educação para trabalhar, isso quando não está auxiliando na coordenação de uma das 14 escolas do município, onde ele encontra funcionários, alunos e ex-alunos (de quando era professor) que o tratam com muito carinho. Depois de cumprir a carga horária de seis horas, Aécio sai às 15h00 de Tacima e se locomove até Passa e Fica, cidade vizinha que fica a cerca de 7 quilômetros, após a fronteira com o Rio Grande do Norte. De lá, ele pega o transporte público e se aventura numa viagem de duas horas e meia para Natal, capital do RN. Ao chegar na Cidade do Sol, Aécio vai para a UFRN, onde estuda jornalismo, curso dos seus sonhos desde a infância, que tem feito valer a pena todo o percurso realizado diariamente. Após a aula ele repete o percurso e, para atravessar a fronteira estadual, precisa pegar uma moto às 00h30 para chegar em casa e se preparar para mais um dia.
Uma distância de 133 quilômetros que não o intimida, pois ele sabe que, apesar das dificuldades, tudo aquilo tem o seu valor. Essa valorização, o estudante aprendeu desde cedo, no ambiente familiar, como conta: “Meus pais, como não têm um grau de estudo maior, me deixaram claro desde criança que sempre tem alguém pior do que eu. Eu vou todo dia, eu tenho o que comer, eu tenho o que vestir, eu tenho um transporte pra ir para Natal”.
Quando questionado sobre tentar morar em Natal e o porquê de ir tão longe tendo outras possibilidades, Aécio explica que seu emprego como secretário da educação em Tacima é estável e que ele recebe bem, mas, como é um cargo comissionado, ele sabe que uma hora terá fim, por isso precisa correr atrás do seu sonho. Talvez fosse mais fácil ir para Campina Grande, que é mais próximo, mas o Estado não fornece transporte, o que atrapalharia todo o planejamento.
No entanto, o principal motivo para tentar uma universidade no Rio Grande do Norte eram as pessoas. Aécio já havia tentado o curso em uma universidade paraibana, mas acabou sendo muito mal recebido, sem falar que ele já era traumatizado com o individualismo e a ganância presente nas personalidades daqueles que conheceu na sua primeira graduação. São as pessoas a razão essencial para Aécio continuar lutando, por mais que sempre tenha sonhado com aquilo, pois, na sua atual turma, diferente do que esperava, ele encontrou uma grande diversidade de “sonhadores”, como ele gosta de chamar os colegas, que o fazem se sentir confortável no ambiente acadêmico e social.
“O maior incentivo é encontrar uma turma parceira, que se preocupa com você, com o ser humano, que incentiva a gente estar na aula, a estar bem e a produzir coisas boas. São pessoas que lhe ouvem, que param para ouvir pequenos detalhes da vida, não só a minha, mas a de todo mundo. Eu acho engraçado... eu me sinto importante na turma”, relata.
Se sentir importante era bem diferente do esperado, pois, como já dito, Aécio estava acostumado a lidar com a prepotência e, na sua fala, ele demonstra o sentimento na surpresa de ter sido completamente o inverso: “Em Tacima eu sou Aécio, já conhecido por várias coisas que faço. E no curso, na turma, eu sou Aécio, eu continuo sendo Aécio, a pessoa que pouco conversa durante a aula, mas interage com todo mundo. Fiquei totalmente feliz, porque eu consegui não ser apenas mais um no meio de uma multidão”.
Aécio de Oliveira Sousa, estudante de jornalismo e coordenador geral de educação do município de Tacima-PB (foto: Taís Ramos)

Pós Internet



Carros voadores ou robôs falantes? O que diria o profeta da comunicação sobre o futuro da era digital?


