segunda-feira, 7 de julho de 2025

QUERIDO HONGRANG

 

Dyana Prynce

A série sul- Coreana, criado por Kim Jin-ah no qual escreveu o roteiro, e dirigido por Kim Hong-sun. Recém estreada no Stream Netflix, 2025, vem recebendo muitas críticas positivas tanto da atuação de seus atores quanto pela própria trama que nos envolve misturando mistério, rituais místicos, romance e duelos. Porém muitos, assim como eu, sentiram que o final foi insatisfatório mas no conjunto a obra foi bem satisfatória, contando com uma excelente trilha sonora tais como: Burning Petals. 4BOUT — para mim a melhor música da série —; YOAMJAE. Kwon Jin Ah ; Fate. Tejong ; Unveiled. Choe Jeong In ; Where My Heart Goes. KIM YEON JEONG, que deixou a atmosfera ainda mais próxima do público, fazendo-nos sentir como parte do ambiente.

Querido Hongrang se passa na dinastia Joseon, e conta com um elenco de peso. Em meio a uma onda de desaparecimentos de crianças associado a um ser sobrenatural conhecido como Fantasma Branco, o mesmo não passa de uma peça nas mãos do antagonista da trama o Príncipe Herdeiro Han-pyeong, que utiliza-se de seu codinome “Pintor” para por em prática seus devaneios.. Aos oitos anos de idade Hong-Rang (Lee Jae-Wook), filho de comerciantes poderosos, desaparece sem deixar vestígios, por sua vez sua meia-irmã Jae-Yi (Cho Bo-Ah), que era bem próxima, jamais perde as esperanças de um reencontro. O desaparecimento de Hong- Rag abala toda a família, sua mãe Min Yeon-Ui (Uhm Ji-Won) fica no estadodepressivo no qual se utiliza de medicamentos para se recuperar, seu pai Sim Yeol-guk (Park Byung-eun), embora abalado, decide adotar Mu-jin (Jung Ga-ram) para fazê-lo de seu sucessor, embora sua esposa não esteja de acordo. Após doze anos em meio a buscas einúmeros impostores, Hong- Rag reaparece, agora sem memórias, mas com muitos vestígios que confirmam sua identidade. Embora sua meia-irmã Jae-Yi não acredite, sua ânsia por um reencontro a faz ter sentimentos profundos e confusos, um amor começa a surgir. Mu-jin percebe o que está acontecendo entre os dois e tenta de todas as formas desmascará-lo, mas isso os aproxima cada vez mais. O Hong-Rang, que retorna infelizmente não é o filho legítimo, o verdadeiro Hong-Rang morreu após uma queda e bater a cabeça mas seu corpo fora escondido por uma das empregadas. Este homem que se apresenta como tal, foi criado pela Kkot-nim ex-amante de seu “pai” para destruir a família, mas ela não contava que ele desenvolvería sentimentos por sua irmã, no qual também se apaixona por ele e ambos decidem fugir juntos.

Hong-Rang é apenas uma vítima em meio às mentiras e corrupções daquele lugar cresceu em uma vida de sofrimento, físicos e psicológicos, o mesmo foi um dos meninos sequestrados pelo pintor e seus peões, o qual desejava obter a perfeição e ser um ser divino na terra. Utilizando-se de produtos químicos, queria transformar “seus meninos” telas vivas os marcando com pinturas de talismãs para um ritual ao completar sua coleção. 

Embora sua alma estivesse cheia de traumas, ele decide curá-los ao lado de Jae-Yi, os dois fogem para viver uma nova vida juntos ressignificando tudo o que passou. Porém os produtos, afetam a saúde de Hong-Rang, o qual o faz adoecer e morrer. Mas antes ele mata o ser que tanto lhe causou sofrimento, cortando suas mãos para que enterre de vez dor e sofrimento causado a todos inocentes. Após sua morte, Jae-Yi, sentisse mais forte e expõe as corrupções de sua família, Kkot-nim decide se vingar de Yeol-guk, porém Mu-jin que tanto amou Jae-Yi morre a protegendo-a. Ano depois a mansão que cresceram torna-se um orfanato, mostrando que houve restauração naquele lugar e que todas as dores da alma foram cicatrizadas. Para mim Querido Hong-Rang é uma das melhores séries já produzidas na atualidade. Nos leva a uma atmosfera histórica que nos envolve e nos faz nos comovermos com todos os personagens, deixando as ideias de mentira e verdade serem refletidas de outras maneiras. Uma das melhores indicações para assistir na netflix no momento.

