segunda-feira, 26 de novembro de 2018

novo jornalismo


A importância da humanização no jornalismo
Por Cristiane Modesto, Isa Caroline, Júlio Marcel, Marcus Arboés, Pedro Maciel e Taís Ramos.

O repórter Caco Barcellos conta a história de um personagem - Ruan Rocha, que foi tatuado de maneira forçada após tentativa de furto - no programa Profissão Repórter (imagem: Divulgação/Globo)
O jornalismo hoje está totalmente atrelado às evoluções tecnológicas e, com isso, à praticidade. Para atender às exigências trazidas por essa informatização dos meios de comunicação, o jornalista acaba se prendendo ao tecnicismo, deixando de lado, por vezes, a criatividade e os sentimentos que compõem um jornalismo humanizado. Isso não é algo próprio da atualidade e tem sido enfrentado por profissionais da comunicação há muito tempo. Uma, dentre tantos, é a renomada professora e jornalista Cremilda Medina, que defende e luta por uma construção social dos sentidos do jornalista por meio do que a mesma chama de “diálogo possível”, que ocorre quando o jornalista dá voz a personagens anônimos que retratam diferentes realidades e pode ser proporcionada por intermédio dos perfis jornalísticos.
O perfil jornalístico é um gênero inserido no jornalismo literário, onde um personagem terá sua história contada por uma narrativa, liberto das padronizações exigidas pelos veículos de comunicação nas matérias noticiosas e afins.
Esse procedimento é defendido pelo jornalista Ricardo Kotscho no seu livro A prática da reportagem, o qual serve como base para muitos estudantes universitários da área. Na obra, o autor mostra como pequenas histórias podem aproximar o leitor do jornal por causa de uma identificação emocional, assim como dar o poder de voz para personagens anônimos pode ajudar um indivíduo. Isso pode ser visto quando, no livro, Kotscho ressalva seu sentimento, ao exemplificar um caso onde ele ajudou a tirar uma família da miséria: “embora não conste em nenhum manual [...] que o repórter tem, entre outras, a função de acabar com a fome, sempre é bom ajudar alguém com aquilo que a gente escreve” (2000, p. 67).
A frase acima representa a felicidade de Ylanna Pires, 19, estudante do curso de Jornalismo da UFRN, que apresentou um exemplo bem mais próximo a nós, de como o jornalismo pode contribuir com alguém por meio da sensibilidade da história de uma pessoa anônima, no caso, a ambulante Francinete de Macêdo, ou Fran, como a mesma prefere ser chamada.
Ylanna Pires, acadêmica em Jornalismo (foto: Marcus Arboes)
Na matéria publicada no Caderno de Pauta, Ylanna atenta ao detalhe da presença do neto de Fran, um garoto que ajudava a avó durante o dia com o seu trabalho e à tarde ia para a escola. Esse pequeno fato dentro do texto chamou a atenção de um leitor, que conseguiu uma vaga de jovem aprendiz no supermercado Atacadão para o neto de Francinete. Tal informação chegou até Ylanna da melhor maneira possível: um caloroso encontro com a ambulante, que estava com um sorriso incondicional estampado no rosto para agradecer, fazendo a estudante se deixar tomar pelos seus sentimentos sobre a profissão. “Faz 10 anos que eu quero isso para minha vida, mas ali com certeza foi um ponto definitivo para dizer: ‘cara, eu vou fazer isso aqui nem que eu ganhe cinco reais, eu vou fazer isso pelo resto da minha vida!’.”, conta a estudante.
O jornalismo pode ser tão surpreendente que, na mesma turma de Ylanna, está Aécio, um personagem pouco notado, mas que tem uma bela história para contar. Nada mais justo que trazer o relato de alguém que pode exemplificar tão bem o quanto o jornalismo pode aproximar o leitor com uma bela mensagem.
133 quilômetros
“É para sobreviver, eu estou indo para estudar aquilo que eu sempre sonhei”
Quando o relógio da pequena Tacima, no interior paraibano, toca às 6h30 da manhã, Aécio de Oliveira Sousa, 32, se levanta, pois, às 7h00 tem de estar na Secretaria de Educação para trabalhar, isso quando não está auxiliando na coordenação de uma das 14 escolas do município, onde ele encontra funcionários, alunos e ex-alunos (de quando era professor) que o tratam com muito carinho. Depois de cumprir a carga horária de seis horas, Aécio sai às 15h00 de Tacima e se locomove até Passa e Fica, cidade vizinha que fica a cerca de 7 quilômetros, após a fronteira com o Rio Grande do Norte. De lá, ele pega o transporte público e se aventura numa viagem de duas horas e meia para Natal, capital do RN. Ao chegar na Cidade do Sol, Aécio vai para a UFRN, onde estuda jornalismo, curso dos seus sonhos desde a infância, que tem feito valer a pena todo o percurso realizado diariamente. Após a aula ele repete o percurso e, para atravessar a fronteira estadual, precisa pegar uma moto às 00h30 para chegar em casa e se preparar para mais um dia.
Uma distância de 133 quilômetros que não o intimida, pois ele sabe que, apesar das dificuldades, tudo aquilo tem o seu valor. Essa valorização, o estudante aprendeu desde cedo, no ambiente familiar, como conta: “Meus pais, como não têm um grau de estudo maior, me deixaram claro desde criança que sempre tem alguém pior do que eu. Eu vou todo dia, eu tenho o que comer, eu tenho o que vestir, eu tenho um transporte pra ir para Natal”.
Quando questionado sobre tentar morar em Natal e o porquê de ir tão longe tendo outras possibilidades, Aécio explica que seu emprego como secretário da educação em Tacima é estável e que ele recebe bem, mas, como é um cargo comissionado, ele sabe que uma hora terá fim, por isso precisa correr atrás do seu sonho. Talvez fosse mais fácil ir para Campina Grande, que é mais próximo, mas o Estado não fornece transporte, o que atrapalharia todo o planejamento.
No entanto, o principal motivo para tentar uma universidade no Rio Grande do Norte eram as pessoas. Aécio já havia tentado o curso em uma universidade paraibana, mas acabou sendo muito mal recebido, sem falar que ele já era traumatizado com o individualismo e a ganância presente nas personalidades daqueles que conheceu na sua primeira graduação. São as pessoas a razão essencial para Aécio continuar lutando, por mais que sempre tenha sonhado com aquilo, pois, na sua atual turma, diferente do que esperava, ele encontrou uma grande diversidade de “sonhadores”, como ele gosta de chamar os colegas, que o fazem se sentir confortável no ambiente acadêmico e social.
“O maior incentivo é encontrar uma turma parceira, que se preocupa com você, com o ser humano, que incentiva a gente estar na aula, a estar bem e a produzir coisas boas. São pessoas que lhe ouvem, que param para ouvir pequenos detalhes da vida, não só a minha, mas a de todo mundo. Eu acho engraçado... eu me sinto importante na turma”, relata.
Se sentir importante era bem diferente do esperado, pois, como já dito, Aécio estava acostumado a lidar com a prepotência e, na sua fala, ele demonstra o sentimento na surpresa de ter sido completamente o inverso: “Em Tacima eu sou Aécio, já conhecido por várias coisas que faço. E no curso, na turma, eu sou Aécio, eu continuo sendo Aécio, a pessoa que pouco conversa durante a aula, mas interage com todo mundo. Fiquei totalmente feliz, porque eu consegui não ser apenas mais um no meio de uma multidão”.
Aécio de Oliveira Sousa, estudante de jornalismo e coordenador geral de educação do município de Tacima-PB (foto: Taís Ramos)

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