Por: Aldayr Ribeiro, Joana Mercedes, Manuela Araújo, Vinícius H. S. a.k.a. Winny Castell

Quando o primeiro homem foi à Lua e as pessoas presenciaram incrédulas à notícia em uma TV de imagem trêmula e áudio ruim, ninguém pensou em escrever sua opinião no twitter ou que essa mesma mensagem pudesse chegar até Neil Armstrong, o astronauta em questão. As distâncias entre os países do globo pareciam ser longas demais, quem dirá da Terra até a Lua. É por isso que naquela data, julho de 1969, a humanidade não podia prever mudanças ainda mais extraordinárias do que ir ao espaço, tal como a realidade virtual. Marshall McLuhan (1911-1980), canadense teórico da comunicação, foi quem chegou mais perto de prever um futuro no qual distância alguma fosse longe demais para nós.

Quase 30 anos antes da web modificar por completo o comportamento humano, o teórico já previa algo similar à rede. Dizia: “Não existem passageiros na espaçonave Terra, somos todos tripulantes” e com essa ideia firmava a tese de que a responsabilidade pelas modificações do mundo cabe a todos e que por isso a comunicação é o ator fundamental de nossas relações. Somente com o aperfeiçoamento do viés comunicativo seria possível ocorrer avanços nas sociedades do mundo. Em seus estudos, postulou ainda conceitos sobre os meios de comunicação e acabou por classifica-los em “quentes e frios”, a depender da forma como se relacionavam com o público. Para ele, os quentes são os meios que não exigem elevado grau de participação do receptor para a compreensão da mensagem, enquanto os frios suscitam mais de um sentido do corpo humano, além da percepção de cada indivíduo para a construção completa da mensagem. 

Essas noções podiam ser consideradas no ano de 1964, data em que foram teorizadas pelo autor, mas, hoje, os meios e as sociedades se modificaram, tornando tais classificações inconsistentes. Ainda assim, a importância de McLuhan se dá nos estudos teóricos da comunicação, levando em conta a forma como o pensador não se iludiu que suas teses eram mais que um retrato de um momento e que cinema, rádio e TV estariam caminhando para algo novo.... No todo, ele sempre apostou na evolução, não apenas dos meios, mas das sociedades através destes.  É por isso que apesar de difícil, ainda no início do século XX, se pensar a internet e os inúmeros avanços tecnológicos a partir dela, não se fez impossível para McLuhan vislumbrar e criar o conceito chave que melhor descreve o papel da internet na contemporaneidade. Em 1962, ele cunhou o termo “aldeia global” para designar a interação que conhecemos hoje entre pessoas de diversas culturas em diferentes países, através da rede mundial de computadores. A exemplo concreto desta ideia está o Facebook que, por sua vez, surgiu apenas em 2004. 
O pensador canadense Marshall McLuhan (imagem retirada do Google)

Mas o que será que esse “profeta da comunicação” diria se vivesse nos dias atuais? Ao se deparar com a TV interativa, o Xbox, as inúmeras redes sociais, as rádios online e os portais de notícia? O que pensaria quando evidenciasse que grande parcela dos relacionamentos se iniciam após uma reação em foto e que ao invés de pedirem informação na rua todos usam o google maps? Seria então capaz de prever um futuro ainda mais inimaginável? Para além de carros voadores e robôs falantes?

Para Andrezza Tavares, professora do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, psicóloga e comunicadora, além de historiadora e crítica da arte, “a internet é uma tendência, um caminho sem volta”. Tal como MacLuhan ela também aposta em inovações que sempre modifiquem os meios anteriores, mas adverte: “pode ser uma moeda de dupla face”, ao constatar que apesar dos avanços tecnológicos, não necessariamente todas as mudanças são positivas. Assim como o teórico atentava para as “sociedades frias e quentes” em contato com “meios frios e quentes”, a educadora também destaca fatores sociais que necessitam ser trabalhados em um mundo que adentra na era virtual cada vez mais depressa, “as pessoas que dispõem de acesso ao suporte de Internet passam a ganhar níveis de inclusão social e cultural muito acima de pessoas que não o têm” ressalta. 
Andrezza Tavares em seu gabinete (Foto: Aldayr Cordeiro)

