quinta-feira, 26 de novembro de 2020

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 Felipe Salustrino

O mundo congelou a menos 150 graus e uma nova "Arca" é necessária para manter o homem e outras espécies vivas sobre a Terra. Entretanto, num mundo pós-apocalíptico, as configurações dessa “Aliança” aderem a outras composições, com aspectos diferentes daqueles narrados no livro de Gênesis. Expresso do Amanhã (disponível na Netflix) mistura sangue, luta de classes e autoritarismo. O Snowpiercer parece estar sob o comando de um déspota, que muito se assemelha ao Grande Irmão, do romance de George Orwell. Não há nada na grande locomotiva de 1.001 vagões que não esteja sob vigilância, manipulação e controle para além de uma realidade já distópica em si.

O trem é dividido em classes. Na frente, estão os bilionários, que usufruem de privilégios, como roupas finas e comida fresca. Na parte de trás estão os fundistas, que vivem de forma clandestina, na mais absoluta miséria. A eles, cabe à luta pela sobrevivência e o desejo de revolução, liderado pelo ex-investigador Andre Layton (Daveed Diggs). Após diversas tentativas de tomar o trem, Layton é chamado para solucionar um assassinato e encontra aí a chance de, finalmente, dar início a tão sonhada revolução.

Melanie Cavill (Jennifer Connelly) é a fiel comissária do Snowpiercier e se diz a serviço do sr. Wilford. É ela quem toma todas as decisões, inclusive, a de congelar e executar supostos desertores da lei e da ordem. Em meio a conflitos sangrentos, Expresso do Amanhã trata da conflituosa e, por vezes, angustiante tarefa de fazer escolhas mediadas pela antítese dos nossos ideais em detrimento de um suposto bem comum.

A primeira temporada se encerra com o episódio em que Melanie salva a locomotiva de um trágico descarrilamento, algo que seria fatal para todos os habitantes do trem. A antítese dos fatos aí parece recrudescer: a personagem que sempre agiu com violência contra a paupérie para “manter a ordem”, se dedica a salvar a vida dessas mesmas pessoas que ali estão (a essa altura o vagão ocupado pelos bilionários já havia se desintegrado do trem e todos os corpos que ali habitavam tinham petrificado).

É bem verdade que a gente pode dizer que o Snowpiercer é uma alegoria da sociedade. A luta dos oprimidos contra os opressores. O indigente contra o egoísta. A necessidade contra a insensibilidade. A locomotiva é luta, mas também é ódio. É violência e ignorância. E mesmo quando alguns se dão conta da tangibilidade daquilo que se imaginava espectro, ainda assim, parece mais cômodo crer que aquele mundo simplesmente é tal qual deveria ser.


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