segunda-feira, 30 de novembro de 2020

tudo?

Ela quer tudo

Suzane Silva

A série She's gotta have it em tradução "Ela quer tudo". é uma série da televisão norte americana criada e dirigida pelo cineasta Spike Lee. Com  contexto atual e moderno, a série é uma releitura do fime homonimo de 1986. A história gira em torno de Nola Darling (DeWanda  Wise), uma pintora nova iorquina moradora do bairro BRooklyn, um dos mais artísticos e inspiradores da metrópole estadounidense. 

A série narra episódios da vida, compreensão de ser social e de sua racialidade e que enquanto deseja encontrar o seu verdadeiro eu artístico através de uma estética que a represente, vive tropeçando e caindo na montanhas russa de seus relacionamentos amorosos. Spike Lee construiu uma supermulher com uma personalidade constituída com o objetivo de escancarar as mazelas das violências do racismo e machismo no corpo feminino. 

A pessoa negra brasileira que assiste a série, e ao passo que se encontra, se afasta, ao passo que a catarse acontece, ela escancara as diferenças do racismo norte americano com o brasileiro. Para imediata e concisa compreensão acerca  dessas diferenças responda para si mesmo: "Quantas artistas plásticas negras brasileiras você conhece?". Em nosso país já é difícil ser artista, principamente se você for negro. A série cumpre seu papel de crítica ao racismo estrutural, ao passo que possui uma fotografia impecável, não importando para qual ângulo você olhe.

domingo, 29 de novembro de 2020

XEQUE


O GAMBITO DA RAINHA

 MANUELA FERREIRA DE LIMA

Com o nome inspirado em uma jogada de xadrez, a série O Gambito da Rainha conta a história da órfã Elizabeth Harmon, interpretada por Isla Jhonston (na infância) e Anya Taylor-Joy (na vida adulta), personagem principal da trama. A série tem apenas uma temporada, com 7 episódios e estreou na Netflix em outubro de 2020.

A história começa no final dos anos 50, no Kentucky, quando a pequena Harmon perde sua mãe em um acidente de carro e é levada a um orfanato. Lá, a menina descobre sua habilidade no xadrez, mas também inicia sua dependência em tranquilizantes.

Na trama, a garota, já adolescente, é adotada por um casal e inicia seus estudos na escola. Na primeira oportunidade, ela participa de um campeonato de xadrez e inicia sua busca por espaço em um ambiente dominado totalmente por homens. O enredo do drama americano é inspirado no livro de mesmo nome, escrito por Walter Tevis e lançado em 1983.

A narrativa, além de ressaltar o papel e o poder feminino, destaca o xadrez, esporte pouco popular em comparação a outros, e enlaça o telespectador nos subenredos que tratam de superação, estereotipia e dependência química.

Contudo, a série abusa da velha receita de tramas sobre pessoas prodígios: infância complicada, descoberta de um talento único e o incômodo que esse dom incomum pode causar. Esta fórmula pode decepcionar os telespectadores, uma vez que já é bem conhecida nas tramas americanas.

Mas, apesar disso, é preciso ver a série com um pouco mais de profundidade. As primeiras cenas nos fazem acreditar que veremos a história de derrocada da protagonista pelas suas próprias mãos, devido sua compulsão por álcool e calmantes. Entretanto, a cada episódio, vemos a história de superação e amadurecimento de uma alcoólatra funcional, que não se afunda em seus vícios e continua a perseguir seus propósitos. Talvez, neste ponto, haja quase uma tentativa de romantizar o vício, mas, como todo bom herói, Elizabeth tem habilidades e fraquezas, o que a torna mais humana e faz com que o público torça por ela.

Ademais, a narrativa mostra como as derrotas são tão importantes quanto as vitórias. Não importa o quão bom você é, sempre haverá alguém tão ou melhor que você e para superá-lo é preciso investir em conhecimento. Dessa forma, é preciso aprender com as derrotas e delas extrair o que te fará crescer.

O gambito da Rainha é uma mini série excepcional, com uma grande atuação de sua protagonista e um roteiro super bem pensado. Apesar de não ter muitas reviravoltas, vale a pena conhecer esta história. 

BLACK MIRROR

EDVALDO FERREIRA DA COSTA

Série de televisão britânica, criada por Charlie Brooker, com temas satíricos e obscuros, ligando a sociedade moderna e as novas tecnologias. Posteriormente adquirida pela Netflix. 

Comentando sobre os três primeiros episódios, no primeiro, chamado, Hino Nacional, o primeiro Ministro Michael Callow, enfrenta um grande dilema para salvar a princesa Susannah de um rapto, tendo que praticar sexo com um porco diante das tvs abertas para não acabar sua carreira política e social. 

No segundo, titulado, Quinze milhões de méritos, acontece após uma cantora participar de um concurso e no final, escolher entre a prática de atos humilhantes ou voltar a viver, praticamente como escrava. 

O terceiro, chamado, Toda a sua história, retrata um implante de memória, que grava tudo que os seres humanos fazem, ouvem e veem, trazendo um grande conflito conjugal. Charlie Brooker na sua visão futurista, mostra a sociedade consumista e dependente da tecnologia, deixando claro, que teremos um mundo automatizado e dependente da tecnologia em um futuro próximo.

LEIA + AQUI

sábado, 28 de novembro de 2020

Verônica


Bom dia, Verônica 

Cassio Lamartine Melo Paiva 

“Bom dia, Verônica” é um seriado brasileiro que foi lançado recentemente na plataforma de streaming netflix e que já tem promessa de lançamento de novas temporadas. Essa obra foi inspirada em um livro de mesmo nome e conta histórias que envolvem violência doméstica contra a mulher em todas as suas formas, assassinatos em série, abuso de poder, corrupção e sensação de impotência quanto à solução dos casos. A série tem como protagonista Verônica (Thainá Müller), escrivã na Delegacia de Homicídios de São Paulo. Casada e mãe de dois filhos com uma vida impertubada, Verônica vê tudo virar de cabeça para baixo quando presencia o suicídio de uma mulher dentro da própria delegacia. A moça teria sofrido abuso sexual, fez a denúncia e, após uma conversa reservada com o delegado, atirou contra a própria cabeça dentro do estabelecimento público. 

Isso me levou à seguinte reflexão: o que será que o delegado falou para ela, que a fez cometer esse ato tão extremo? Isso me fez lembrar da Mariana Ferrer, que foi dopada e estuprada dentro de um local frequentado pela alta classe social de Santa Catarina. Ela fez a denúncia, tinha provas visuais e de DNA do esperma e ainda assim o homem, que é branco, empresário e ostentador de altos valores bancários, foi inocentado. Durante o julgamento, o advogado do réu humilhou e dirigiu palavras caluniosas à Mariana. Esse seria só um pequeno exemplo de um caso que veio a público e que as mulheres vivenciam como realidade nua e crua aqui no Brasil. 