Já Enoleide Farias, jornalista no estado do Rio Grande do Norte, atenta para a modificação no papel do profissional da notícia. Critica a forma como as redes sociais facilitaram a divulgação de conteúdo de má qualidade e de notícias falsas, dispensando a ética que é essencial na comunicação. “A rede é ocupada por pessoas que não possuem uma formação ética para a divulgação das notícias, que se acham no direito de publicarem informações, agindo como se fossem profissionais” opina. Sua ressalva é ao despreparo da sociedade frente a tantas informações diárias. Mas Farias não é a única a pensar dessa maneira, pois, apesar da internet possuir seus avanços, também é alvo de críticas no que diz respeito a sua condução.  Bettina Rupp, Doutora em História e professora na Ufrn, ressalta que “as pessoas estão mais instantâneas” ao propor uma análise das reações online que são imediatistas e que tal noção é transposta para o mundo concreto. Frisa que a maneira de as pessoas se relacionarem se modificou com a chegada dos avanços na comunicação. 

Enoleide Farias em seu gabinete (Foto: Winny Castell)

Contudo, tais julgamentos estão relacionados a condução dessa tecnologia, não a um pedido de retrocesso. O mundo hoje necessita da internet tanto quanto os mensageiros romanos necessitavam de seus cavalos antes de Cristo. A humanidade sempre buscou aperfeiçoar ferramentas para a troca de mensagens, para a comunicação. Hoje, essa ferramenta possibilita o diálogo de forma imediata e um bombardeio de informações diariamente. A sociologia analisa e se preocupa, a medicina estuda, a engenharia inova e todas as áreas tentam adivinhar um futuro de infinitas possibilidades. É complexo tentar imaginar qual será a próxima grande rede social ou se os carros de fato irão voar. Eis que Marshall McLuhan previu um dia em que seria difícil demais prever adiante, pois, em uma era instantânea onde todos querem se surpreender a todo momento, o principal trend topic é: qual será o próximo grande passo para a humanidade?  


Cena de Black Mirror, série de ficção científica que reflete sobre a era virtual (retirada do Google)

domingo, 25 de novembro de 2018

Escola sem partido

Escola, sem partido ou sem opinião?


Por Cleciane Vieira, Friedda Santos, Herbert Luiz, Tony Lucas e Victória Alves




Muito se foi e ainda se é discutido sobre o Projeto Escola sem Partido, mas do que se trata? O projeto de lei Escola Sem Partido (PL 7180/14) teve sua criação em 2004 e foi transformado em associação em 2015 por Miguel Nagib, Procurador do Estado de São Paulo que criou, coordena e divulga o movimento. 

O projeto avançou ultimamente na Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira (22), mas a votação acabou sendo novamente adiada. E como sempre acontece, tiveram diversos tumultos durante a pauta desse movimento. O projeto tem como finalidade impor regras ideológicas aos professores, restringindo os alunos a compreender abertamente certos temas que são estudados em sala. 

Com isso, representantes de entidades educacionais estrangeiras se mobilizaram para assinar uma moção contra a censura a professores brasileiros. A assinatura do documento foi proposta pela Campanha latino-americana pelo Direito à Educação (Clade), e realizado nos dias 16 e 18 em Katmandu (Nepal) durante a 6ª Assembleia Mundial da Campanha Global pela Educação.

Sérgio Roberto Botelho Miranda, professor de história da rede de ensino do estado, acha que a proposta do governo é, no mínimo, tendenciosa. 

“Essa proposta da escola sem partido está alinhada ao que vem acontecendo nos últimos anos. O processo de investigação contra corrupção no país está esclarecendo para muitas pessoas as práticas políticas. Não por acaso, há poucos anos surgiu essa história da escola sem partido, o que dá impressão que eles querem tosar informações a respeito da sociedade, de grupos empresariais e grupos políticos que nós tratamos de política de sociedade nas disciplinas de humanas, como história, geografia, sociologia e filosofia. Então eu vejo com muito temor a ideia da escola sem partido. Vejo como uma ação antidemocrática e que compromete profundamente o processo de crescimento social-cultural e de ensino do país.”

Em uma tentativa mascarada de limitar o pensamento crítico da população, o Projeto Escola Sem Partido tenta impedir que os professores façam seus alunos refletirem sobre a realidade e banaliza a ideia de transformação social, papel fundamental da educação.

