sábado, 23 de junho de 2018

Terapia larval


Terapia larval revoluciona tratamento de diabetes

Por: Aline Anúzia, Eduarda Fernandes, Isabella Oliveira e Priscila Lima.

As lesões cutâneas são bastante comuns, e geralmente, há dificuldades de cura, em geral naquelas ligadas a diabetes. As feridas, especialmente em idosos, e certas infecções, particularmente com bactérias resistentes a antibióticos de vários tipos, dificultam a recuperação desses ferimentos, levando a riscos de amputação e mesmo ao óbito. Com mais de dez milhões de diabéticos no Brasil, a quantidade de casos de feridas com dificuldades para cura é muito grande.

Várias técnicas têm sido utilizadas para auxiliar na cura de lesões cutâneas, associadas a géis e antibióticos modernos, mas os tratamentos são demorados, caros e nem sempre eficazes.

A observação de que as larvas de certas moscas podem ajudar a limpar ferimentos e apressar a cura levou à chamada terapia larval, que teve seu apogeu entre as guerras mundiais. Após 1945, com o desenvolvimento de vários antibióticos, a medicina deixou de lado o uso desta técnica para o tratamento de feridas.

Em pouco tempo, percebeu-se que os antibióticos levavam à resistência, e que os tratamentos eram caros e resolviam somente parte dos casos, não conseguindo impedir conseqüências graves, como as amputações. Essas dificuldades proporcionaram o ressurgimento do interesse pela terapia larval, a partir da década de 1980. Atualmente, dezenas de milhares de pacientes com feridas de várias origens (diabetes, úlceras, queimaduras, fasciite necrotizante etc.) já foram tratados nos Estados Unidos e em vários países da Europa, principalmente no Reino Unido, Alemanha, Holanda e Suécia. E desde 2011, no Brasil, mais especificamente no Hospital Onofre Lopes, em Natal.


Terapia larval é um o nome de um procedimento médico de ponta no mundo inteiro e que foi trazido para o Brasil, para aplicação em humanos, por uma enfermeira do serviço público brasileiro. Julianny Ferraz é o nome da profissional da saúde que mudou a vida de muitos pacientes que passaram pelo Hospital Onofre Lopes com feridas em estado de necrose grave e que poderiam causar uma amputação.

A enfermeira Potiguar, Julianny Ferraz, recebeu o prêmio Anna Nery 2017, o mais importante prêmio de Enfermagem do Brasil. A profissional foi reconhecida pelo importante trabalho que desenvolve nas pesquisas do tratamento de feridas e terapia larval, no qual possui destaque nacional. Julianny, embora atue na área há 33 anos, ainda se emociona ao relatar a história de pacientes que passaram pelas suas mãos cuidadosas.

A Universidade Federal do Rio Grande do Norte abriga o grupo de pesquisadoras sobre Terapia Larval, onde, desde 2011 se encontraram por meio de interesses em comum e nunca abandonaram a vontade de mudar a vida dos pacientes carentes que passam todos os dias pelos leitos do Hospital Universitário. Porém, a UFRN não as trata como mãe: as pesquisadoras contam que nesses quase 10 anos desde a aplicação do método, nem a Universidade nem a Governança do Hospital nunca às recebeu para conversar sobre o tema e oferecer qualquer tipo de apoio para o desenvolvimento da pesquisa e do tratamento.

O tratamento consiste no uso de larvas de moscas varejeiras para promover o desbridamento biológico, nome dado para o processo em que as larvas comem os tecidos mortos da pele e soltam em sua saliva substâncias que promovem a cicatrização das feridas mais rapidamente que métodos convencionais. Utilizado como tratamento no mundo inteiro, a terapia Larval começou a ser aplicada no Brasil através do trabalho pioneiro da enfermeira Julianny Barreto Ferraz, coordenadora da equipe de feridas do Hospital Universitário Onofre Lopes, em Natal. A prática do Desbridamento Biológico é antiga e atualmente é utilizada como rotina em países da Europa e nos Estados Unidos. Apesar dos benefícios cientificamente comprovados e de ser uma técnica de uso milenar, no Brasil, apenas o Rio Grande do Norte realiza esse procedimento. Para a enfermeira Julianny Ferraz os benefícios que a larva traz são impressionantes para o paciente, para a família e para o SUS, afirma.