O FABULOSO DESTINO DE AMÉLIE POULAIN

 

Dyana Prynce 

O filme francês “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (Le fabuleux destin d’Amélie Poulain, de 2001, teve seu roteiro escrito por Jean-Pierre Jeunet e Guillaume Laurant, e direção pelo próprio Jean-Pierre Jeunet. Com duração de 122 min. e conta com uma trilha sonora de Yann Tiersen, Amelie Poulain é dos filmes mais singelos e fortes ao mesmo tempo, Ele demonstra as relações humanas de uma forma desinibida e de como elas nos afetam como seres sociais. A fotografia das cenas é um dos pontos mais fortes do filme, o olhar para a simplicidade da vida , de forma lúdica, enxergando beleza nas rotinas do dia a dia. 

Embora seja um clássico que nunca se enjoa, e tenha ganhado inúmeros prêmios, os recursos narrativos que ajudam na composição dos personagens, para a geração atual, parece um tanto estranho e cafona. Ao pararmos para assistir pela primeira vez nos causa um certo estranhismo, chegando a ser tediosa estas tais narrativas. 

Filme estrelado por Audrey Tautou (Amélie Poulain), a história se passa em Paris, onde Amélie é garçonete no Café des Deux Moulins (Café dos Dois Moinhos), uma garota solitária que visita seu pai aos domingos. O início do filme conta sobre sua infância e sua relações com seus pais, uma com nervos à flor da pele, e um pai um tanto que distante, médico que cuidava de sua saúde uma vez ao ano, no qual o contato físico fazia o coração de Amelie disparar e seu pai achar que ela tinha uma doença. Sua mãe morre na porta de uma igreja, ao saírem uma jovem que estava se suicidando cai em cima dela, a vida de Amélie ficou ainda mais solitária o pai se fecha ainda mais. O abandono da infância faz com que Amelie tenha sérios problemas para se relacionar com outras pessoas, em até conhece algumas pessoas, mas nunca dá certo, no fundo ela anseia por ser amada. Ao descobrir um azulejo quebrado como uma espécie de cofre secreto onde um menino deixará uma caixinha com vários coisas de sua infância, em seu banheiro no dia da morte da Princesa Diana, Amelie decide então encontrar seu dono e a partir deste fato outras histórias vão sendo desenroladas. Amelie une um casal de seu trabalho, ajuda um cego a atravessar a rua, ajuda a seu pai a sair de um luto eterno e sair de casa para viver, faz justiça para o funcionário de uma banca de hortifruti onde o dono era abusivo, ajuda a um escritor a divulgar seu livro, escreve uma carta de amor para a vizinha como se os correios a tivesse se perdido na entrega anos atrás se passando por seu marido que a traiu, ela o amava mas carrega uma grande decepção por ele , e deixou de viver. 

Amelie ajudou várias pessoas, mas precisava ser ajudada, ela sofria com tamanha solidão que sentia, ela sonhava com um grande amor em sua vida, na trama o senhor com ossos de vidro que também era seu vizinho é seu maior amigo e apoio neste momento, ele ajudava Amelie a expor o que sentia, uma vez que havia conhecido um rapaz chamado Nino Quincampoix (Mathieu Kassovitz), um jovem com uma história de vida parecida com a de Amélie, também solitário, que coleciona fotografias das cabines fotográficas estações de trem, que são jogadas nas lixeiras, ele trabalha em um sexy shop e as quartas em um trem fantasma, Amelie se identifica com ele, ela se apaixona profundamente por ele. A história mistura fantasia, com a vida real, onde personagens inanimados ganham vida e se comunicam com Amélie e com Nino evidenciando ainda mais as estratégias criadas pelas eternas crianças para driblar a solidão. Amelie decide correr atrás de seu amor e no final eles conseguem viver seus finais felizes um ao lado do outro, eles são daqueles casais que nunca se separam, são tão encaixados perfeitamente que um completa o outro. 

O cenário, a fotografia, as cores, os contrastes, a trilha tornam de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, um dos filmes mais água com açúcar de tão perfeito que é. Amelie pode ser assistido todos os domingos com uma rotina em família, que ele jamais perde seu encanto e essência, cada assistida é uma nova visão, como ela mesma fala no filme “ prestar atenção aos detalhes que ninguém ver”. O vento que faz os corpos dançarem suavemente em cima da toalha da mesa, a quantidade de orgasmos daquele exato momento, a mão que se enfia entre a saca de grãos, o jogar de pedra no Canal de Saint-Martin, entre tantas simplicidades que deixamos passar por não olhar a vida de uma maneira mais lúdica, com um olhar inocente de uma criança. 