Afastar pensadores como Paulo Freire e Anísio Teixeira, porquê defendem uma escola que busca a autonomia dos educandos e a luta pela liberdade de expressão, é um modelo educacional abominado em vários países do mundo.
“Sou contra o projeto Escola sem partido, pois ele só serve para intimidar os professores em sala de aula. E penso que a intenção do projeto acaba sendo, forçar o professor a não realizar mais discussões de nenhum tipo em sala, gerando a predominância de ideologias conservadoras”, diz a Assistente Social, Rayane Souza, 33 anos.

“Crianças e adolescentes precisam sim discutir assuntos tão importantes, como sexualidade e política na escola, até por que ela possui um papel importantíssimo na formação dos mesmos. Então sou contra o programa, pois essas crianças e adolescentes serão protagonistas da nossa sociedade nos próximos anos e precisam ter posições firmes sobre essas questões para constituir um país mais justo” opina a estagiária, Branaline Viana, 22 anos.

Ao que parece, não somente educadores e profissionais da educação são contrários ao “Escola sem Partido”, mas outros profissionais que integram a sociedade brasileira não concordam com as propostas apresentadas pelo projeto de lei 7180/14. Talvez os formuladores do programa que visa modificar a legislação concernente à educação brasileira precisem conhecer mais a fundo os reais interesses da maioria da população de seu país.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Moda-periferia

Um novo olhar sobre o mundo fashion

Alunos: JOSE DE SOUZA GOMES FILHO, LUCIA DE FATIMA SANTOS DE OLIVEIRA, MARCOS VINICIUS FERREIRA RAMOS, ODAIR FERREIRA DE LIMA JUNIOR, SULLA DEDORA OVIDIO MIRANDA
Turma: 
COM0202 - 
HISTÓRIA E TEORIAS DA COMUNICAÇÃO
 
- T01 (2018.2 -
24N34) 
Curso: JORNALISMO

Há muito tempo, o mundo da moda era restrito a certas classes sociais. Com o passar dos anos, ainda que o caráter elitizado persista nesse ambiente, grupos que antes eram excluídos, passaram a integrar esse campo, dando mais estilo e diversidade às passarelas. Nesse sentido, vários estereótipos foram sendo, gradativamente, desconstruídos e, atualmente, a moda de rua ganha seu espaço. No cenário potiguar, Anauá Lima, 25, designer de moda, e Rafaela Fagundes, 25, designer de moda e produtora cultural, apresentam suas concepções sobre moda de periferia e como esse conceito se apresenta na sociedade.

Anauá Lima afirma que “a moda de periferia tem muita liberdade, não é tão recatada como em outros aspectos”. Além disso, é imprescindível reconhecer que a o papel da mídia na tentativa de dar maior representatividade a esses estilos, ainda tem sido gradativo. Nos dias de hoje, os meios de comunicação já explanam sobre a moda de periferia e ajudam na mudança de visão das pessoas do que vem a ser o termo periferia. Anauá admite que apesar disso, a moda de rua “existe e resiste” há muito tempo. A designer diz que “enquanto que a gente não se via, muitas vezes, na mídia massificadora, a gente conseguia criar nossos próprios meio de comunicação”.

Anauá Lima (foto: Odair Júnior)
Segundo Rafaela Fagundes, a concepção do que é moda tem mudado com o passar dos anos. “Antigamente, se passava nas academias o ritual de que a moda era ditada pelas grandes revistas, magazines, desfiles, blogs e etc”, diz Rafaela. Para a designer, a mídia em geral, sempre ditou uma certa a regra sobre o que era ou não moda, e, assim, também a desconfigurou. Isso acabou se tornando uma imposição midiática e provocou uma disseminação de que moda era apenas glamour. No entanto, Rafaela também considera que com o avanço tecnológico, esse processo, mesmo aos poucos, está sendo “ressignificado”, pois, para ela, as visões sobre “comunicação e moda” estão sendo vistas de outras formas as quais apresentam a moda como um fator que não exige padrões.

