sábado, 23 de novembro de 2019

Gamboa do Jaguaribe


A questão indígena no Rio Grande do Norte: conversa com Diego Akanguasu, do Sítio Histórico e Ecológico Gamboa do Jaguaribe

Gilvanise Oliveira, Manuela Lima, Marcelo Nascimento; Júlio Castro.


O Sítio Histórico e Ecológico Gamboa do Jaguaribe, popularmente conhecido por Gamboa do Jaguaribe, se propõe a ser uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural). Lá são recebidas muitas pessoas para trocar ideias e elaborar ações sobre questões socioambientais relativas ao estudo de culturas indígenas. Sabe-se que há um déficit muito grande dos estudos sobre o tema no Rio Grande do Norte, que durante muito tempo a ideia da aculturação, da perda cultural foi a que marcou não só a visão da elite política brasileira, mas que foi introduzida na maior parte da população.

O indígena Diego Akanguasu conta que muitos intelectuais como Câmara Cascudo, Darcy Ribeiro, por mais que amassem a causa e os povos indígenas, eram adeptos dessa visão, o que não contribuiu em nada, muito pelo contrário, provam o descaso, a invisibilidade com a diversidade indígena do Nordeste, sobretudo do nosso estado, que é estereotipada para ser entendida sempre como o indígena de 1500, ou o indígena do Xingu, ou o indígena da Amazônia, quando, na realidade, cada povo indígena tem a sua história, passou por suas dificuldades, tem as suas próprias vivências, seus próprios conhecimentos e suas particularidades.

“É o caso das onze comunidades indígenas que existem hoje no RN e que, nesse estado aqui ao lado do Piauí, que somente em 2005 foram reconhecidas as comunidades indígenas desse território mostra, por exemplo, como grupos familiares vão ficar roendo o osso do poder, a gente sabe por ‘a mais b’ o nome dessas oligarquias que estão aí se elegendo, se reelegendo, botando filhos, netos, enfim, isso vem dos golpes que montaram o Brasil. Isso remonta ao período das grandes navegações, do colonialismo, que transformou aldeias em missões, depois em vilas e agora nós somos cidades”, afirma Akanguasu.

O líder ainda diz que eles estão na Zona Norte de Natal mostrando que as capitais são formadas por mão de obra indígena. Fala que estão na Potiretama, na terra dos Potiguaras, numa parte da Pindorama, dessa mata atlântica que já foi destruída mais de 90% e aqui nessa terra de Poti, desse rio grande que se chama Potengi, que corre nessa memória indígena e que é desvalorizada, que é sucateada e que nem sequer é anunciada. Um rio que comporta esse estuário, parte desse estuário, onde mais de 70% das espécies marinhas vem, onde o pescado é o setor econômico mais forte do estado e, ainda assim, continua sendo degradado, como vemos em obras de saneamento, onde se tenta dialogar para que seja principalmente reutilizada a água, que não seja jogada mais de 1000 litros por segundo de água nesse rio, é visto não só o descaso socioambiental, mas o descaso com a memória e com as culturas indígenas, então eles nesse lugar servem como aquela tecla F5 do computador dando aquela atualizada, fazendo a ligação desde o momento desse contato chamado descobrimento, o contato do velho mundo com o novo mundo, até esse momento de hoje, de tentativa de construir uma democracia de participação popular nas decisões, principalmente quando tem a ver com a nossa boa permanência, nossa boa vida, nosso bem viver nesse planeta azul cheio de água que a gente chama de Terra.

“Como diz o camarada da república popular de Maçaranduba, sendo assim chamado em Ceará Mirim, Chico Canindé, antes de pensar em reforma agrária, que é assim um dos problemas centrais do Brasil, a má distribuição, a concentração formada, montada por esse esbulho, temos que pensar na ‘reforma aguária’ e como o cacique Chicão Chupuru falou: ‘A água é o sangue da terra’. Precisamos de água, a água é o nosso elemento fundamental para a gente garantir a nossa vida e está sendo cada vez mais privatizada como a terra já vem sendo nesses 500 anos”, diz Diego.

Ele explica que a miscigenação no Brasil, como em toda parte do mundo, é constante. Cada grupo se organiza de uma forma e tem seus critérios de endogamia e exogamia de se relacionar com pessoas de dentro ou de fora do grupo. Isso entrou no repertório do grupo das pessoas que difundiram a ideia da aculturação como se as culturas fossem petrificadas, como se as pessoas só se envolvessem nos seus núcleos familiares, mas isso não é um grupo étnico. Um grupo étnico tem outras características que o ordena, que o organiza, e não o fator da linhagem sanguínea, da geração. O que acontece na humanidade toda são os fluxos de pessoas, de migrações que vão moldando os grupos. A miscigenação é algo que vem intrínseco com a humanidade. O que acontece nesses 519 anos de colonização é a miscigenação com esses povos que não estavam por aqui, o que também não tira a etnicidade de nenhum grupo, não tira a origem indígena de nenhuma pessoa. Pode aumentar, pode “complexificar”, mas nunca vai retirar.