Verônica decide começar sozinha uma investigação em busca do culpado pelos crimes e isso a leva até Janete (Camila Morgado), vítima de abuso físico e psicológico por parte do marido, o Policial Brandão (Eduardo Moscovis). Essa investigação a leva a descobrir uma rede de assassinatos, corrupção policial e violência contra mulheres.

Ratched

 


Cleciane Vieira da Silva

Para quem está à procura de uma série dramática de suspense e que contenha um viés psicológico mais acentuado, Ratched é uma ótima saída. No catálogo da Netflix desde setembro, a série é desenvolvida por Ryan Murphy e tem como sua maior estrela a Sarah Poulson. Outras atrizes implementam suas personagens em papéis de destaque à trama, e evidenciam a força das mulheres na série, são elas: Sophie Okonedo, Cynthia Nixon, Sharon Stone e Judy Davis.

A série se passa nos anos 40 e traz em si uma estética visualmente forte, com uma fotografia colorida, ambientação, roupas e maquiagens perfeitas, mas sem deixar passar as questões sociais debatidas na década. O lesbianismo, por exemplo, era visto como doença psicológica e tinha um procedimento de cura bastante agressiva. Também é discutido sobre a doença de múltiplas personalidades e o desenvolvimento da hipnose como tratamento.

Talvez não seja tão compreensivo para as pessoas mais jovens de hoje entender o porquê Murphy dar ênfase a origem de uma enfermeira chefe de um hospital psiquiátrico, afinal quem quer saber do passado de uma enfermeira? Porém a Ratched do filme Um Estranho no Ninho de 1975 era controladora e minimalista, e não tinha nenhuma preocupação em justificar suas maldades, e na época essa personagem se tornou emblemática e importante para a literatura americana e para a Cultura Pop. Na série, Murphy revive esse personagem justificando seus atos, e demonstra o quanto nossos demônios internos podem ser perigosos quando se entra em conflito entre o amor e a razão.

Breaking Bad

 CHUTANDO O BALDE

Iris Fernandes Oliveira


 Breaking bad” é uma expressão do sul dos Estados Unidos e que nomeia a série de Vince Gilligan, produzida entre 2008 e 2013. Considerada por muitos críticos uma das melhores séries já feitas, o título (cuja tradução seria ”chutando o balde”) de cara já nos revela pistas sobre a trajetória do protagonista Walter White. A transformação do infeliz professor de ensino médio no poderoso Heisenberg, um excelente produtor e traficante de metanfetamina, é o principal arco da trama recheada de reviravoltas dramáticas e que surpreende com a qualidade do enredo, da produção, da atuação, enfim, do produto como um todo. 

Walt era um pacato professor de química, apesar de possuir uma habilidade acima da média, infeliz com a vida que levava e que sofria silenciosamente com as diversas humilhações que acreditava passar no dia a dia. Aos 50 anos, ele é diagnosticado com um câncer inoperável e que faz Walter “acordar” pra vida, como nos revela em certo episódio. Ao se confrontar com a própria fragilidade, ele decide usar suas peculiares habilidades enquanto químico para produzir metanfetamina e ganhar não só dinheiro, como poder e controle. Sua trajetória é acompanhada por Jesse Pinkman, um ex-aluno de Walter, que está envolvido no tráfico de drogas e  que mostra-se útil para Walter, que desconhece o mundo do crime até então.

Breaking Bad é a história de um homem que quando se vê cara a cara com sua vulnerabilidade nega-se a aceitá-la e passa a buscar maneiras de se afirmar como um sujeito de poder, mesmo que para isso ele perca tudo que parecia prezar: a família, o dinheiro, a vida. Em nome de seu próprio ego e orgulho, Walter permite-se passar por cima de todos sem sequer olhar para trás, erguendo um legado em seu nome que não será esquecido.

zeus


O sangue de Zeus

Arthur Vinicius de Oliveira Moura

Quando se fala em uma trama que se passa no Olimpo, a gente já sabe que tem confusão entre os deuses e algum semideus salvando o dia. O sangue de Zeus não foge dessa regra. Protagonizada por Heron, filho de Zeus com uma mortal, a animação da gigante do streaming, conta a jornada desse herói descobrindo sua verdadeira origem, seus poderes e as dores que eles podem causar.

É claro que a série tem muito mais tempero e alguns plot twists que dão rumos inesperados para os personagens. O maior deles, na minha opinião, é o meio-irmão gêmeo de Heron, Serafim. Sim, você não leu errado. É que a mãe do herói, casada com um rei, engravida de Zeus enquanto também está grávida do seu esposo mortal. Assim, vemos um parto de gêmeos, porém meio-irmãos.

A história toda é descoberta pelo rei, através de uma artimanha da deusa Hera, que quer se vingar do seu esposo Zeus por mais uma traição com uma mortal. A deusa é retratada durante toda a série como uma megera angustiada e raivosa, disposta a tudo para se livrar do bastardo e punir seu marido. Cega pela vingança, Hera se alia a Serafim, que agora é uma espécie de demônio cheio de poder titã, e acaba trazendo os Titãs de volta, com a ilusão de que poderá controlá-los.

O grande embate entre deuses, titãs, semideus e um quase-demônio acontece apenas no último dos oito episódios da série, e acaba com uma nova queda para os Titãs, mas também com uma grande baixa para os deuses: Zeus. Hera e seu filho Ares tornam-se foragidos, e tudo parece bem até que vemos Serafim no Tártaro, sendo recebido por ninguém menos que Hades, que não havia dado as caras em nenhum outro episódio.

A aparição de Hades é o grande plot twist final, já que ele é um dos três grandes e acaba deixando aquele gostinho de quero mais, digno de uma segunda temporada, com muitas perguntas no ar: pra onde Hera e Ares foram? Porque Hades não se envolveu no confronto? E porque apareceu somente agora? Zeus realmente está morto? Enfim, nos resta aguardar que a Netflix renove a série e traga as respostas pra todas essas perguntas.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Resurrection


MARCELO F. DO NASCIMENTO

Vida e morte, esse é sem dúvidas o maior dilema que vive a humanidade desde o início de sua existência. Perder um ente querido e ter que se conformar com o fato de nunca mais poder vê-lo, estar em sua presença, abraçá-lo.

A série Resurrection mexeu com a imaginação dos telespectadores quando trouxe essa temática à telinha, pois não só retratou a polêmica, como também trouxe um mix envolvendo religião, sobrenatural e ocultismo.

Todos lamentamos a perda de nossos entes queridos e não gostaríamos que esses fossem tirados de nossas vidas, embora isso seja uma consequência natural da evolução. Mas quando vislumbramos a possibilidade desses serem novamente recolocados em nosso meio, não reconhecemos essa possibilidade com muita naturalidade, isso foi o que se pôde observar na série Resurrection.

O ressurgimento dos falecidos da pequena cidade de Arcádia, suscitou uma mistura de espanto, desconfiança e medo.

