terça-feira, 26 de novembro de 2019

De ontem até hoje, eternamente por um fio


DE JESIEL AOS CLOWS DE SHAKESPEARE: 
UMA REFLEXÃO SOBRE O TEATRO EM NATAL

Por Adri Torquato, Allan Almeida, Maurilio Medeiros, Mycleison Costa, Paula Cunha e Ranyere Fonseca

  Embora distante de ribaltas mais poderosas, a cena teatral natalense sempre teve luz própria. Analisando bem a história da “noiva do sol”, veremos que talento artístico nunca foi um problema para ela. Um dos nomes mais expressivos dessa história, ainda nas décadas 70 e 80, foi o do legendário ator, diretor, produtor e professor de teatro, Jesiel Figueiredo (1938 – 1994), que na sua arte era múltiplo e único, um “enfant terrible”.

Obstinado, genial, polêmico e absolutamente apaixonado pelo seu ofício, Jesiel emocionava e conscientizava adultos, enquanto divertia as crianças com suas obras milimetricamente planejadas. Essa expressiva figura dos palcos potiguares faleceu em um acidente de carro, no ano de 1994, mas antes ainda teve de padecer em uma outra “morte”, o despejo do local onde funcionava o seu teatro. Jesiel e seus emblemáticos personagens ficaram sem um lar por falta de condições financeiras para custear o aluguel do imóvel. Esses que, talvez, foi o primeiro sinal de que nas terras de Poti nem sempre o talento segue a mesma direção dos incentivos para o seu cultivo.

Seguindo os passos de Jesiel Figueiredo, outros artistas vêm ao longo dos anos preenchendo os palcos da capital potiguar, seja de maneira independente ou através de grandes grupos de teatro. Francismar da Silva, ator e formado em licenciatura em teatro pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, é um desses jovens atores que mesmo sem incentivo público busca fazer a chama do teatro continuar crepitando em Natal.

Líder da cia. Osloucos.com, uma companhia de teatro independente que realiza apresentações em Natal e na região metropolitana, Francismar conta que iniciou no teatro ainda muito cedo. “Comecei a fazer teatro com 8 anos de idade na escola. Um pouco mais tarde, queria expandir minhas vertentes e foi na faculdade que encontrei meu estilo. Isso aconteceu após a criação de um grupo de teatro entre amigos da graduação”.

Dono de um sorriso fácil e de uma imensa afinidade com o humor, Francismar enxerga no teatro uma função social tão importante que, por vezes, o faz driblar as dificuldades da falta de investimento. “O meu coletivo trabalha dentro de uma comunidade carente circundada pela violência e criminalidade. Vejo nosso trabalho como uma sementinha que estar brigando e resistindo a tudo isso. Desempenhamos o teatro vocacional, que é um tipo de teatro feito pela comunidade e para comunidade. Nele, crianças, pais e jovens se inserem e devolvem os espetáculos que elaboramos juntos. Acredito neste tipo de teatro que inclui as pessoas e as incentiva a fazer algo pela comunidade, para além de ficarem sujeitas à violência”.

Já Dudu Galvão, ator da tradicional companhia de teatro Clowns de Shakespeare, que há 26 anos leva shows aos teatros potiguares e de todo o Brasil, diz que fazer teatro em Natal passa pela arte de saber se reinventar para não sucumbir as dificuldades. “Nossa companhia tem focado mais em ações pedagógicas, em parceria com a prefeitura de Parnamirim, com o projeto de formação de teatro para jovens e adultos, são essas ações que vamos fazendo para que nosso trabalho não perca sua força. Temos sempre de nos reinventar. É um exercício diário. Não podemos depender apenas do poder público, se não a gente morre”.

O Clows de Shakespare é a prova que acreditar na arte como meio de transformação pode render bons frutos. Fundado em 1993, o grupo viveu tempos áureos no início da década passada, contudo, com a crise política e a redução das verbas destinadas a cultura, veio a sofrer assim como muitos outros grupos.  No currículo, os Clowns já levaram alegria a cerca 80 de cidades brasileiras, dentre elas 24 capitais e o Distrito Federal, além de cruzarem as fronteiras do país subindo em palcos portugueses, espanhóis, chilenos, equatorianos e uruguaios.

Dudu Galvão, que assim como Francismar começou cedo no teatro, acredita que a arte é, antes de tudo, uma escolha de vida. “É a forma como eu me vejo no mundo contribuindo para a humanidade. É uma forma de expressão artística, uma faculdade. Um meio de vida que contribui para alimentar a alma das pessoas”. Para Dudu, além de tudo isso, o teatro é também “dia a dia”, “cotidiano” e “muito trabalho”, não só nessas terras de Jesiel, mas em todo o país.

Ele pontua que produzir espetáculos em uma terra onde todos os teatros públicos encontram-se fechados significa “viver na resistência” e estar sempre buscando “ir para a rua”, não podendo se restringir apenas a ideia de um teatro tradicional. Fato que mostra como o teatro ainda segue vivo e buscando trazer alegria para os natalenses, seja com a Clows de Shakespare, os Osloucos.com ou com a lembrança de Jesiel Figueiredo.

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