Rafaela Fagundes (foto: Marcos Vinícius)
Rafaela também acredita que a moda de periferia está “no ponto principal, quando se fala de estética, identidade, cultura, empoderamento, corpo, beleza da mulher negra”. Para ela, é nesse contexto que a moda como um todo junto ao seu público, buscam nas ruas uma forma de diversificar os estilos. “A moda surge muito mais, hoje, nas subculturas e isso vai se desencadeando. As pessoas se olham e se veem como referência” diz Rafaela e acrescenta “a comunicação serve para esse tipo de mudança”. A designer também acredita que os estilos estão cada vez mais voltados para questões sociais e culturas subversivas, fato que promove positivamente esses tipos de manifestações culturais. É dessa forma que, segundo a designer, “a moda se reinventa”, uma vez que a moda de periferia trabalha com o aspecto social, objetivando compreender questões como modo de vida, cultura e as estéticas da população que está inserida na periferia. Assim, a moda de rua ganha voz própria e forças para se destacar cada dia mais.
 
A moda de periferia criou uma linguagem própria de expressão. As várias partes do mundo são atingidas por esse novo estilo que não considera primordial a existência de grifes. Cores vivas, quentes e tons vibrantes são características marcantes de quem faz moda de periferia. Essas pessoas apresentam seu modo de vida por meio da roupa e buscam expandir as fronteiras da moda.

Anauá Lima representando o estilo da periferia (foto: Odair Júnior)
Trazendo essa perspectiva para Natal/RN, Anauá Lima fala que “Natal ainda é muito normativa, o que dificulta o acesso de evolução pra esse tipo de comportamento”, no entanto, a designer de moda que vive em uma periferia da capital potiguar percebe que ainda que esse tipo de estilo não tenha tanta representatividade na cidade, há fatores que a fazem ser vista e reconhecida de um modo que seja valorizada. “As pessoas fazem eventos, marcha da periferia, esse tipo de coisa e nesses tipos de espaços de resistência, essas criações são super respeitadas, valorizadas e admiradas”, diz Anauá.

É a partir de movimentos como marchas e apresentações desse estilo que muitas pessoas passam a despertar interesse pela moda de periferia. Nesses eventos, a diversidade de roupas, acessórios e cabelos, por exemplo, são essenciais para a formação de um ambiente inclusivo. Por meio de ações como essa, muitas mulheres, principalmente, passaram a ver seus próprios cabelos como um elemento formador de estilo. “A gente vê que nosso cabelo é bonito, a gente vê que há uma inspiração em determinada referência de que ‘negritude é bonita’”, afirma Anauá. Logo, a moda de periferia também atinge um caráter social que objetiva a redefinição do conceito restritivo de moda que ainda persiste na sociedade. Mesmo assim, para Anauá, Natal ainda está longe de promover isso completamente, a designer fala que a cidade “ainda não dá essa liberdade” para seus habitantes, mas ainda assim, “a resistência ‘tá’ aí e vai continuar existindo”.

 Rafaela Fagundes e a moda de periferia (foto: Marcos Vinícius)
Acerca da capital potiguar, Rafaela Fagundes afirma que “a cultura e a sociedade de Natal é muito provinciana”. Segundo a produtora cultural, a população natalense não encara positivamente a estética presente nas periferias da capital. A cidade, para ela, ainda não enxerga a representatividade que a moda de periferia possui nas ruas potiguares e vê nisso um problema. “O RN em si é um estado [...] em que há muito preconceito [...] a gente mora numa cidade muito patriarcal, em relação a isso”, diz Rafaela. A designer percebe que muitas pessoas veem a “identidade forte” da periferia com apreço, no entanto, essa parcela não corresponde ao todo da sociedade. “Enquanto não houver comunicação verbal e não verbal voltada para questões de imagem”, a moda de periferia não será devidamente reconhecida, finaliza Rafaela.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Resistência trans em Natal

Histórias e representatividade

Relatos de personagens que lutam, todos os dias, para terem suas identidades reconhecidas e aceitas perante o meio acadêmico e a sociedade.