O filme é isso, cativante, doce, e humano, mostra as vivências e sentimentos que todos nós temos dentro da gente, cada personagem tem uma parte nossa, que muitas vezes são escondidas, no filme eles são expostos, e colocados para reflexões, o filme é sobre a naturalidade do ser humano, olhado de uma forma encantadora.

sábado, 5 de julho de 2025

Com Carinho, Kitty

 

Marcelo Isaac

Em janeiro de 2025, chegou na Netflix a segunda temporada de Com Carinho Kitty (Netflix), série spin-off da trilogia de filmes Para Todos os Garotos que Amei, também da Netflix. Neste segundo ano, a trama inicia-se retomando os acontecimentos deixados em aberto na temporada anterior, sendo um deles a expulsão de Kitty (Anna Cathcart) da escola KISS e as mudanças que ocorreram na direção e corpo docente em virtude dos escândalos envolvendo a ex-diretora.

Agora, há um foco maior em desenvolver a bissexualidade da protagonista. Para isso, há a adição de mais personagens no elenco e o retorno dos antigos amigos da Kitty. Apesar de positivas para as narrativas secundárias e formulação de conflitos amorosos, algumas questões, como o romance do Quil (Anthony Keyvan) com seu adversário no atletismo ou a aproximação de Yuri (Gia Kim) e Alex (Peter Thurnwald) como irmãos, foram apresentadas de forma rasa, sem muito desenvolvimento.

Sobre o triângulo amoroso principal, é nítido que o os 4 primeiros episódios focam mais na relação da Kitty com a Yuri e em como a protagonista está desenvolvendo sentimentos pela amiga, algo que no decorrer da série foi perdendo relevância para dar destaque, nos últimos 4 episódios, ao romance entre kitty e Min Ho (Sang Heon), explorando, assim, seus dois interesses amorosos.

Outro aspecto positivo, foi a aproximação da personagem principal com suas raízes coreanas. Nesta temporada, a cultura sul-coreana foi mais representada não ficando apenas na superficialidade do k-pop. Além disso, o encontro da Kitty com sua família coreana e seu esforço em aprender o idioma local são pontos emocionantes na história.

Não podemos deixar de lado as participações especiais do Peter Kavinsky (Noah Centineo) e da Margot (Janel Parrish), que trazem conforto para Kitty e os fãs, como também aproxima mais a série spin-off dos filmes Para todos os garotos que já amei, deixando pontas soltas para o grande retorno de Lara Jean (Lana Condor) novamente neste universo.

Com Carinho Kitty mistura alguns clichês Hollywoodianos com elementos de K-dramas e torna-se bem agradável de assistir. Todo o elenco é muito carismático e vai divertir aqueles que gostam de uma história leve e cheia de dramas adolescentes ou são fãs do universo criado por Jenny Han.

Com Carinho, Marcelo

Como Treinar o Seu Dragão (Live Action, 2025)

Jamilly Cristina Araújo da Silva Souza


O live action de Como Treinar o Seu Dragão (2025) emociona ao recontar, com fidelidade e beleza, a jornada de Soluço: um jovem viking que vive em uma vila onde todos são treinados para caçar dragões. Mas ele não se encaixa nesse destino. Frágil, sensível e curioso, Soluço teme não ser suficiente — especialmente para seu pai, o chefe da aldeia, um guerreiro orgulhoso e resistente a mudanças.

Ao encontrar Banguela, um dragão ferido, Soluço toma uma decisão que muda tudo: em vez de capturá-lo, estende a mão. É a partir dessa escolha que nasce uma amizade verdadeira e uma revolução silenciosa. Ele enfrenta o medo de decepcionar seu pai, enfrenta a tradição de sua vila, e se torna corajoso justamente por não agir como todos esperavam.

Tecnicamente, o filme impressiona: os atores remetem visualmente aos personagens da animação, as falas preservam a memória do desenho, e o CGI de Banguela é tão realista que emociona. É impossível não sentir que ele está vivo — cada gesto, olhar e expressão aproximam o espectador da fantasia.