Um ponto positivo é a discussão que o tema gera. E se todas as pessoas voltassem à vida, o que faríamos? Será que seriam as mesmas pessoas que foram antes e mereceriam viver tanto quanto os que nunca morreram?

É impossível acompanhar a série Resurrection e não refletir acerca de questões como essa e se espantar ou até mesmo se emocionar com atitudes brutais vindas de alguns personagens que podem ir de encontro aos ideais e a própria moral do espectador.

desalma

 

Matheus Henrique Silva dos Santos


Retratada em duas épocas distintas, Desalma caminha no suspense sobrenatural e no drama. A série – de apenas uma temporada até então, e com um total de 10 episódios – é uma produção do Globoplay, com autoria de Ana Paula Maia e direção de Carlos Manga Jr. As bruxas, os espíritos, os rituais, a floresta misteriosa, a troca de almas e os segredos fazem a trama acontecer nos anos de 1988 e 2018. Brígida, pacata cidade do sul do Brasil que cultua tradições ucranianas, têm suas crenças voltadas ao irreal e possui as mesmas memórias após uma fatalidade que aconteceu em uma festa local, realizada todos os anos.

A trama conta a história da cidade através de uma tragédia ocorrida no ano de 1988 com Halyna, vivida por Anna Melo, e que envolveu os jovens Roman (interpretado por Eduardo Borelli e Nikolas Antunes) e Aleksey (vivido por Nicolas Vargas), ambos da família Skavronski; e que envolveu também o jovem Boris (interpretado pelos atores Lucas Soares e Ismael Caneppele), da família Burko – o que acabou desencadeando eventos misteriosos com as duas famílias durante o ano de 2018, quando a festa volta a ser celebrada após de ter sido banida da cidade.

Como o enredo apresenta duas épocas, dois contextos diferentes são apresentados, mas em ambos os períodos, a tradição da festa denominada Ivana Kupala chama a atenção dos moradores. Em 1988 e em 2018, a cidade de Brígida anseia a celebração, e neste último ano, a cerimônia é ainda mais aguardada por se tratar de seu retorno, já que não era celebrada há 30 anos.

A bruxa Haia, interpretada por Cássia Kis, é uma das responsáveis pelos acontecimentos sobrenaturais que voltam a rondar Brígida. Eventos para além da realidade começam a marcar e assombrar a vida de Giovana Skavronski, vivida por Maria Ribeiro e de Ignes Skavronski Burko, feita por Valentina Ghiozi e Cláudia Abreu. Isso acontece a partir dos casos extraordinários que se fazem presentes na vida de ambas por meio de membros da família: Anatoli (feito por João Pedro Ribeiro) e Melissa e Emily, vividas por Camila Botelho e Juliah Mello, respectivamente.

Desalma vai mostrando a história de forma intercalada. Os conflitos da época mais antiga do enredo ocorrem por meio dos adolescentes das famílias que protagonizam a série. Tais dilemas fazem com que novos conflitos aconteçam em 2018 – ano atual do seriado – mas desta vez, de maneira sobrenatural. Os personagens presenciam acontecimentos nunca vistos, sem saber do que tudo aquilo se trata.

Ao longo da trama, as "peças" vão se encaixando e todos aqueles que viveram a fatídica noite de Ivana Kupala no ano de 88 começam a rememorar o que ocorreu naquele dia e, a partir disso, associam os acontecimentos da atualidade às tragédias e mistérios da festa de 30 anos atrás. A série conta com um terror mais introspectivo e o ar mais sombrio se dá pela trilha sonora de suspense e uma fotografia mais fria. E em alguns momentos das cenas e pequenos métodos utilizados para a edição, remetem Desalma a série alemã Dark, da Netflix.

A obra brasileira, uma das poucas que abarcam o gênero suspense/terror, empolga com uma trama envolvente que apresenta e deixa questionamentos desde o início. O destaque da série fica por conta das mulheres que lideram as famílias, mas o ponto alto fica por conta do mistério presente na cidade e em toda a sua atmosfera, dando protagonismo e – principalmente – antagonismo ao ambiente, ao invés de se concentrar em apenas um vilão, como acontece comumente.

caso real

 


Olhos que condenam (When they see us)

Márcia Maria Damasceno Costa

Criado, dirigido e escrito por Ava Duvernay, o enredo é baseado em uma história real e em 4 episódios retrata o caso de 5 personagens principais: Antron; Yussef; Raymond; Kevin e Korey, jovens com idades entre 14 e 16 anos, quatro negros e um latino, que foram injustamente condenados sob a falsa acusação de estuprar Meilli, uma executiva de um banco, que tinha saído para se exercitar no Central Park-NYC em 1989.

Após quase 24 horas de interrogatório na delegacia, sem a presença dos pais ou advogados, eles se acusaram mutuamente e confessaram o crime. Depois negam, mas ninguém acredita. Passaram entre 7 e 13 anos na prisão, até que em 2002 um estuprador em série confessou o crime.

É uma série densa e rápida que examina não apenas os efeitos do racismo sistêmico, mas os de todos os tipos de privação de direitos em pessoas negras americanas que ecoa até hoje. Neste caso, a briga não era por justiça, mas por quem ganharia um caso que estava sendo cobrado socialmente e midiaticamente. O olhar da autora foca no lado humano dos meninos. Se durante o julgamento eles foram reproduzidos como membros de gangues e delinquentes, aqui são descritos como crianças injustiçadas e assustadas.

Acabamos nos sentindo como cúmplices de uma injustiça. No título original, When They See Us (Quando eles nos veem), lembra que aqueles garotos fazendo bagunça no parque poderiam ser quaisquer outros garotos brancos fazendo a mesma bagunça, estando apenas no lugar errado e na hora errada. A diferença é como nós os vemos.

Luna Nera


A luta pelo direito de existir que perpassa o tempo

Francisca Pires 

Muitas são as questões que envolvem o que é ser uma mulher socialmente. Desde a culpa carregada por Eva pela expulsão do paraíso até a estigmatizada violência com que agia Medusa segundo a mitologia grega. Escrita e produzida apenas por mulheres (Francesca Manieri, Laura Paolucci e Tiziana Triana), a websérie italiana Luna Nera propõe uma viagem à Itália do século XVII para retratar a perseguição de gênero que culmina sempre no mesmo lugar: a condenação. Seu lançamento na Netflix foi em 31 de janeiro de 2020. 

A história gira em torno da parteira Ade, uma adolescente que ao perder sua avó para os caçadores de bruxas, descobre seu pertencimento a uma família repleta de segredos e magia. Sua investigação sobre suas origens e poderes se desenrola em paralelo a função de cuidar do seu irmãozinho e do seu amor pelo jovem Pietro. Este por sua vez, é filho de um dos capitães da operação de perseguição das bruxas. O amor de Pietro que parecia ser tão grande, parece não ser suficiente diante das questões familiares e religiosas que ele precisaria enfrentar para ficar com Ade. No fim, ele não as enfrenta. Ela não tem escolha. 