Por: Ana Flávia Amorim; Ana Luiza Vila Nova; Ana Paula Matos; Rayane Fernandes; Walber Gomes; Yasmin Alves; Yasmin Cunha; Ylanna Pires.

De acordo com dados da ONG Transgender Europe (TGEU), o Brasil lidera pelo segundo ano consecutivo o ranking de assassinatos contra pessoas transgêneros e travestis. A pesquisa aponta que houve 167 mortes entre outubro de 2017 e setembro deste ano, números estes, que podem ser maiores devido a dificuldade de contabilização dos crimes motivados por transfobia, ou do reconhecimento da identidade de gênero das vítimas, pelos órgãos responsáveis.  Em homenagem a essas pessoas, o dia 20 de novembro é lembrado como o Dia Internacional da Memória Trans, em prol da visibilidade e da luta pela representatividade.

O mesmo relatório, apresentado pela TGEU, relaciona os casos de violência à vulnerabilidade social, resultante da falta de oportunidades no mercado de trabalho e da marginalização sofrida por essa parcela da sociedade, onde mais de 90% veem na prostituição a única saída viável para sua sobrevivência. É muito comum a gente ver pessoas trans somente na prostituição ou em trabalhos que nem são de carteira assinada, como cabelereiras, manicures... sempre no campo da beleza, que são os que não tem acesso aos direitos sociais. São trabalhos que não estão nem no mercado formal nem no campo da educação.” afirma Janaina Lima, jornalista formada pela UFRN e editora do jornal Brasil de Fato (RN) que é exceção a realidade citada e exemplo da luta trans no ambiente acadêmico.
Janaina Lima, 26, editora e assessora de comunicação. (Foto: Ana Luiza Vila Nova)

No que diz respeito ao ativismo e a organização de movimentos sociais, ela entende que a questão LGBTQ+ é transversal, logo deve ser premissa de qualquer militante ou partido. Quando questionada sobre a representatividade trans em Natal, Janaina relata experiências positivas com duas organizações feitas por pessoas transexuais e travestis, que se construíram ao longo da história e hoje fazem a luta e representam: a Atrevida e A Transparência. “A gente sonha com uma sociedade onde possamos ser iguais a todo mundo e que uma conquista básica não seja uma vanglória ou um grande desafio”, finaliza a jornalista.

Leilane presente!

Leilane Assunção, historiadora e ativista, foi pioneira da representação trans no meio acadêmico, sendo a primeira doutora e professora universitária transgênero do país. Além de ter uma forte atuação nos movimentos sociais pelos direitos LGBTQ+ e pela descriminalização das drogas, era também uma das coordenadoras do Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE) e colaborou na formulação da cartilha trans do governo do Rio Grande do Norte.
A historiadora permaneceu na UFRN de 2013 até seu desligamento em 2017, sempre como docente substituta, e em diversas ocasiões fez denúncias sobre o preconceito ser o motivador de suas reprovações em concursos ou em bolsas de doutorado ou de pesquisas. Com o afastamento imposto pelo término do contrato com a Universidade, o histórico de boicotes e as dificuldades financeiras, a historiadora sofreu de depressão e anorexia, seguido por uma pneumonia e por uma infecção, que a levou a óbito, no último dia 13.
Leilane e sua luta são símbolos de resistência por muitos educadores que seguiram e seguirão seus caminhos, em busca de visibilidade e igualdade de oportunidades.
Leilane Assunção recebendo o Prêmio Direitos Humanos 2011, na categoria Igualdade de Gênero, representando a Doutora Berenice Bento. (Foto: Roberto Stuckert Filho)
Para Bernardo Candeia, a busca pelo reconhecimento de identidade tornou-se sinônimo de otimismo. Com pouco mais de cinco meses, ele vem vivenciando um processo de autoconhecimento, “é muito incrível, cada dia descubro um negócio diferente”, diz com um sorriso no rosto. Apesar das primeiras reações da família terem sido negativas, o fotógrafo não se deixou abalar. Enquanto persistia na busca em se entender melhor, o rapaz teve apoio de uma amiga próxima em seus momentos de angústia no início de sua transição, o que o motivou a buscar mais sobre a questão transgênero.
Bernardo Candeia, 20, fotógrafo. (Foto: Ana Luiza Vila Nova)
Seguido do processo de auto aceitação, Bernardo deu início a outra luta: o seu reconhecimento como homem perante a sociedade. O uso do pronome masculino é uma das conquistas citada pelo jovem, “a questão de pronome conta muito, quando as pessoas começaram a me tratar no masculino eu fiquei ‘caramba, que paz na minha alma’”. E ainda que enfrente preconceitos o seu caráter otimista faz com que ele lide com situações desconfortáveis da melhor maneira possível. Conviver com pessoas que possuem lutas semelhantes a sua vem lhe ajudando a progredir. “Espero que essa vitória seja em vida”, conta ao falar sobre as suas expectativas diante do futuro. Sempre olhando pelo lado positivo, Bernardo tem ambição por viver, mesmo que existam momentos difíceis.