A cena em que o Soluço é salvo por Banguela fecha o ciclo com força simbólica. O homem que desprezava os dragões, o pai de Banguela, tem a vida de seu filho protegida por um — e isso só é possível porque seu filho ousou pensar diferente. A transformação da vila começa com a coragem de um jovem que, mesmo com medo, escolheu fazer o que era certo.

No fim, o filme nos inspira a acreditar que não é preciso gritar para ser ouvido — e que, às vezes, o verdadeiro ato de coragem é ser gentil.

“Pobres Criaturas” (2023)

Sarah Lorena Cruz Fernandes

Dirigido por Yorgos Lanthimos e protagonizado por Emma Stone, a história de Pobres Criaturas gira em torno de Bella Baxter, uma mulher adulta com o cérebro implantado de um bebê. A narrativa segue uma jornada de emancipação, na qual Bella passa da inocência à autonomia, confrontando normas sociais da Era Vitoriana.

A construção visual do longa é um espetáculo à parte, com cenários surreais, figurinos exuberantes e a fotografia que alterna entre o preto e branco e o colorido vibrante para marcar os ciclos da personagem. À medida que Bella percorre diferentes cidades da Europa, seu crescimento é refletido tanto no campo social quanto intelectual. O caminho que percorre compõe um processo de autoconhecimento e libertação — desde a vontade de explorar o mundo, passando pela descoberta da própria sexualidade e pela busca por expandir seus conhecimentos por meio da leitura e da educação até ao descobrimento do seu passado.

Contudo, embora o filme aparente propor uma crítica ao sistema de dominação patriarcal e apresente elementos transgressores, há momentos em que tal intenção parece contraditória. Isso pode ser percebido no período em que a personagem principal passa a trabalhar em um bordel. Ao situar a prostituição como somente um estágio para alcançar a independência financeira de Bella, o filme carece em contextualizar os impactos sociais, políticos e históricos que atravessam essa atividade, especialmente sob a ótica das desigualdades de gênero e classe, reduzindo-a a uma alegoria liberal idealizada da liberdade feminina.

Ainda assim, Pobres Criaturas é uma obra provocativa, que desafia o espectador pela sua linguagem subversiva, experiência estética e protagonista cativante. Com atuações audaciosas e memoráveis, o filme apresenta um conto cômico de ficção científica e empoderamento e oferece uma metáfora sobre uma trajetória de amadurecimento e construção do “Eu”.

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Pousando no Amor

 

SANDY GRAZIELLY BARBOSA DE SOUZA

Dirigida por Lee Jeong-hyo, a série sul-coreana Pousando no Amor (Crash Landing on You), narra um improvável romance entre Yoon Se-ri, uma empresária sul-coreana rica no auge de sua carreira, e Ri Jeong-hyeok, um oficial do exercíto norte-coreano. Tudo acontece quando Se-ri sofre um acidente de parapente e aterrissa acidentalmente em território norte-coreano, a partir daí inicia-se uma trama que mistura tensão política, humor leve e uma emoção profunda envolvendo o casal. O enredo ganha força à medida que os protagonistas, vindos de realidades completamente diferentes, descobrem pontos de conexão que transcendem as barreiras ideológicas e territoriais, sugerindo que há algo universal no afeto humano.

Essa mensagem de conexão é intensificada pelos elementos técnicos da produção, que são primorosos. A cinematografia explora com maestria o contraste entre a paisagem fria e urbana da Coreia do Norte e o luxo primoroso da Coreia do Sul, criando um contraste visual que reforça as diferenças culturais dos personagens como também da política dos países. A trilha sonora, pontuada por baladas melódicas e temas emocionais, acentua o tom romântico e dramático da narrativa, como também amplifica o tom romântico e dramático da história. Soma-se a isso as atuações intensas de Hyun Bin e Son Ye-jin, que conferem ao casal protagonista uma profundidade emocional crescente, capaz de prender a atenção do espectador episódio após episódio.

A imersão na trama também se deve à riqueza dos personagens secundários, que não são meros coadjuvantes. Os soldados norte-coreanos e os vizinhos sul-coreanos trazem momentos de leveza, mas também revelam diferentes nuances sociais, funcionando como espelhos das realidades contrastantes apresentadas. Essa escolha narrativa cria um efeito poderoso: o espectador é conduzido a refletir sobre o absurdo das divisões geopolíticas, sem que isso seja explicitamente discursado. A cada episódio, torna-se mais evidente que o verdadeiro conflito não se dá apenas entre os países, mas entre o desejo de aproximação humana e as barreiras construídas para impedir isso.