A série nada mais é do que um recorte, histórico e pontual, de uma luta que sempre existiu e seguirá existindo. O poder do feminino, a conexão com a natureza, a violência da igreja e o machismo são temas fortemente discutidos, alguns de forma indireta, outros de forma mais clara. Para muitos a série pode representar uma visão romantizada de uma luta feminista construída a partir da luta homens x mulheres. O inimigo na verdade, ainda que materializada no rosto de um homem religioso Benandanti, é a opressão. A negada liberdade de ser, existir e ocupar espaços sem cumprir os arquétipos determinados por homens e para os homens.

eu nunca


Luciano Vagno

 A regra do jogo é simples: se você já fez tal coisa, você cumpre o desafio; senão, diz “eu nunca”. É assim que funciona a brincadeira que deu nome a uma das séries mais queridinhas da Netflix. “Never Have I Ever” (“Eu Nunca”, em português) é uma série americana produzida pelo streaming que teve sua estreia em maio deste ano. 

A produção é baseada na juventude da atriz Mindy Kaliny, criadora e produtora da obra, e conta com a narração de John McEnroe, ex-Número Um do tênis, e possui ainda um episódio narrado por Andy Samberg, de Brooklyn 99. Até o momento, ela está em sua primeira temporada – mas calma que a segunda já está a caminho – e conta com dez episódios. 

A comédia gira em torno de Davi Vishwakumar, interpretada por Maitreyi Ramakrishnan, uma hindu-americana, mas que não se considera tão indiana, como sua mãe Nalini, vivida por Poorna Jagannathan, ou como sua prima Kamala, interpretada por Richa Moorjani. 

Apesar de sua origem, Davi é uma típica californiana do século XXI, que passa por altos e baixos com suas duas melhores amigas: Eleonor (Ramona Young) e Fabiola (Lee Rodriguez). 

Sabemos que a adolescência é uma fase da vida no mínimo complicada para muitas pessoas. E assim é para a protagonista. A jovem vive em meio a traumas, que surgiram após a morte de seu pai. No entanto, ela prefere seguir os ignorando e parte em busca de sua “vida normal”. Por mais que tenha um bom coração, Davi é dona de um temperamento explosivo, o que acaba a afastando de suas melhores amigas e de sua família. 

Família. Acredito que esse seja um dos maiores legados que Eu Nunca tenha a passar: não precisa ter o mesmo DNA, estar perto, nem ser composta por todos os membros, basta haver aceitação. Aceitação... Esse é o outro ensinamento que a série traz. Aceitar as paixões, os sentimentos, os defeitos, as raízes, a perda, o outro e nós mesmo. Aceitar que somos assim, que os outros são como são e que está tudo bem quanto a isso. 

Eu Nunca soube abordar esses e outros assuntos de maneira tão singela, leve e bem humorada, com referências da cultura pop e, é claro, com tanta representatividade, que não surpreende todo o carinho com o que a série foi aceita e o gostinho de “quero mais” que ela deixou.

nada de novo


“Samantha!” 

Paulo Henrique do Monte Bezerra

Apostando suas fichas no saudosismo dos anos 80, em 2018 a Netflix lançou Samantha!, a primeira série de comédia nacional e a terceira produzida no Brasil pela plataforma de streaming. A trama conta todas as formas que a exestrela Mirim Samantha, interpretada pela Emanuelle Araújo, inventa para voltar a ser famosa conciliando agora a responsabilidade de ser mãe, encarando a vida adulta e o esquecimento. 

A série não apresenta nada de novo. O foco é sempre na Samantha jogando as suas artimanhas para voltar a ser famosa e que acabam dando errado. Por outro lado, a trama passeia entre passado e presente de uma maneira fantástica. Faca dentro de uma boneca e música que quando tocada ao contrário traz uma mensagem subliminar são algumas das referências tipicamente brasileiras dos anos 80 resgatadas pela série. Mas os criadores não se limitam somente ao passado. Eles abordam a atualidade com a presença uma digital influencer, que também busca fama a todo custo. Com muita criatividade, a série não se torna cansativa e consegue sempre envolver todos os personagens em uma nova confusão e em situações tão sem noção que chegam a ser engraçadas. 

Além de garantir boas risadas, a série também nos ajudar a pensar sobre como as crianças são inseridas e a forma que são tratadas nesse meio midiático, o que nos faz até relembrar das principais estrelas do canal infantil Disney Channel que apresentaram problemas psicológicos após o término do contrato. Outra questão também é a necessidade de se expor, de estar em evidência, que hoje está em alta principalmente através das redes sociais substituindo o que a série mostra como essencial que são a família e os amigos. Por mais que a série tenha sido cancelada em 2020 pela Netflix, ela deixa a sua marca matando a saudade dos anos 80 e ridicularizando o que as pessoas são capazes de fazer para serem vistas. 

Afinal de contas, quem não quer os seus 15 minutos de fama?

Dorama coreano


MR. SUNSHINE

ANA CLARA BILRO MEDEIROS BARROS NERI

Choi Yoo-Jin é um escravo que aos 9 anos foge de Joseon (Coréia) para os os E.U.A e já adulto, retorna à terra natal como o cônsul americano Eugene Choi. Agora dotado de poder, o militar se apaixona por Go Ae-Shin, uma nobre que esconde a vida secreta de franco-atiradora que luta pela soberania de seu país. Apesar de carregar rancor do lugar onde nasceu, Eugene acaba se envolvendo cada vez mais com o movimento libertário em razão de sua paixão pela jovem, e luta ao lado da resistência popular coreana contra a tirania japonesa, que surge como a antagonista que incorpora toda a maldade que os coreanos desprezam na vida real. Sentimento esse que a narrativa deixa clara através dos núcleos de fundo, que vivem em constante conflito com os nipo-invasores. Nesse ritmo, a trama confunde-se com a realidade da Coréia no período retratado, proporcionando até a sensação de que aquilo que foi assistido é real, visto que fatos fictícios e reais se misturam para promover uma verossimilhança.

Uma série cheia de poética e resistência, onde o “romantismo está na boca de um rifle”, como diz a protagonista, já que o amor e o revolucionarismo caminham de mãos dadas aqui. Mas apesar da guerra e da resistência serem explícitas, como elas sempre são na realidade, o romance está nas entrelinhas e no platonismo por dois motivos: o berço oposto das duas personagens e a própria cultura coreana do amor, que se manifesta de maneira muito mais sutil, permitindo que aqui, o espectador seja livre para interpretar à sua maneira.

Contudo, se a autora deixou algo claro nesse dorama, foi a sua visão sobre a necessidade de agir, e sobretudo os sacrifícios. Essa mensagem está no sentimento de pertencimento e representação, que surge tanto por parte dos coreanos como dos japoneses, que na história (real ou não), agiram conforme a sua paixão, trazendo uma série de elementos e acontecimentos completamente imprevisíveis.