 O Desbridamento Biológico consiste na utilização de larvas estéreis da mosca Crysomya Megacephal, espécie de varejeira comum em Natal, em pacientes com feridas causadas por diabetes, úlceras e queimaduras.A técnica atualmente é usada no HUOL no tratamento de pacientes diabéticos, doença que atinge mais de um milhão de pessoas somente no Rio Grande do Norte. As larvas das moscas, após coleta, criação e esterilização em laboratório, localizado no Departamento de Ciências Biológicas da UFRN, são colocadas e mantidas nas feridas por um período de 48 horas. Estas larvas alimentam-se somente de tecido morto, estimulando a formação de tecido de granulação, promovendo a cicatrização da ferida.

A larva tem como função se alimentar do tecido morto e sua saliva possui substâncias que ajudam o tecido a se regenerar, sua urina muda o ph da pele e possibilita uma recuperação mais rápida e completa do que com métodos convencionais utilizados em hospitais.

O tratamento de rotina para a eliminação da pele necrosada de feridas, é comumente realizado de forma mecânica, por meio de raspagem utilizando um bisturi. No entanto, essa prática é muito agressiva e dolorosa para o paciente. Outro meio é a utilização de curativos à base de substâncias como a prata, procedimento que despende um custo altamente elevado para o hospital, além das muitas cirurgias de amputação que chegam a ser feitas devido à gravidade da ferida. São justamente esses fatores que tornam a terapia larval uma alternativa mais viável, tanto do ponto de vista econômico quanto científico e em relação ao bem-estar do paciente.



Desafio dentro dos hospitais

As moscas são consideradas pela maioria das pessoas como seres nocivos ou, no mínimo, repulsivos. Para a enfermeira do HUOL Mariana Abreu Agra, especialista em dermatologia, o principal desafio para a expansão da terapia larval no Brasil é o conservadorismo médico, que muitas vezes prefere um tratamento convencional e se recusam a participar de especializações, seminários e congressos sobre o tema.

Os pacientes têm acesso à terapia larval através da palavra das enfermeiras do projeto, que ao receberem um paciente com uma ferida cutânea em estado de necrose de liquefação – um tipo de necrose onde a pele se encontra “mole”, com mau cheiro e coberta por uma colônia de bactérias – têm o papel de conscientizar à respeito das vantagens da terapia e da possibilidade de não ter o membro amputado. A adesão por parte dos pacientes é 100% positiva, cita Mariana Abreu.

Desde seu surgimento no Hospital Onofre Lopes, a terapia larval foi aplicada em 16 pacientes. Esse número é resultado de um trabalho incansável por parte da pequena equipe de enfermeiras e alunos de graduação, que se dedicam 24h por dia, sete dias por semana, aos cuidados da colônia de moscas do Centro de Biociências, que possui uma alimentação de dar inveja à qualquer inseto: leite ninho, farinha láctea, levedo de cerveja e ração para peixe.

A pesquisadora e professora Renata Antonaci, conta que um ponto marcante para a prática da Terapia Larval foi a possibilidade de se criar a colônia num laboratório próprio, mas que ainda é muito difícil manter os custos da criação das moscas e da manutenção do laboratório, por falta de investimentos e interesse por parte da Universidade. “Acredito que uma pesquisa que mostre o impacto financeiro da terapia larval faria com que a instituição abrisse os olhos para essa alternativa”, conta Renata. Atualmente, uma aplicação de larvas custa para o SUS pouco mais de $5,00, enquanto outras práticas, como a cirurgia, chegam a mais de $1.500,00.

As profissionais promovem cursos de capacitação para profissionais da saúde que se interessam na Terapia, oferecem simpósios, projetos de extensão e todos os métodos possíveis para tornar a prática, uma cultura hospitalar. “A vontade é conseguir aplicar a terapia larval em todos os pacientes que correm o risco de perder o membro por causa de uma ferida, mas não temos recursos físicos, humanos e laboratoriais para isso ainda”, afirma Julianny Ferraz.

As pesquisas caminham para um destino muito promissor na área da saúde que é a validação de técnicas da medicina alternativa, que tem o gosto tanto pela ciência quanto pelo bem estar do paciente. E enquanto contarmos com profissionais que se atualizam, buscam referências históricas e que botam suas idéias em prática compartilhando seus conhecimentos, visões de mundo e desejo de mudar o mundo, podemos manter a confiança numa sociedade mais humana e numa saúde pública mais integrativa.


Um comentário:

  1. Boa Tarde! Excelente matéria. Só o nome da mosca é que está mal, é Chrysomya megacephala

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