Nesse sentido, a série sugere que as transformações mais significativas ocorrem no interior das pessoas — quando decidem olhar o outro com empatia, sem filtros ideológicos ou julgamentos prévios. Por fim, um detalhe que adiciona ainda mais carga emocional à experiência do espectador é saber que, além da ficção, os protagonistas Hyun Bin e Son Ye-jin se tornaram um casal na vida real, atualmente casados. Esse dado dá à narrativa uma camada simbólica de esperança e autenticidade, reforçando a mensagem central da obra: o afeto verdadeiro encontra caminhos, mesmo em contextos aparentemente impossíveis. Pousando no Amor não é apenas uma história romântica; é um lembrete dedicado a nós de que, mesmo entre fronteiras rígidas, o amor pode ser uma forma de resistência

The Ugly stepsister

 

ANNA BEATRIZ FLOR


Já imaginou o filme da Cinderela sendo contada do ponto de vista de uma das meia irmãs? No filme The ugly stepsister, somos reapresentados a história clássica da Cinderela contada do ponto de vista de Elvira, tradicionalmente retratada como vilã, mas que ganha voz e profundidade. Ao invés de ser apenas invejosa e cruel, ela é apresentada como uma jovem insegura, negligenciada e muitas vezes ridicularizada por sua aparência e status. Ao longo do filme, acompanhamos a jornada de transformação da personagem para que ela possa alcançar um objetivo que não é só dela, mas de muitas outras mulheres: casar com o príncipe Julian.

Engolindo larvas de tênia para emagrecer, quebrando o próprio nariz e mutilando o próprio corpo, tudo isso parece supérfluo e necessário para ganhar o coração – e o dinheiro – de Julian. Influenciada inclusive pela própria mãe a abrir mão de toda sua identidade, todo o esforço parece ter valido a pena quando o príncipe, na noite do baile, a nota e a enxerga como bela. Mas por muito pouco tempo. Assim que outra mulher mais bonita aparece, Elvira perde seu lugar e é rechaçada por Julian em questão de minutos.

Completamente frustrada e abandonada, Elvira comete mais e mais loucuras para que o príncipe a escolha como parceira. Assim como nos outros contos de Cinderela, nenhum esforço é suficiente. Todos nós já sabemos o fim da história. O que The ugly stepsister nos mostra e critica é o fato de que a obsessão pelo amor romântico, a submissão e a falta de independência funcionam como prisões para mulheres e nos leva, muitas das vezes, a cometer atos que homem nenhum realizaria. Menos ainda por uma mulher.

No final de tudo, quem cuidou e salvou Elvira, quando o baile já tinha terminado e o casamento da Cinderela com o príncipe ter sido anunciado, foi sua irmã. Assim como na realidade material, em inúmeros momentos de nossas vidas quem nos salva e ajuda também são outras mulheres e as relações que estabelecemos com elas. O que o filme nos mostra de forma bastante clara é que, no fim, o amor de mulheres umas pelas outras é mais do que uma questão de afetos. É revolução.

Julie and the Phantoms

 CACHORROS QUENTES, FANTASMAS E MUITO SHOW

Samara Oliveira

“Julie and the Phantoms” acompanha a história de Julie (Madison Reyes), uma adolescente que perde o amor pela música após a morte da mãe. Tudo muda quando ela conhece Luke (Charlie Gillespie), Reggie (Jeremy Shada) e Alex (Owen Joyner), três fantasmas de uma banda dos anos 90 que morreram de forma inusitada (em uma cena tragicômica envolvendo cachorros-quentes). Apesar do susto inicial, Julie desenvolve uma forte conexão com os três, que fazem renascer nela o amor pela música. Juntos, eles formam uma nova banda, “Julie and the Phantoms”, e descobrem que a música tem o poder de conectá-los ao mundo dos vivos.

Dirigida por Kenny Ortega, conhecido por sucessos como “High School Musical” e “Descendentes”, e produzida por Dan Cross e David Hoge (“The Thundermans”, “Par de Reis”), “Julie and the Phantoms”, é inspirada na série brasileira “Julie e os Fantasmas” (2011), feita pela parceria entre a Rede Bandeirantes e a Nickelodeon Brasil. Desde o primeiro episódio, a produção encanta com sua estética vibrante, repleta de cor, brilho e energia, além de efeitos especiais bem utilizados principalmente durante as cenas musicais, um dos pontos altos da série.

