quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

nada ortodoxa

 O preço da Tradição


Nicole Fischer Carvalho

Introdução

A minissérie Nada Ortodoxa, produzido na Alemanha, criado por Anna Winger, Alexa Karolinski,  Deborah Feldman e Daniel Hendler, dirigido por Maria Schrader e distribuído pela Netflix, adapta o livro Nada Ortodoxa: Uma História de Renúncia à Religião, que conta a experiência de Deborah Feldman em uma comunidade judia ultra ortodoxa até sua fuga e seus desafios durante essa trajetória.

A trama gira em torno de Esther, uma jovem recém-casada que vive em uma comunidade judaica ultra ortodoxa em Nova York, que possui regras extremamente restritas de comportamento, vestuário, casamento e padrão de vida, abordando a história dessa personagem e as experiências pessoais da mesma em relação a cada regra imposta sobre ela e os costumes dessa comunidade, sendo o mais marcante e  decisivo para a fuga da personagem para fora desse cenários o casamento e o período de um ano após o matrimonio.

A série começa nos introduzindo a protagonista Esther Shapiro (Esty) que arrumas suas coisas e sai de maneira apressada de sua casa. Em seguida vemos Yakov Shapiro (Yanky), o marido de Esty, indo almoçar na casa de sua mão e perguntando a si mesmo e a família sobre o paradeiro de Esty. A terceira cena confirma as suspeitas dos espectadores, afirmando que Esty, gravida de cerca de um mês, estava fugindo da comunidade judaica para Berlim na Alemanha e gradualmente vamos nos aprofundando no passado de Esty e na comunidade judaica.

Personagens

Na obra, é possível dividir os personagens em 2 núcleos, o primeiro são o dos personagens dentro da comunidade (parentes, amigos, etc.) e o segunda são os personagens que Esty conhece em Berlim (amigos e o professor).

O primeiro núcleo representa o tradicionalismo e a repressão dos atos da protagonista, nele os principais personagens que podemos destacar é o Yanky e Moishe. O marido de Esty, Yanky, possui uma participação e um desenvolvimento importante para a trama. No início, ele é colocado como um rapaz gentil e envergonhado que se mostra animado com o casamento, mas a medida em que o jovem e Esty não conseguem “consumar o casamento”, devido ao desconforto da jovem, juntamente com a pressão familiar de sua mãe e outros familiares, ele vai se tornando cada vez mais grosseiro e bruto com Esty. Yanky ainda sofre uma segunda mudança, nessa ele começa a se arrepender e até corta os Peyot (cachos laterais usado por homens dentro dessas comunidades) para mostrar que vai romper com a tradição para ficar com ela e o bebê.

O segundo personagem importante dentro desse núcleo é o Moishe, ele representa a corrupção dentro da comunidade, visto que ele quebra diversas regras da mesma e mesmo assim é perdoado e acobertado pelo rabino e sua família. Fora isso ele é o responsável por ameaçar Esty de morte caso ela não volte, além de persegui-la e puxá-la a força, isso representa de maneira análoga as ameaças de membros de comunidades ortodoxas a desertores dessas mesmas comunidades, o que é observado atualmente.

O núcleo secundário, representa a liberdade e é responsável por ajudar no amadurecimento e no aprendizado da protagonista sobre o mundo fora de sua comunidade. Nesse grupo é importante destacar Leah Mandelbaum, mãe de Esty, que embora tenha nascido na comunidade, fugiu para a Alemanha ainda quando a filha era pequena e volta antes do casamento da filha para entregar a cidadania alemã a mesma e tentar aconselhá-la, mesmo que ela não tenha ouvido. Essa personagem é importante para mostrar um ciclo que se repetiu de casamento, infelicidade no matrimônio e fuga, mas o que difere a história das duas é que a filha trouxe consigo o bebê ainda dentro da barriga.

