sábado, 8 de dezembro de 2018

Cordel em Natal

Dificuldades locais na literatura popular

Por: Dickson Half, Francisco Berilo, Gabrielle Pires, Karoline Melo, Pedro Henrique. 

Sabe-se que a literatura é uma área que embora privilegiada e amada por muitas pessoas outrora, passa hoje por uma notável desvalorização, que é percebida em vários lugares e por pessoas pertencentes a diversas faixas etárias e classes sociais, o que faz dela um espaço difícil para os escritores. Até mesmo renomados autores já afirmaram que o trabalho de escrita não é dos mais fáceis, sendo, inclusive, desgastante, como Carlos Drummond de Andrade nos versos de seu poema “O Lutador”: 

“Lutar com palavras parece sem fruto/ Não têm carne e sangue…/ Entretanto, luto.” 

Devemos ainda lembrarmo-nos que vivemos em um período onde as pessoas têm uma vida agitada, onde o tempo livre é privilégio de poucos e, quando existe, é utilizado para sabermos os eventos ocorridos no mundo ou usado ociosamente nas ferramentas digitais, como o Smartphone e as redes sociais. Esses fatores fazem com que a batalha com as palavras seja cada vez mais árdua, onde o escritor acaba quase sempre perdendo. Sabendo de tais fatos, acabamos entrevistando dois autores potiguares que fazem parte do cenário literário da capital norte-rio-grandense, para que pudéssemos saber mais sobre a situação.

Influências Literárias e Dificuldades

O cordelista Manoel Cavalcante, poeta membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Literatura de Cordel e da Academia de Trovas do RN, nos relata sobre como conheceu esse gênero literário tão comum no século passado e que geralmente aborda sobre o cotidiano do sertanejo: “Conheci o cordel através dos meus pais, que sempre me levavam para cantorias, os festivais de poesia. Comecei a escrever na minha infância, mas só lancei meu primeiro livro em cordel no ano de 2007. [...] Ao todo possuo sete livros, mas em cordel são três.” Ele diz que a influência dos pais, a quem chama de inspiração e motivação natural, foi decisiva para a formação do gosto por essa literatura e afirma como a estrutura familiar pode ser importante para que as pessoas, desde a infância, possam se interessar pela literatura regional.

O autor, que escreveu o livro “Se Fala Assim No Sertão”, ao ser questionado sobre a cultura literária do estado, diz que ela tem evoluído nos últimos anos, embora continue defasada, escassa. Ele fala sobre a necessidade de dar oportunidade e visibilidade aos nossos escritores. Afirma que as maiores dificuldades enfrentadas são na edição, na ausência de políticas públicas para a difusão e valorização do trabalho dele e de outros escritores regionais. Além disso, diz que há uma necessidade de difundir o cordelismo e solidificá-lo como literatura. Questionado sobre as expectativas futuras do trabalho de escrita dos autores da região ele diz que é uma questão sempre nebulosa, e que é melhor que não se fique criando muita expectativa.
  
Questionado sobre o público natalense em relação aos seus escritos, Márcio Benjamim, autor de “Fome”, um livro sobre um apocalipse zumbi que se passa no Nordeste brasileiro, e que teve como influência os livros do americano Stephen King, responde: “Sou muito bem recebido nas feiras e eventos.” Diz ainda que não tem do que reclamar e que o público da capital do Rio Grande do Norte tem gostado. Cavalcante, autor que teve como grande influência os cantadores de viola, os repentistas, é direto ao revelar que o público da cidade “limita-se às escolas que trabalham nossas obras e aos poucos amantes de nossa obra e carreira literária. Nada massificado.”
  
A Cidade que esquece sua cultura

Questionamos os dois autores se a sociedade natalense está esquecendo da sua própria cultura ou se ela está apenas seguindo uma ordem natural das coisas ao seguir o capitalismo e as tendências externas. Benjamim, que revelou gostar de autores como García-Marquez e Marina Colasanti, respondeu: “Infelizmente, até pela história da invasão norte-americana na Segunda Guerra, remos uma memória um pouco complicada em relação à valorização de nossa cultura [...] O escritor acha que é importante que se esclareça, principalmente aos jovens, acerca da cultura local. Cita, ainda, Laurentino Gomes: “você não protege o que não conhece.” A observação é interessante, afinal, como poderemos dizer que defendemos os autores de nossa terra se nem ao menos lemos seus livros? E é por esse motivo que a memória, a cultura e a história queimam, assim como museus que ninguém visita, como aconteceu com o Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

Já Cavalcante diz que existem duas vias: ao mesmo tempo em que a sociedade esquece da própria cultura, também segue o curso natural do capitalismo e do consumismo, o que garante a ela mergulhar em meio às facilidades que não se reconheça. Ele finaliza dizendo que as pessoas não conhecem a própria identidade.

Natal e o empobrecimento cultural

Vemos que o natalense busca se adaptar à globalização, busca uma imersão na cultura e nos ideais e nas ideias difundidas por todo o mundo, não se voltando para as palavras dos conterrâneos. Analisando tal situação, perguntamos aos nossos entrevistados se eles achavam que a capital potiguar passa por um empobrecimento da cultura e se a resposta fosse positiva, quais seriam as hipóteses para tal.