Mais uma vez os símbolos reais e fictícios se confundem e a história se desenvolve para chocar o espectador e às vezes até pôr em estado de agonia e desespero. Talvez sejam os sentimentos mais comuns mediante a imprevisibilidade da vida. Ninguém pode prever o futuro e dizer o que acontecerá. Esse inesperado e a ausência de controle são as mensagens finais. Não importa se o espectador é coreano, japonês ou estrangeiro, se há uma visão que há em comum de todos os receptores é a da fragilidade da vida.

A Maldição da Residência Hill


Victória Z. Alves

Os componentes apresentados na obra “A Maldição da Residência Hill” possuem finalidades demarcadas que dão ênfase ao espectador, utilizando plano sequência para que o telespectador sinta os impactos dos personagens, os acompanhe durante a cena, fazendo como, de certa forma, quem esteja assistindo participe dos acontecimentos, vendo tudo o que está acontecendo. Esse plano serve para causar desajuste e agonia, é um forte elemento para obras com propósitos de surpreender e demarcar novas situações em filmes e séries de terror e suspense. A câmera objetiva junto a uma fotografia de impacto e boa trilha sonora fazem com que a obra seja atrativa, junto a um bom roteiro torna-se pouco provável a desistência do telespectador sobre o material produzido e disponibilizado. A obra aborda ainda uma linha do tempo que nasce uma ordem, criando ilusões ao telespectador, trazendo a história para o presente e para o passado, além de no passado mostrar uma espécie de previsão do que iria acontecer anos depois, essa transição faz com que os personagens fiquem em evidência a todo tempo, sem colocar foco em apenas um, cativando assim, o espectador e gerando certa empatia com todos da família Crain.

Mike Flanagan, criador da antologia “A Maldição” é um dos principais produtores do gênero, o terror como uma espécie de camuflagem do drama vivido na série, traz ainda pelos seus títulos o foco de cada episódio e como no conjunto esses títulos simplificam a história trabalhada. Mesmo utilizando de pseudos spoilers em seus títulos, há muito mais por traz do que as poucas palavras, mesmo o lendo, não conseguimos prever o que acontecerá na série. Para observar, temos a sequência de títulos desta forma:

Steven vê um fantasma, caixão aberto, toque, coisa de gêmeos, a moça do pescoço torto, duas tempestades, eulogia (discurso fúnebre), marcas de uso, pesadelo, o silêncio repousa soberano; nessa mesma ordem.

A série consegue abordar as questões familiares muito além dos vícios dos personagens, como Theo e Luke, em relação ao alcoolismo e heroína, além de transtornos mentais e ansiedade, como ocorre com a Nell. Fazendo assim, com que os personagens possuam o vício por se ocultar de um problema maior, que na maioria das vezes é ocasionado por um trauma de infância.

Com um enredo que prende, e uma fotografia ocasionalmente escura, a série está trazendo ansiedade e perspectivas diferentes a cada espectador. Ao decorrer dos episódios a expectativa aumenta acerca dos irmãos Crain: Steven, Shirley, Theodora, Luke, Nell e também dos seus pais, e consecutivamente, sobre a casa. Com uma ordem atemporal, a série pode gerar alguma confusão - das boas - mas nada que o decorrer das cenas não cumpram com seu dever. Poderia classificar esta série como uma pipa e uma linha, sempre há algo que te faz ter o pé no chão, apesar de achar que você está com a cabeça nas nuvens e imaginando coisas. O conjunto é excitante, te faz ir em frente e não parar até o final da trama.

O foco narrativo de Residência Hill é diverso, explorando os planos que vão de detalhe à sequencial, além do plano conjunto. É uma obra de terror que explora sentimentos e expressões além de transformá-las em um novo elo entre as obras do criador e seus espectadores, o Mike Flanagan costuma deixar suas marcas nas suas séries do gênero, querendo sempre abordar questões sócio-familiares à trama. Os efeitos psicológicos que circulam entre os personagens transforma a história como algo muito imaginativo. Mas que de certa forma pode nos fazer associar ou até cogitar como seria a vida após a morte, se seríamos de fato almas vagando, procurando algum consolo.

A personagem Nell passou todos os episódios sofrendo com a perseguição de uma alma, quando na verdade, aquilo era ela a avisando de tudo o que ocorreria, e todos os elementos casam com essa história, transformando tudo em intensidade e um emaranhado de histórias que eram bem mais antigas, unindo-se e transformando a casa em uma bola de neve de almas presas dentro de uma casa carnívora. O resto, como dizem, é confetti.

Biohackers

 

TAIS DA SILVA RAMOS

A mais nova obra de Christian Ditter já teve a segunda temporada confirmada. Biohackers, lançada em Agosto de 2020 na Netflix e com indicação para maiores de 16 anos, conta com seis episódios, com duração entre  40 a 46 minutos. A série alemã tem uma pegada de drama e suspense, além de misturar tecnologia com ciência. O elenco possui quatro atores principais e três coadjuvantes, a história se passa em Friburgo, principalmente na Universidade da cidade.

 A série conta a história de Mia (Luna Wedler), uma estudante de Medicina que vai em busca  da verdade por  trás da morte do seu irmão gêmeo, Ben. Alimentada pela vingança, Mia se aproxima de Jaspen, o assistente pessoal da ambiciosa Tanja Lorenz, professora, bióloga e medica que tem relação com a morte da família de Mia. Apesar de ser voltada para assuntos como biologia sintética e suas experiências, ela não deixa de abordar conflitos amorosos, como o triangulo entre Mia, Jaspen e Niklas.

Mesmo sendo compostas por manipulações ilegais com embriões, plantas florescentes, criação de doenças e linguagem técnica, a série é facilmente compreendida para quem não é da área, o desejo de vingança de Mia mesclado com suas questões amorosas e sua rotina adolescente, facilita ainda mais a compreensão da série, que acaba tornando-se viciante, além de fazer com que o telespectador tenha curiosidade sobre o assunto.

Movida por fragmentos que unem o passado, presente e futuro permitindo ao telespectador fazer sua própria análise sobre os motivos que levaram Mia a tomar determinadas decisões, o suspense que envolve a série dá um gostinho de quero mais e de todo o final possível esperado pelo publico, Christian consegue nos surpreender de maneira intrigante e inovadora. Acredito que esse seja o principal motivo para uma segunda temporada, já que o ultimo episodio não permitiu que o espectador conseguisse chegar a uma dedução do que aconteceria em seguida.

expresso2

 Felipe Salustrino

O mundo congelou a menos 150 graus e uma nova "Arca" é necessária para manter o homem e outras espécies vivas sobre a Terra. Entretanto, num mundo pós-apocalíptico, as configurações dessa “Aliança” aderem a outras composições, com aspectos diferentes daqueles narrados no livro de Gênesis. Expresso do Amanhã (disponível na Netflix) mistura sangue, luta de classes e autoritarismo. O Snowpiercer parece estar sob o comando de um déspota, que muito se assemelha ao Grande Irmão, do romance de George Orwell. Não há nada na grande locomotiva de 1.001 vagões que não esteja sob vigilância, manipulação e controle para além de uma realidade já distópica em si.