Visualmente, Julie and the Phantoms chama atenção pela iluminação e pelas cores vivas que acompanham as emoções dos personagens, pelos figurinos criativos que refletem a personalidade de cada um, misturando estilos de diferentes épocas com um toque moderno e por cenários dignos de nota que, em conjunto com outros elementos, contribuem para tornar o universo da série único e alimentar seu clima mágico. A mistura entre passado e presente aparece tanto na estética quanto nas relações dos personagens, que atravessam barreiras de tempo, vida e morte para se apoiar mutuamente.

A trilha sonora original é uma dos elementos mais memoráveis da série. Com composições que transitam entre o pop-rock e o musical contemporâneo, músicas como "Edge of Great", "Bright” e a tocante "Unsaid Emily", que arrancou lágrimas do público, impactam e emocionam. As canções estão intrinsecamente conectadas com as cenas e os sentimentos dos personagens, funcionando como uma extensão de suas vozes e dores.

A série alterna suavemente entre o drama e o humor, explorando temas profundos como o luto, a amizade, a busca pela identidade e a coragem de seguir em frente. Há também um comprometimento com a representatividade, tanto étnica (a protagonista é latina!) quanto afetiva, com destaque para o arco do personagem Alex, que protagoniza um romance LGBTQIA+ tratado com naturalidade e respeito.

Apesar de seu potencial, da sua qualidade técnica e de ter sido amplamente bem recebida pelo público, “Julie and the Phantoms” foi cancelada pela Netflix após apenas uma temporada, deixando pontas soltas na narrativa e partindo o coração dos fãs que até hoje esperam por uma continuação. Ainda assim, Julie and the Phantoms permanece na mente e no coração dos fãs, graças ao seu carisma, visual marcante e uma história envolvente que celebra o espírito transformador da música.

quinta-feira, 3 de julho de 2025

HOMEM COM H

Victória Dorneles


O filme retrata a história do cantor e multi artista Ney Matogrosso ao longo de sua carreira artística em um longa ficcional biográfico ou, mais comumente chamado, uma cinebiografia. Na infância, Ney, interpretado por Jesuíta Barbosa, é um garotinho que já dava sinais de uma certa admiração pela arte, porém era fortemente reprimido pelo pai Antônio, um militar estrelado por Rômulo Braga. Por outro lado, a doçura e acolhimento da mãe Beíta, dona de casa representada por Hermila Guedes, mantinha a chama da verdade do menino acesa. O longa apresenta desde a descoberta vocal do artista em um coral local, passando por Secos e Molhados, até a sua consolidação enquanto artista aclamado pelo público.

A obra cinematográfica que custou cerca de 18 milhões de reais (Adorocinema, 2025) teve uma das melhores bilheterias do cinema brasileiro atual, sendo comparada ao sucesso de Ainda Estou Aqui nos cinemas. Recentemente foi lançado em streaming e se tornou o filme mais assistido da plataforma Netflix em apenas 4 dias (Terra, 2025), o que já seria esperado para um filme de excelência filmográfica, fotográfica, figurinista e dramatúrgica como o Homem com H.

Um dos pontos mais interessantes da obra é a presença dos recursos musicais. As músicas de maior sucesso de Ney Matogrosso fazem uma verdadeira ocupação na trilha sonora do filme e trazem para a filmografia recursos da estética teatral musical. Além disso, a dramatização do filme consiste principalmente nas relações pessoais do personagem principal, como com a mãe Beíta, o pai Antônio, o outro grande artista brasileiro Cazuza (Julio Reis) e com o amado ex-marido Marco de Maria (Bruno Montaleone).

Ao longo da obra, Ney é retratado como um personagem que percorre uma jornada filosófica (do animal ao homem, da manifestação ancestral à contemporânea, etc.), onde busca uma conexão com as suas origens rumo a sua humanização através da sua arte. E o título do filme não é por acaso! Ney foi um verdadeiro homem com H maiúsculo (como se diz em um jargão popular), se defendeu, não ofuscou suas verdades, não abandonou seus amores, sejam eles sua música, a mãe ou Marco de Maria - parceiro que foi cuidado pelo artista até a sua morte. Mas o principal fator de destaque do protagonista é que ele não abandona e nem trai a si mesmo ao longo da trama, contornando todas as situações com uma retórica e um jogo de cintura impagáveis, dignos de um verdadeiro herói.

