sexta-feira, 22 de junho de 2018

a febre dos zines




A importância do zine no âmbito cultural.

Por: Ágata Menezes, Eduardo Fernandes, Irlane Lira.

Você tem algo pra falar ou quer ter mais acesso à cultura em forma escrita ou ilustrativa, mas acha que isso não é acessível? Talvez você não tenham ouvido falar em Zine, que nada mais é do que um livreto básico que se pode encontrar de forma bastante acessível e até mesmo fazer os seus próprios de forma simples. O termo “fanzine” deriva da junção das palavras inglesas “fan” e  “magazine”, significando literalmente “revista de fãs”. Sem formato ou padrão estabelecido, o zine se caracteriza por ser uma publicação independente e não oficial. Essa ferramenta está sendo bastante utilizada por artistas independentes com todo o processo de produção cabíveis a eles mesmos e o mais legal: com total poder de experimentação.

É neste cenário de experimentação e mudanças que se encontra o zine “K”, que surgiu a partir dessa concepção underground cultural. Esse projeto editorial independente é escrito por Rodrigo Hammer, jornalista formado pela UFRN, nascido no Rio de Janeiro e radicado em Natal há mais de três décadas, foi repórter do Diário de Natal e depois partiu para a Publicidade, além de também ser tradutor. Hoje é responsável pela manutenção dos sites Natal Post e Portal da Semana, junto ao trabalho como freelancer em marketing para diversas empresas.  Publica zines desde os anos 80, dedicando-se atualmente apenas ao “K”, título que vem da palavra grega kino que significa movimento, cinema. A publicação propõe-se a apresentar um cineasta em cada edição destacando de forma pessoal seus filmes mais importantes, uma pequena biografia, além de curiosidades da vida e carreira do diretor em questão, entre outros temas. A primeira edição foi lançada em novembro de 2013 e, desde então, mensalmente, distribui os exemplares em pontos estratégicos da cidade de forma totalmente gratuita. Na entrevista, Hammer conta sobre sua trajetória e produção do zine.

Edição número 56, a última lançada.

Antes do “K”, você produziu outros zines, fale um pouco sobre eles.

Alimentava o sonho de lançar uma publicação independente com os recursos que tínhamos à época: máquina de escrever, papel ofício, hidrocor preto, cola e tesoura. Com isso e uma máquina Xerox, era fácil empreender nesse sentido. Em 1985, lancei um primeiro zine chamado ‘O Pêndulo’. Versava sobre Cultura em geral (Literatura, HQ, etc) e só ficou no primeiro número, hoje totalmente desaparecido. Depois, movido pela paixão por Rock ‘n’ Roll que cultivava desde 1977, criei junto ao meu primo e parceiro Carlos Henrique Leiros, o ‘The Action File’, primeiro como clube de gravações em fitas K-7, depois como zine mesmo. Vale salientar que, no Brasil, apenas uma publicação independente abordava o tema: o ‘Rock Brigade’, de SP, que depois virou revista. Éramos nós e eles, até onde sei. Seguiram-se o ‘Trench’ – voltado exclusivamente para Heavy Metal – e depois, quando já trabalhava no Diário de Natal, o ‘Zyklon-B’ (Cultura Geral). Acredite que, por causa dele, cheguei a sofrer censura de gente que se escandalizava com as matérias e principalmente com as capas. Mais tarde, já nos Anos 1990, foi a vez do The Brotherhood of Poison (“A Irmandade do Veneno”), este totalmente iconoclasta, dedicado a apontar o lado negro das bandas consagradas de Rock. Descíamos o pau de Beatles a Pink Floyd! Foi quando cheguei a ser ameaçado de morte por diversas vezes. E não estou exagerando...

Profissionalmente você seguiu o caminho da comunicação. Isso foi reflexo do seu envolvimento com os zines ou foi o contrário?

Foi o contrário. Interessava-me por Jornalismo, sugestionado por minha mãe que admirava a profissão. Também herdei o gosto para a escrita, graças a ela. Era uma missivista de mão cheia, cartas de um Português perfeito, longas e muito bem redigidas.

O seu conhecimento de composição e artes visuais veio com a profissionalização? Que diferenças você nota dos zines antigos para o “K” nesse sentido?

Sempre tive olho bom para fotografia e artes visuais em geral. Na adolescência, pintava óleo sobre tela reproduzindo fotos de paisagens. Nesse sentido, era perfeccionista. Depois, já no curso de Comunicação, apaixonei-me por Fotografia e produzi muita coisa legal. Meu trabalho de final de curso, hoje TCC, foi uma fotonovela experimental chamada ‘Numerais’. Toda em p/b, com narrativa contínua – começo, meio e fim. Sem diálogos, trabalhando com noções de absurdo. Foi a única nota máxima da turma, o que irritou quem tinha preferido texto. Engraçado, não? Quanto a diferenças em relação aos zines antigos para o ‘K’, diria que o sentido artesanal da coisa perdeu-se de todo. Hoje, basta um PC, criatividade e paciência. Tenho saudade daqueles tempos.