O trem é dividido em classes. Na frente, estão os bilionários, que usufruem de privilégios, como roupas finas e comida fresca. Na parte de trás estão os fundistas, que vivem de forma clandestina, na mais absoluta miséria. A eles, cabe à luta pela sobrevivência e o desejo de revolução, liderado pelo ex-investigador Andre Layton (Daveed Diggs). Após diversas tentativas de tomar o trem, Layton é chamado para solucionar um assassinato e encontra aí a chance de, finalmente, dar início a tão sonhada revolução.

Melanie Cavill (Jennifer Connelly) é a fiel comissária do Snowpiercier e se diz a serviço do sr. Wilford. É ela quem toma todas as decisões, inclusive, a de congelar e executar supostos desertores da lei e da ordem. Em meio a conflitos sangrentos, Expresso do Amanhã trata da conflituosa e, por vezes, angustiante tarefa de fazer escolhas mediadas pela antítese dos nossos ideais em detrimento de um suposto bem comum.

A primeira temporada se encerra com o episódio em que Melanie salva a locomotiva de um trágico descarrilamento, algo que seria fatal para todos os habitantes do trem. A antítese dos fatos aí parece recrudescer: a personagem que sempre agiu com violência contra a paupérie para “manter a ordem”, se dedica a salvar a vida dessas mesmas pessoas que ali estão (a essa altura o vagão ocupado pelos bilionários já havia se desintegrado do trem e todos os corpos que ali habitavam tinham petrificado).

É bem verdade que a gente pode dizer que o Snowpiercer é uma alegoria da sociedade. A luta dos oprimidos contra os opressores. O indigente contra o egoísta. A necessidade contra a insensibilidade. A locomotiva é luta, mas também é ódio. É violência e ignorância. E mesmo quando alguns se dão conta da tangibilidade daquilo que se imaginava espectro, ainda assim, parece mais cômodo crer que aquele mundo simplesmente é tal qual deveria ser.


aia

 

WILLIAM DANILO FERNANDES PIRES

Os Contos da Aia, possui uma narração em primeira pessoa, isso por si só já já nos aproxima e nos fideliza com a história de June. Além disso, os muitos closes nos fazem conhecer cada expressão da personagem, especialmente de dor. Quando fala conosco, Offred quase sussurra, como se nos contasse um segredo. Isso nos traz uma aura ainda mais de tensão, ela não poderia estar falando com ninguém.

Isso tudo visa a nos passar a dor das mulheres sob um regime fundamentalista cristão hipotético, mas possível, onde tudo é silêncio, frio e azul. A depressão do confinamento é angustiante e sufocante. Isso me faz pensar como uma mulher aqui do nosso mundo encara as inúmeras privações e estupros de uma sociedade que oprime qualquer expressão sentimental. Separação, fuga, saudade, ódio são vividos à exaustão numa montanha russa de sensações de revolta.

O desejo pela libertação das amarras do nosso tempo, especialmente o fundamentalismo religioso e o machismo, deixa explícito o desejo dos autores de nos alertar sobre os perigos de quem se deixa levar por pensamentos de controle e conservadorismo. Enfim Os Contos da Aia é um soco no estômago dos reacionários.

Bom dia

 

Maria Fernanda de Melo

Na moderna cidade de São Paulo do século XXI, Verônica Torres (Tainá Muller) – escrivã em uma delegacia de homicídios – é testemunha de um suicídio que, mais tarde, apresenta similaridades com casos de abusos sexuais em aberto. Verônica, que possui o instinto de investigadora, começa a analisar esses e outros casos que estavam arquivados.

Em paralelo, a realidade de Janete (Camila Morgado), dona de casa e esposa do tenente-coronel Claudio Antunes Brandão (Eduardo Moscovis), é aterrorizante. Brandão, além de bater nela, é um serial killer que sequestra jovens, e as tortura e executa. Isso tudo, obrigando sua esposa a participar dos crimes.

Por meio de um telejornal, Janete encontra Verônica, e ao longo da narrativa, conta à escrivã como vive. A série possui, até agora, uma temporada, que ao ser apresentada por essas duas perspectivas, traz suspense a cada episódio assistido. Verônica precisa, ainda, lidar com seus problemas familiares, e com as verdades que vêm à tona sobre a vida de seu pai e daqueles por quem é chefiada.

Os elementos simbólicos da narrativa ficaram distribuídos da seguinte forma: Verônica Torres (S1/protagonista); a delegacia (S2/sociedade); Janete (~S1/coadjuvante); e a polícia (~S2/antagonista). Verônica tem sede de justiça e, junto com Janete e informações adquiridas ao decorrer da trama, luta para derrubar o tenente-coronel Brandão e a delegacia de homicídios.

Os roteiristas Ilana Casoy e Raphael Montes além de mostrarem à sociedade o que ela preferia deixar sob os tapetes, trazem a seguinte reflexão: entre corrupção, feminicídio, crimes horrendos, abusos sexuais, psicológicos e misoginia, o verdadeiro vilão é quem deveria proteger a sociedade desses males. Os policias, representados pela delegacia e Brandão, são o antônimo de proteção, integridade e dignidade da vida humana. O que fica é: na vida real, a polícia é como a da série?

Referências

FONSECA, J. H. (Diretor). (2020). Bom dia, Verônica [Série Cinematográfica].

Safe

 

Júlio Marcel Castro de Albuquerque

Safe (2018) possui uma temporada com 8 episódios e é um drama/suspense onde quase todos os personagens possuem algum tipo de segredo. O telespectador é apresentado a um condomínio de classe média alta onde viviam o cirurgião pediátrico Tom Delaney (Michael C. Hall), sua esposa Rachel (Katy Carmichael) e suas filhas Jenny (Amy James-Kelly) e Carrie (Isabelle Allen). Após a morte de Rachel, a relação entre Tom e Jenny começa a se abalar.

Após Jenny ir a uma festa na casa de uma amiga do condomínio, ela acaba desaparecendo. Com isso, seu pai começa a fazer uma investigação própria para tentar encontrá-la, coletando pistas, investigando seus vizinhos e falando com pessoas que até então não sabia que possuía ligações com sua família. A série tem êxito ao prender a atenção e atiçar a curiosidade da audiência ao fazê-la ficar atenta a cada detalhe do que está acontecendo, bem como teorizar sobre qual personagem está falando a verdade, mentindo ou escondendo algo.