Homem com H fala sobre resiliência, força, audácia e superação de si próprio. O personagem não deixa para trás quem ama, não cai em contextos furados e preserva asi mesmo com a consciência de quem sabe que simboliza muito e liberta vários. Ney Matogrosso é um dos gigantes que construiu a música brasileira e essa cinebiografia sobre a sua vida deixa isso ainda mais explícito.

Gilmore Girls


  Louise Chacon

 

How can a person know everything at 18 but nothing at 22? é uma pergunta que a cantora norte-americana Taylor Swift faz na música Nothing New, expressando um sentimento comum entre jovens no início dos seus 20 anos: a sensação de estar “perdido”. A letra da canção se encaixa perfeitamente em uma das protagonistas da série Gilmore Girls (2000): a Rory Gilmore.

A produção, que é vinculada à Netflix, fez sucesso mundialmente nos anos 2000 e faz até hoje, inclusive no Brasil. Gilmore Girls aborda o cotidiano de mãe e filha das personagens Lorelai Gilmore e Rory Gilmore, respectivamente. Já no primeiro episódio, entendemos a história das duas, sem muitos detalhes. Lorelai ficou grávida aos 16 anos e, buscando sair do ambiente familiar que ela considerava opressor e recusando se casar, fugiu da casa dos pais e se mudou para a cidade fictícia Stars Hollow, em Connecticut. Lá, foi acolhida pela pousada Independence Inn, onde trabalhou até conquistar o cargo de gerente. A série se caracteriza pelas falas rápidas e o humor repleto de referências a músicas, livros, filmes e personalidades de destaque em diversas áreas.

Gilmore Girls é classificada como comédia e drama, sendo assim, diversas vezes soltamos risadas com as piadas da Lorelai; o sarcasmo de sua mãe, Emily Gilmore, e com personagens caricatos. Mas também choramos com os dramas familiares e as dificuldades dos relacionamentos amorosos. Para as jovens que se identificam minimamente com a Rory – por exemplo, devido à paixão pelos livros ou o sonho de cursar jornalismo –, a série toca em um lugar bem mais profundo. Rory sempre foi compromissada com seus estudos e uma leitora voraz, tendo se destacado no ensino médio na renomada escola Chilton e na universidade de Yale – mas, aqui, as coisas já começam a desandar. Vemos suas dificuldades em acompanhar o ritmo universitário, o primeiro feedback negativo de sua vida no exercício do jornalismo e, mais tarde, a primeira rejeição no mundo corporativo, quando ela não é aceita para trabalhar no jornal The New York Times, já no final da faculdade.

As decepções entre os fãs da série são muitas. Especialmente pois a garota prodígio da série não tem o final que muitos esperavam para ela. É, no entanto, uma série que retrata fielmente algo que acontece na vida real. Rory decide seguir uma profissão difícil, a de jornalista, e não lida bem com críticas ou incertezas. Lorelai e Rory, além de outros personagens que se relacionam diretamente com elas, são figuras com acertos e erros, e transparecem bem as dificuldades da vida adulta. Por isso, é um seriado que não mostra o que queremos ver, mas sim a vida como ela é.

Maligno

CARTA DE AMOR AO TERROR

Felipe Renier

Em 2021, Maligno marcou o retorno do James Wan ao terror após um longo período dedicado à direção de Aquaman. Durante a divulgação, o diretor, conhecido por dirigir o primeiro 'Jogos Mortais' e comandar a franquia 'Invocação do Mal', revelou que este seria o seu projeto mais ousado, do tipo que só poderia ser feito uma vez na carreira. A declaração despertou curiosidade, já que o material promocional apontava para a fórmula usual de sua filmografia: o uso de cores frias para retratar uma trama sobrenatural repleta de entidades demoníacas saltando sob a tela.

De fato, todos os elementos característicos do James Wan estão presentes aqui, mas o diretor vai além. O que ele faz em Maligno é um exercício de gênero que só poderia ser realizado por alguém que conhece profundamente o cinema de horror, como uma espécie de carta de amor ao estilo que o consagrou.

Na trama, a enfermeira Madison Mitchell (Annabelle Wallis) passa a ter visões terríveis de assassinatos cometidos por uma misteriosa e amedrontadora figura de cabelos longos. A princípio, a jovem acredita que essas visões são apenas pesadelos, mas logo percebe estar testemunhando eventos reais. Atormentada, ela descobre que esses crimes têm relação com Gabriel, seu amigo imaginário de infância, que por algum motivo retornou para assombrá-la.