De onde surgiu a ideia deste zine?

A ideia do ‘K’ surgiu do intuito de empreender uma pesquisa pessoal em torno de 100 cineastas representativos para o Cinema. 100 nomes que conferissem uma visão global à chamada Sétima Arte. Fiz questão de uma triagem bastante criteriosa e imparcial, contemplando todos os continentes, gêneros, sexos e estilos. Sem preferência por A ou B.

No “K”, você fala de cinema, que é algo muito ligado à estética. Como você trabalha a estética do zine? Como foi a criação desse layout que permanece igual ao longo desses anos de publicação?

Visualmente trabalho sobre um template criado de forma autônoma. A ideia era facilitar a edição, apenas preenchendo os boxes vazios da diagramação com os textos no Quark XPress. É isso que faço. Digito diretamente nos espaços da matriz, de improviso, sem rascunho ou texto prévio. É tipo um mergulho de cabeça, uma catarse espontânea movida a Coca-Cola, batata-frita, jujuba e muito, muito chocolate, hoje minhas “drogas” favoritas... [risos].

Como ocorre o processo de pesquisa e seleção de conteúdo do que será publicado?

Para cada cineasta, reúno um número máximo de oito filmes. Assisto-os um a um, dia após dia, até que o ciclo se complete. Isso me dá uma noção global do nome em questão, bem como a oportunidade de descobrir ou redescobrir obras que já esquecera ou não tivera maturidade bastante da primeira exibição. Feito isso, parto para o processo de redação diretamente na tela, como expliquei anteriormente. Basta ter poder de síntese e dominar os segredos dessa arte.

Em quais locais da cidade o zine é distribuído? Para quem tem interesse em obter algum exemplar dos 56 publicados ao longo desses 5 anos, há alguma forma de acessá-los online ou adquirir o zine físico?

Atualmente distribuo, de forma independente, em pontos que vão do Sebo Vermelho à Banca 7ª Arte; da Capitania das Artes aos colégios Marista, Salesiano e Over; do Campus da UFRN e seus setores, àquelas bancas nas imediações do Atheneu. Grátis, faço questão de frisar. Em relação ao acesso on-line, preferi não facultá-lo, já que a ideia é papel de verdade mesmo. Curto muito originalidade e costumo brincar sobre essa “supremacia virtual de milhares de blogs por aí”: por ser o único ou um dos raros a produzir cultura (ainda) em papel, no dia em que resolverem a ele retornar, parto para o digital... Sempre na contramão, é o meu lema.

Apofenia Gráfica, fanzines de Tatiana Azevedo.

Uma oficina de produção de zines começou a ser oferecida no Campus Cidade Alta do IFRN (Instituto Federal do Rio Grande do Norte) neste mês de Junho e deve durar até o final de 2018. A atividade é gratuita e aberta ao público e tem como objetivo estabelecer um diálogo entre cultura, saúde e educação por meio da construção do material estético fanzine. O curso busca também promover a liberdade criativa dos participantes e a sua capacitação para que possam construir seus próprios zines de maneira autônoma.

Um dos ministrantes da oficina é a designer Tatiana Azevedo, de 28 anos. Formada em Design pela UFRN, ela conta que o seu interesse por zines começou enquanto fazia intercâmbio na University of the Arts London (Universidade das Artes de Londres) pelo programa Ciências sem Fronteiras. Lá ela viu as publicações independentes em eventos e uma amiga sua também começou a produzir, o que incentivou Tatiana a construir seus próprios zines. “Comecei a me interessar por ser algo que eu mesma poderia fazer e experimentar, é como uma forma de aprender mais sobre design gráfico e ao mesmo tempo produzir coisas que me interessam”, afirmou a designer.

Atualmente, Tatiana produz o Apofenia Gráfica, um pequeno zine de fotografia analógica. Quando perguntada sobre qual o tema das suas publicações ela responde: “Neles eu brinco de juntar fotos que pra mim fazem algum sentido juntas, criando uma relação entre elas. E a ideia é que o leitor possa brincar de descobrir ou criar essas relações”.

Sobre o formato dos seus zines, a designer afirma que trabalha com a impressão em folha A4 por ser mais fácil e de menor custo e, por fim, com a dobradura a publicação toma a dimensão de uma folha A7. Preocupada com a qualidade das fotografias que formam a fanzine, Tatiana diz procurar um lugar que ela confie para imprimir os livretos, afirmando também que: “A estética do zine foi construída de acordo com meus interesses e referências, as fotografias analógicas são o conteúdo e ao mesmo tempo são a principal estética”. Ela já participou de eventos vendendo suas fanzines por quatro reais, mas atualmente ela produz na para mostrar aos amigos e dar de presente.


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