No decorrer da investigação, Tom – personagem principal e sujeito da trama – tem o auxílio de seu interesse amoroso Sophie (Amanda Abbington), seu melhor amigo Pete Mayfield (Marc Warren) e a policial Emma Castle (Hannah Arterton), que são considerados os ajudantes. Nesse sentido, Jenny é o “objeto” ou o fim que o protagonista deseja alcançar. Já o oponente pode ser os próprios segredos e mistérios de cada personagem, os quais são os maiores causadores de problemas na trama.

Fazendo um paralelo com o mundo real, uma mentira contada pode se tornar uma “bola de neve” e acabar levando a outras, a mais outras e assim sucessivamente, tornando-se até mesmo em um “oponente” na vida de alguém. Será que muitos dos segredos e das mentiras que as pessoas julgam serem inocentes são realmente inofensivos? Será que não afetam negativamente a vida dos próximos? Será que conversar ou até mesmo confessar algo não é uma saída melhor para todo mundo?

expresso1


LUTA DE CLASSES EMCAPSULADA

Cristiane Modesto da Silva


Protagonismo feminino, protagonismo negro, luta de classes e isolamento social horizontal, são somente alguns temas que a série Expresso do Amanhã retrata. Em um ano pandêmico, a Netflix apostou em uma série que pautou problemas climáticos, soluções tecnológicas e catástrofe mundial. Um típico padrão para as tramas da ficção científica.

O planeta terra foi congelado, após cientistas tentarem reverter o crescimento da temperatura. Aqui nasce o cenário da série, um mundo cinza, preso e em movimento constante a bordo do trem Snowpiercer, 1100 vagões que percorre a terra com os sobreviventes. Assim como o nome revela, o expresso do amanhã, brinca com o fator tempo e faz com que seus telespectadores fixem sua atenção nos conflitos internos dessa sociedade móvel.

A trama brinca com o caus e coloca em pauta o protagonismo do homem negro e de uma mulher branca, um contexto social refletido em classes dos vagões. Com apenas 10 episódios, a primeira temporada já deixou um gostinho de quero mais. Cada episódio, é narrado sob o ângulo de um personagem diferente, uma narrativa complexa e dividida intercalada com as sub histórias de cada personagem. Para se deixar brincar com o tempo, o expresso do amanhã é uma boa opção para viajar numa bela trama da ficção.

The Boys

 

Uma nova perspectiva sobre o gênero “super-herói”

Marcos Antônio Pinto da Silva Filho


A série “The Boys”, produzida pelo Amazon Prime no ano de 2019, aliou o sucesso que atualmente o gênero de super-heróis faz no cinema e na televisão, e emplacou uma comédia bastante controversa e nada convencional. O universo da série, que até parece bastante similar com a nossa realidade, também reflete as mesmas problemáticas que temos em nossa sociedade, onde desde o primeiro episódio somos apresentados a cenas violentas e chocantes, o que já nos indica uma diferença nítida das histórias de heróis tradicionais. A produção acaba sendo uma sátira perfeita desse modelo que se reinventa tanto na indústria do entretenimento, onde há sempre um vilão a ser combatido e um salvador para proteger a humanidade. Desta vez não há como saber quem é bom, ruim, mocinho ou vilão, pelo menos na visão do protagonista, que antes era fascinado pela indústria dos heróis, mas acabou tendo um choque de realidade ao perder a namorada graças ao descuido de um deles. Após isso, uma equipe é formada para combater as ações dos heróis e da empresa que os gerencia.

Críticas ao consumismo compulsivo das pessoas, ao próprio capitalismo, ao fanatismo, a espetacularização das vidas humanas e uso de substâncias ilícitas são bastante presentes nos oito episódios da primeira temporada. Os heróis, que são vendidos pela mídia como perfeitos e detentores da moralidade, também fazem um paralelo com discursos reais que existem em nossa sociedade, sejam eles feitos por celebridades, influenciadores digitais ou políticos. A sacada dos quadrinhos, que foram transformados em série é: ninguém é perfeito, nem os super-heróis, nem os ídolos da nova geração, e muito menos os governantes atuais. A primeira vista tudo pode parecer muito belo, mas nem tudo que reluz é ouro.


Anne com e


Anne with an E 

Idyane França de Oliveira

Anne with an E (no Brasil, Anne com E) é uma série canadense baseada no livro de 1908, Anne de Green Gables, de Lucy Maud Montgomery e adaptada pela escritora e produtora vencedora do Emmy, Moira Walley-Beckett. A série possui 3 temporadas, dividida em 27 episódios.

A história do livro Anne de Green Gables inspirou outros formatos de se contar a história da menina ruiva, que além da série da CBC, emissora canadense, existe uma animação criada anteriormente, produzida pela Nippon Animation como parte da World Masterpiece Theater, que teve sua exibição original no canal de televisão japonês Fuji Television em 7 de janeiro de 1979 a 30 de dezembro de 1979 com o total de 50 episódios. E esse formato transporta com facilidade o imaginário infantil para Avonlea, através de uma semiótica afetuosa e acolhedora.

A série de Moira Walley-Beckett é de uma poética sem tamanho. Que se vislumbra a cada detalhe, desde a abertura que se constrói através da mimética do real e do pitoresco, conduzida ao som da música "Ahead by a Century” que se encaixa perfeitamente com a temática da série; até a dramaturgia sensível e concisa que ganha corpo e voz a cada misancene, em especial, a da nossa heroína Anne Shirley-Cuthberth, brilhantemente interpretada pela atriz Amybeth McNulty.

A maior parte da trama está centrada na cidade fictícia de Avonlea, na Ilha do Príncipe Eduardo (província Canadense), em que os dilemas vividos pela jovem Anne – luta por amor, aceitação, justiça e por seu lugar no mundo. São caracterizados como os antagonistas da história, representados pelo machismo, racismos, lgbtfobia, bullying, etc. que são compactuados e naturalizados na cidade.

A costura da série se dá de maneira fluída e suave, apesar de algumas cenas nos afetarem, diante da sordidez de algumas ações desumanas. Porém, quando perpassamos pelos dilemas de cada personagem, a juventude perdida dos irmãos Marilla Cuthbert e Matthew Cuthbert, a repressão sofrida pela jovem Diana Barry (melhor amiga da Anne), as dúvidas de Gilbert Blythe (o amor de Anne), entre tantos outros, nos aproximamos e, por vezes, nos identificamos com essas histórias. E como não bastasse, somos conduzidos pelas composições fotográficas, que desperta o desejo de estar em Avonlea, a cada frame é como se ouvíssemos a Suíte n° 1 de Johann Sebastian Bach ao cello, entre o adágio e o allegro. Anne with an E é o verdadeiro sinônimo de encantamento.

Demon Slayer

 


Marielle Ohanna Souto

Kimetsu no Yaiba, ou Demon Slayer, como é conhecida no ocidente, é uma série animada japonesa, que veio de um mangá escrito e desenhado por Koyoharu Gotōge. O anime foi produzido pelo estúdio Ufotable e lançado em 2019, onde ganhou prêmio de “Melhor anime do ano” no Crunchyroll Anime Awards. O anime possui apenas uma temporada com 26 episódios de 24 minutos.