Narrativa

A narrativa segue intercalada entre o passado e o futuro em dois grupos diferentes (O de Esty na Alemanha e o de Yanky e Moishe que seguem em busca da mesma), ela vai lentamente nos apresentando o desconforta da protagonista dentro da comunidade, à medida que em somente 4 episódios de 1 hora cada, consegue fazer os espectadores sentir e se apegar as dores e felicidade de Esty, que torce pela liberdade da protagonista e o sucesso no processo para adentrar no conservatório. Entretanto, a narrativa não deixa de lado a perspectiva de Yanky, que desperta no final uma empatia com o público genuína ao se arrepender e em um surto de desespero tentar renegar a comunidade ao cortar os Peyot para ficar com Esty e o bebê.

Aspectos Técnicos 

Nos aspectos técnicos, a série possui um desempenho muito bom, a fotografia condiz com a proposta, as atuações são excelentes principalmente a de Shira Haas que vivência a protagonista, dando alma a mesma e passando um grande entendimento da personagem, modelando de maneira cirúrgica todas as fases da personagem desde o descontentamento e tristeza a surpresa e felicidade. Minha menção honrosa fica para a cena em que Esty vai ate um telefone e liga desesperada para sua avó, o desempenho da atriz nessa cena passa ao espectador a explosão de todo o desespero e ansiedade que vai aos poucos se acumulando na personagem desde sua partida da comunidade. O roteiro se mostrou inteligente ao crescer a narrativa a medida em que vamos nos aprofundando com a personagem. A trilha sonora combina coma proposta e ajuda na construção dos momentos importantes, principalmente nas cenas mais dramáticas.

Apresar de todos esses aspectos serem bons, o que mais foi aperfeiçoado na série é a ambientação e a produção em torno dos costumes e vestimentas, eles foram cuidadosamente pensados e assertivos, desde a contratação de um estudioso da língua Iídiche falada em mais da metade da serie, para ensinar os atores, até a visita e consultoria de pessoas próximas dessa cultura. De longe o momento em que todo esse esforço fica claro é o do casamento, que exigiu uma super produção e um cuidado excessivo da produção com os detalhes.

Temas e Críticas abordados 

Dentro os diversos temas relatados na obra podemos citar como os principais: a pressão familiar, o choque cultural, casamentos arranjados, perseguição e ameaça, isolamento de comunidades, liberdade de escolha, separação familiar, tradição contra modernidade e passado contra presente (histórico). Cada tópico desse, foi explicitado por cenas dentro da trama, alguns de maneira mais critica e outros mais brandamente, sendo a dualidade entre tradição e modernidade relacionado com a liberdade de escolha o mais criticado e o foco principal da crítica da série.

Audiovisual e Contemporaneidade

A produção foi baseada e adaptada a partir da história de  Deborah Feldman, mas ao contrário de que muitas pessoas pensam o causo da autora não é uma exceção rara de ser encontrada, existem diversos casos de pessoas que fogem dessas comunidades de judeus ortodoxos e são perseguidas, essas sofrem do mesmo modo que a protagonista quando vai para Berlim por não ter familiares, dinheiro ou educação adequada para conseguir um emprego e se sustentar, devido a isso muitos desses ex membros passam dificuldades. A questão fica ainda mais seria quando contabilizamos os inúmeros relatos de abusos e violência as mulheres e crianças. Ademais, as jovens que possuem filhos e saem da comunidade em sua grande maioria acabam perdendo a guarda das crianças para os pais ou parentes que ainda estão nas comunidades.

Considerações Finais 

Logo, a obra Nada Ortodoxa embora só tendo adaptado cerca de cinquenta por cento de uma historia real, complementado o restante com ficção, não deixa de refletir uma realidade análoga de varias pessoas, reproduzindo quase a risca os costumes e tradições dessas comunidades, trazendo diversas reflexões profundas e envolvendo o espectador no dilemas da protagonista em apenas 4 horas de serie. Assim, pode-se dizer que a minissérie Nada Ortodoxa é um acerto da Netflix que mexe em questões atuais e polemicas de modo delicado e preciso.


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