Questionado sobre a identidade dos índios, Diego Akanguasu disse que as pessoas podem esquecer ou podem ser educadas que ser indígena é somente aquilo que foi estereotipado pela sociedade, mas conhecendo uma das onze comunidades indígenas do Rio Grande do Norte, conhecendo a diversidade indígena do Nordeste, se você for para o Norte, se você for in loco, se você for ver esses povos, irá ver que eles são totalmente distantes daquele antigo livro didático que mostrava o indígena como um boneco produzido industrialmente, sempre com as mesmas características, sempre reproduzindo os mesmos costumes, os mesmos hábitos. Claro que alguns hábitos podem ser resgatados, podem ser valorizados, podem ser reestruturados, ressignificados, e isso tudo tem a ver com movimentos de grupos étnicos, sejam quilombolas, indígenas, ciganos, sejam quais forem estes grupos. A miscigenação é algo humano. Não é algo dos povos indígenas e nem muito menos somente desse período de contato do velho mundo com o novo mundo, como foi assim chamado. Das Américas com a Eufrásia (Europa, África e Ásia).

“Uma coisa que é muito falada, que é muito mal explicada e que é difundida nos livros didáticos, e que até 2005 foi muito falada no RN e no Piauí, que como eu falei são os últimos estados a reconhecerem a diversidade indígena da sua população, essa ideia tinha a ver com a proposta colonial assimilacionista de usar a mão de obra indígena, como até hoje foi feito, desde a retirada do pau-brasil, desde as construções das cidades, das construções das vilas, da própria Fortaleza dos Reis Magos. Nem tudo que existe aqui no Brasil foi a mão de obra indígena, muita gente falou, muitos estudos disseram que o indígena não foi escravizado, até hoje há muitos indígenas escravizados, e a ideia de dizimação é atrelada a ideia de aculturação do assimilacionismo. Se você passa a integrar uma cultura, independente de você ter um conjunto de leis que lhe obrigue a fazer isso, era considerado que você estava aculturado, logo o indígena, a cultura indígena estaria exterminada”, conta.

Diego lamenta que se fala em extermínio, mas não se sabe se esse genocídio é somente na parte cultural ou se tem a ver também com a parte física dos indígenas, porque o que os dados mostram é que a população indígena não decresce, muito pelo contrário, ela só aumenta com o passar dos tempos. A valorização das diferenças, o reconhecimento, o estudo depois da última Constituição de 1988, que passou a tirar essa ideia da aculturação e do assimilacionismo e passou a respeitar não só idiomas indígenas, mas sim toda a sociodiversidade, aí sim vai entender que não é passando a ser cristão, ou passando a falar um idioma europeu, seja ele espanhol, seja ele português, ou então passar a usar roupas ou a adotar qualquer outro hábito que não era de tal grupo, não lhe faz deixar de pertencer a esse grupo. Simplesmente mostra como a cultura é dinâmica e como as coisas se transformam. Quando falam de genocídio e extermínio das culturas indígenas estão pensando nessa transformação cultural, nessa transculturação, que vai dar o nome de aculturação, que tem todo esse desencadeamento político de retirada de direitos dos indígenas, e de golpes e mais golpes, de Cabral da colônia até os candidatos fascistas e antidemocráticos dessa eleição de 2018, para não citar, dar nome aos bois, os latifundiários.

Em 12 de outubro de 2018 ocorreu um mutirão de limpeza do manguezal, o que é um ato simbólico porque o lixo é produzido em larga escala e não vai ser limpando num dia que o problema do lixo irá acabar, mas eles precisam reservar dias, momentos e debatendo essas questões que são importantes para suas vidas em sociedade. Segundo Akanguasu, isso é um fator que eles estão atentos, que tem a ver com demarcação de terras indígenas, com o breque total de alimentação à base de veneno como tem um projeto de lei que quer aumentar de 5lt para 7,5lt de veneno por ano para cada pessoa. São questões que eles pensam e que vão fazendo isso nesses mutirões diários, mensais ou semanais. “Então, a Gamboa do Jaguaribe é um sítio histórico e ecológico destinado ao estudo de culturas indígenas e questões socioambientais”, conclui.

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