O autor de “Fome”, responde prontamente: “De forma alguma. A cultura popular existe e encontra-se acessível e disposta.” O problema, segundo ele, é que o público, infelizmente, não está disposto a consumí-la.  Sobre isso, continua: “[o público] não vai a eventos gratuitos, não divulga, não compra arte, mas sempre quer cobrar si artista, e isso precisa mudar. Essa coisa que Natal não tem cultura é discurso de dominação que interessa apenas aos aproveitadores!”.

O autor de “Se Fala Assim No Sertão” vê a cidade, em sua hipótese por ser uma capital, como um lugar com uma variedade cultural razoável, diferentemente do interior. “Há opções para todas as tribos”, ele afirma. “No entanto, é claro que é algo muito rudimentar ainda, nada satisfatório.”

Preferência local do que não é local

Perguntado sobre a preferência do público local por livros estrangeiros, Cavalcante responde que é algo latente e notório. Diz que essas pessoas são “cobaias do sistema”. O mercado, com seu caráter impiedoso, afirma o cordelista, faz com que a obra estrangeira chegue, deixando a obra dos autores locais no puro ostracismo. Mais uma vez é o caso da valorização do que vem de fora em detrimento das coisas nativas, o que acontece em diversos segmentos sociais.

Benjamim, vê a situação como um reflexo da falta de divulgação do autor regional. Acha que o escritor além de ter interesse pela publicação de sua obra, deve se informar sobre como vendê-la. Acrescenta: “Da mesma forma, os empresários e o poder público precisam entender que o mercado cultural gera empregos e fomenta o crescimento do Estado.” Por esses motivos, ele diz, o artista das palavras deve ser estimulado, respeitado e pago. Isso nos leva a um debate sobre a valorização dada pelos governantes à literatura e ao estímulo dado aos autores. Finaliza: “Aplausos não pagam boletos.”

Palestras como uma ferramenta de divulgação

Em meio a um país com um índice alto de analfabetismo, inclusive do funcional, que é composto por pessoas que sabem ler e escrever mas não conseguem interpretar, e num lugar onde a literatura é pouco valorizada, ao passo que o consumismo é difundido praticamente desde o berço das pessoas, obviamente os livros só poderiam ser desvalorizados também, pouco procurados e até evitados. Poucas crianças gostariam de ganhar livros como presente de Natal e poucos adultos também. Se a literatura — inclusive a aclamada estrangeira — é rejeitada pelos brasileiros, mesmo em metrópoles, a cultura de uma região específica, ainda mais no Nordeste, onde há taxas altíssimas de analfabetismo e questões sociais como trabalho infantil, fica mais fragilizada ainda.

Uma das estratégias que pode amenizar a situação é o desenvolvimento de palestras sobre literatura popular regional. Perguntamos aos nossos entrevistados se eles costumam participar de tais eventos:

Manoel Cavalcante respondeu que tanto participa como ouvinte, como também ministra alguns desses eventos.

Márcio Benjamim participa e chegou a citar alguns dos eventos a que participou: a Casa das Palavras, o Rio de Leitura, e também feiras de livros. Sobre essas realizações, diz que são “lindos alentos os quais nos relembram da força da nossa literatura. E via de regra contam com a fortíssima presença de escolas, o que me deixa muito esperançoso.

O resgate às obras locais

Perguntamos se haveria alguma forma de fazer a população da cidade do Natal, principalmente os jovens, a voltar ou a começar a ler  as obras dos autores locais.

Benjamim aponta duas grandes falácias sobre a cultura, em sua opinião: que o jovem não gosta de ler e que livro é caro. Para ele são duas afirmações mentirosas: “Jovem gosta sim de ler, só precisa de incentivo e de uma literatura coerente com seus interesses [...]” O escritor reafirma a necessidade de existir mais acesso aos jovens, mas escritores nas escolas, que hajam livros à disposição em locais como cigarreiras e mais pais lendo para que os jovens os copiem. “Livros devem estar em todos os lugares ao alcance das mãos de quem quer que seja.” E ainda cita a cantora, compositora e ilustradora Tulipa Ruiz: “Estímulo influencia.”

Cavalcante concorda plenamente que a população possa voltar ou começar a ler os livros regionais. Para ele esse resgate começa do ambiente escolar, da família, dos pais. Fala ainda da ascensão do escritor e cordelista nordestino Bráulio Bessa, que tem um quadro no programa Encontro com Fátima Bernardes, na Rede Globo de Televisão, e que “isso contribui muito para que as pessoas vejam a literatura regional com melhores olhos.” Assim como Benjamim, Cavalcante crê que o caminho é sempre escola. Ela é uma base que ajuda na formação do aluno, que muitas vezes não tem o estímulo da família para escrever ou ler.

É importante para o progresso social do país que as pessoas leiam a literatura popular, que se interessem por autores que estão acessíveis, que busquem sempre os livros. Como nosso entrevistado Márcio Benjamim diz: “É uma guerra diária, a qual às vezes ganhamos, outras perdemos, mas não podemos nunca desistir.”

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