terça-feira, 19 de novembro de 2019

Rezadeiras



Tudo é mistério da fé

Jussara Felix e Pedro Afonso

“Me ensine a rezar?!” - diz Ana, popularmente conhecida como Dona Miana. A suplica feita a sua sogra, não foi atendida em vida. “Ela rezava e eu escutava. Mas três palavras eu não entendi. Então, quando ela morreu, eu sonhei um sonho. Me arrepio todinha quando falo nela. Uma voz dizia: ‘a reza é assim...’” 
Dona Miana até que queria mostrar como se reza: “Com rosário, Maria, Ave-Maria, Ave-Ma... ria...”. Mas ela tem um insight e se redime: “Só pode falar quando tiver rezando”. Essa devoção e respeito é o que mantém a tradição viva - assim deixa claro Maria Estevam, mais uma benzedeira da região do Agreste Potiguar.

“Qualquer pessoa ensina aos outros. Eu mesma aprendi com a minha avó. Aprendi a rezar mau olhado. Pra toda doença tem uma reza. Pra desmentidura”, fala a senhora de 70 anos. Maria não reza mais como rezava antigamente. Motivo? Não se sabe... Mas, mesmo assim, ela ainda sabe como se reza: “Primeiro faz o sinal da cruz. O nome do Pai, Filho e Espírito Santo”.

Após uma breve pausa, ela se envolve com os elementos sacros que ornamentam seu lar: imagens de santos, velas e plantas, e continua: “Com dois te botaram, com três eu te tiro. Sai-te quebranto e caninga, vai-te pro mar sagrado”. As palavras são proclamadas em sussurros, de olhos fechados e com o ramo na mão. É um momento sacro, mas há quem ache que é profano.

Desde os 30 anos, Dona Miana media as orações de enfermos em prol de saúde e felicidade. Hoje, aos 72 anos, se arrepende de ter trocado o sítio pela cidade, lá cultivava a terra e tinha privacidade para suas rezas, e a própria tranquilidade. As pessoas da rua onde mora não compreendem sua fé. Por isso, Miana prefere que não saibam que é rezadeira, “se não vão achar que eu faço trabalho”.

Tal percepção não é razão para abdicar da fé, pois Maria diz que com “qualquer ramo sendo verde, pinhão, vassourinha” é possível curar. Até preconceito. Às vezes, pode ser mau olhado. Aliás, segundo a benzedeira, “mau olhado pega mesmo sem a pessoa acreditar”. E emenda: “Mau olhado mata. Tem gente que tem olho mau, que mata bicho”.

Para evitar o mal, antes mesmo do sol resplandecer, às 5h da manhã, Dona Miana reza três Pai Nosso, três Ave Maria e três Santa Maria “pro Coração de Jesus”. E continua: “A oração só pode ser passada de homem pra mulher e de mulher pra homem”. Por quê? “Pra não quebrar a força” - revela.
Ela que se declara católica, vai em contrapartida ao que diz a religião sobre tal prática. Inclusive, há uma divergência na própria doutrina, já que existem sacerdotes que acolhem o costume, enquanto outros recriminam.

A fé católica começou na infância, quando “Minha mãe deu a mim e meu irmão a Nossa Senhora. A gente vivia doente, mais de 6 meses num hospital e graças a Deus nos criamos”. A intercessão de Nossa Senhora das Dores é o que ela acredita ter sacramentado o milagre. Tudo é mistério da fé.

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