A história começa quando o protagonista Tanjiro ao retornar para sua casa, encontra a sua família morta por oni (demônios), exceto pela sua irmã Nezuko que estava agonizando de dor e se transforma em um demônio. Com a ajuda de Tamioka, um caçador de demônios, Tanjiro consegue parar os instintos de sua irmã e transforma-la em um demônio diferente de todos os outros, e vai em busca do responsável por ter assassinado a sua família, transformado sua irmã em um demônio e a cura para que ela volte a ser a sua irmãzinha.

Kimetsu no yaiba é uma obra nitidamente japonesa não só por ser um anime, mas por trazer tradições japonesas, como os golpes que são inspirado em Ukiyo-e, um estilo de xilogravura e pintura feito em papel de arroz, teatro e folclore japonês, ninjas e uma animação impecável. O anime que é do estilo shounen (gênero de luta), se passa na era Taishô (1912 e 1926) e expandiu a bolha “otaku” e pessoas mais velhas começaram a gostar do anime, acompanhar o mangá e esperar o filme que seria lançado.

O protagonista Tanjiro não é apenas alguém que quer vingança, ele busca justiça e trata os vilões com dignidade, já que os mesmos não foram sempre demônios e não tiveram a mesma sorte que a sua irmã Nezuko. O autor mostra uma redenção dos vilões sempre que são derrotados, expõe as suas histórias e o alívio de não viver mais como um demônio. Kimetsu reforça a importância da família, a união, o amor e a amizade e talvez seja esse o motivo pelo qual o sucesso foi tão grande. A obra é completa pela história, personagens, referências culturais, boa execução de animação, trilha sonora e pela identificação do público. Não se via um shounen e um anime tão fiel a cultura japonesa desde Samurai X.

Pinóquio

 

Mentiras tem pernas curtas

Rayssa Beatriz Bezerra Monteiro

    O drama Pinóquio, veiculado pela emissora SBS entre novembro de 2014 e janeiro de 2015, reúne novamente a roteirista Park Hye-ryun, o diretor Jo Soo-won, e o ator Lee Jong Suk, que trabalharam juntos um ano antes no drama I can hear your voice, o elenco principal também conta com a atriz Park Shin Hye.

    O drama gira em torno de Choi In-ha (Park Shin Hye), uma menina que sonha em ser repórter mas sofre com a doença de Pinóquio, que faz ela soluçar sempre que conta uma mentira, e que por isso é sempre rejeitada nas entrevistas de emprego para os jornais, e também traz a história de Ki Ha-Myung (Lee Jong Suk), cujo o pai que é bombeiro desapareceu em um incêndio que matou toda a sua equipe, e sua mãe se suicidou depois do desaparecimento do esposo, que foi acusado por uma jornalista de ser o culpado da morte de sua equipe e ter fugido. Ha-Myung é separado do irmão e acaba indo parar numa ilha, onde é adotado por um velho que acha que ele é seu filho perdido no mar há 30 anos, Choi Dal-po.

    Com a nova família, Ha-Myung vira irmão do pai de In-ha, um homem que volta a morar com o pai depois de se divorciar da esposa, que é justamente a repórter que acusou o pai biológico de Ha-Myung.

O drama Pinóquio não se distancia da nossa realidade, abordando a corrupção e a forma como a mídia influencia a opinião pública, de forma positiva e negativa, a narrativa é assertiva em mostrar as dificuldades que alguém que não pode mentir, enfrenta por querer ser jornalista, levantando a questão, se o jornalismo é um espelho da verdade, porque um jornalista precisa mentir?

A doença de In-Ha foi inspirada no personagem dos contos de fadas, Pinóquio, porém diferente do menino cujo o nariz cresce ao mentir, In-Ha soluçava se falasse uma mentira, ou se ficasse calada em meio a um assunto que não concordava, e os soluços só paravam caso ela falasse a verdade, porém com o desenrolar da trama, podemos entender que nem toda verdade é absoluta e que o alguém acha ser verdade, pode ser apenas uma interpretação diferente.

O drama cheio de reviravoltas, mostra a luta dos personagens principais que ao conseguirem virar repórteres, tentam limpar o nome do pai de Ha-Myung, e desmascarar um esquema de corrupção por trás de um dos maiores jornais da Coreia. 

É também importante ressaltar que o drama foi lançando em um ano marcado por uma das piores tragédias da Coreia do Sul, o naufrágio da balsa Sewol, que apesar de não ter ligação direta com o enredo do drama, foi apontado que uma das causas do acidente, foi a corrupção de órgãos de fiscalização. Pinóquio discute a negligência e a corrupção de grandes corporações, em meio a uma Coreia fragilizada por esse mal.

O drama nos apresenta In-Ha e Ha-Myung, dois protagonistas diferentes, com problemas diferentes, indo contra um sistema corrupto e opressor, tendo que abrir mão até mesmo da própria família, para se manterem fiéis a verdade e fazer justiça, enquanto encontram um no outro o apoio necessário para enfrentar esses obstáculos.


terça-feira, 24 de novembro de 2020

REVENGE

 


REVENGE

Gilvanise Lourenço de Oliveira


Em setembro de 2011, pela emissora ABC, Mike Kelley presenteia os amantes de séries com um drama instigante pautado na ideia de vingança, cujo argumento inicial é claramente baseado na obra “O Conde de Monte Cristo”, romance de aventura francês publicado por Alexandre Dumas, em 1844, e o enredo entrelaça os principais temas das produções artísticas, sejam da literatura, do teatro, da televisão ou do cinema, tais como: amor, guerra, suspense, intrigas, conflitos e vingança.

Uma criança induzida a acreditar que seu pai era um perigoso assassino, ao vê-lo ser responsabilizado por um ataque terrorista de grandes proporções, tem sua infância destruída e, ao longo dos anos alimenta o desejo de vingança. Quando sai do reformatório, onde passou a maior parte da adolescência, Amanda/Emily (Emily VanCamp) descobre que seu pai, David Clarke (James Tupper), foi vítima de um meticuloso jogo de traições e, com o apoio do especialista em informática Nolan Ross (Gabriel Mann), articula um plano de vingança contra seus inimigos, dentre eles a família Grayson, formada por Conrad (Henry Czerny) e Victoria (Madeleine Stowe).

O suspense da trama e o interesse em descobrir qual será o próximo passo de Emily Torne, prende a atenção e, frente ao sucesso de público, conduz a uma sequencia de 4 temporadas que, sob o olhar crítico de alguns, caberiam perfeitamente em apenas 2 delas uma vez que, apesar de sempre surgirem fatos novos que movimentam os episódios, Revenge se tornou cansativa e entediante e, mesmo pautada em um tema de grande sucesso entre as narrativas audiovisuais e o público, não conseguiu preservar o brilhantismo dos primeiros episódios.