“Eu quero essa forma pra mim, todos os dias!”, diz Haria Bruna, estudante do curso de artes visuais da UFRN, que começou a transpor as barreiras do binarismo de gênero ao se entender como uma pessoa andrógena e, posteriormente, explorar a expressão artística drag queen. Contudo, não tardou para que ela entendesse que a forma feminina não era algo eventual em sua vida, mas, sim, parte definitiva de sua identidade de gênero. Assim, ao se entender mulher, a universitária passou a buscar a ingestão de hormônios como meio de adequar a sua forma física ao gênero com o qual se identifica. “Eu passei por momentos de muita depressão e eu pensei: ou eu me mato ou começo a transição. Eu faço tratamento hormonal sem acompanhamento médico, fui e pesquisei na internet alguns grupos de pessoas trans e comecei o tratamento hormonal. É super arriscado!”, afirma Haria, ao se confirmar como mais um exemplo de pessoa transgênero que, por não ter acesso ao tratamento adequado de saúde, administra a própria terapia hormonal sem qualquer tipo de orientação médica.
Haria Bruna, 23, universitária e artista. (Foto: Ana Luiza Vila Nova)
Além da falta de assistência médica direcionada, a aceitação familiar é outra questão que costuma ser um entrave para pessoas trans. No caso de Haria, não é diferente. Embora se sinta acolhida no ambiente doméstico, a sua identidade de gênero por vezes ainda é um ponto de conflito. “Minha avó é o tempo todo: corta esse cabelo, toma jeito de homem. Ela que compra meus brincos, maquiagens, mas é aquela coisa, aquele embate, a parede que impede. Mesmo assim, minha família evoluiu bastante, meus avós eram bem homofóbicos e quando eles viram que tinha LGBTQ+ em casa, o pensamento mudou completamente”.
No ambiente acadêmico, Haria identifica um grau variável de aceitação. Segundo ela, na Universidade existem diferentes nichos, o que influencia diretamente na sua vivência na academia. “O nicho que eu frequento é das artes, ou seja, todos desconstruídos. Uma pessoa como eu entrando lá é sentimento de acolhimento, tipo ‘esse é meu lugar, é aqui que eu pertenço’”, reconhece. O uso do banheiro, contudo, segue sendo um problema. Conta a estudante que não encontra problemas quando há banheiro inclusivo, porém, com relação aos banheiros femininos, ainda sente a necessidade de ser acompanhada por uma amiga. Quanto a frequentar banheiros masculinos, afirma que, a essa altura, é algo impensável. “Antes mesmo da transição eu fazia cursinho aqui, no setor III [da UFRN] e nunca entrei no banheiro lá, eu tinha muito medo”, relata a estudante, se referindo a ansiedade gerada pela hostilidade do ambiente. Lidar com espaços hostis, infelizmente, segue como parte do cotidiano de muitas pessoas transgênero, para quem o simples ato de existir se mostra como uma manifestação de resistência e coragem.