O roteiro, assinado por Akela Cooper a partir de uma ideia de Wan e Ingrid Bisu, é muito competente em brincar com a expectativa e prender a atenção através dos mistérios do enredo. Com ritmo frenético e repleto de reviravoltas, o filme começa como um terror sobrenatural, depois incorpora o thriller policial, passeia pelo slasher, flerta com o giallo, até que em seu terceiro ato abraça o absurdo através de um body horror magnífico capaz de deixar o espectador boquiaberto, tamanha reviravolta deliciosamente absurda da história, que contém ecos do cinema de Frank Henenlotter, conhecido pelo uso de efeitos práticos para criar o horror grotesco.

Uma das principais forças de Maligno é a direção habilidosa de James Wan. Ele demonstra total domínio ao construir uma atmosfera crescente de suspense e tensão, entregando cenas visualmente marcantes, como as que retratam as visões de Madison, feitas com recursos visuais inventivos. O diretor também retoma técnicas características de sua filmografia, como o engenhoso movimento de câmera que percorre os cenários de forma criativa. Um dos grandes destaques é o plano-sequência visto de cima, que acompanha a protagonista correndo pelos cômodos da casa em uma perseguição eletrizante. Ao mesmo tempo, Wan prestahomenagem a mestres do gênero, como Sam Raimi, ao adotar a técnica de filmagem shaky cam, criada pelo diretor no clássico Uma Noite Alucinante (Evil Dead, 1981).

A trilha sonora de Joseph Bishara colabora para a atmosfera onírica da história. A fotografia de Michael Burgess e o design de produção de Desma Murphy enriquecem a estética, com referências visuais aos thrillers italianos dos anos 70, como Suspiria, o clássico de Dario Argento, influência clara de Wan na elaboração o projeto, perceptível no uso do contraste entre vermelho neon e azul-esverdeado em determinadas cenas.

O elenco é competente, com destaque para a protagonista Annabelle Wallis, que transmite a vulnerabilidade e o medo que seu personagem exige. George Young e Michole Briana White também brilham como os intérpretes da dinâmica dupla de detetives responsáveis pelo alívio cômico do filme.

Ao subir os créditos finais, é possível entender o porquê James Wan considera Maligno’ como o seu projeto mais ousado. Trata-se de um filme ambicioso, que só pôde ser realizado e lançado em amplo circuito comercial graças ao prestígio que o diretor obteve ao longo dos últimos anos. Ainda bem. Caso contrário, seríamos privados de prestigiar um dos mais brilhantemente ultrajantes exemplares do gênero nos últimos anos e, talvez, a obra mais autoral do diretor. É uma fita feita por um fã de terror para fãs de terror.

Diferente de Invocação do Mal, que foi unanimemente bem recebido pela crítica e público, ‘Maligno’ foge do convencional, e o resultado é um filme que certamente divide opiniões. Isso se deve, principalmente, ao fato de exigir uma suspensão de descrença que nem todos estão dispostos a ceder. Ainda assim, é altamente recomendável, principalmente aos fãs fervorosos do gênero. Ao fim da sessão, dificilmente o espectador sairá indiferente à experiência. É exatamente por isso que ele merece ser visto.

Como Treinar o Seu Dragão (2025)


André Luís Araujo

O live-action “Como Treinar o Seu Dragão” (2025), dirigido por Dean DeBlois — também responsável pela elogiada trilogia animada —, inaugura uma nova etapa da franquia baseada nos livros de Cressida Cowell, agora sob o desafio de transpor para o realismo cinematográfico uma narrativa profundamente marcada pela fantasia visual e pela estética da animação.

A história mantém seu núcleo temático: a jornada de Soluço, um jovem viking que desafia as tradições bélicas de sua aldeia ao se aliar a Banguela, um temido Fúria da Noite. Mais do que um enredo sobre amizade, o filme evoca temas caros ao imaginário contemporâneo, como alteridade, empatia, superação de estigmas e resistência a discursos hegemônicos — aspectos que podem ser lidos como metáforas socioculturais, sobretudo quando se observa a relação do protagonista com o “diferente”.

A adaptação de 2025 se destaca por sua fidelidade emocional à obra original, mas com nuances atualizadas. A estética realista amplia a imersão e humaniza os personagens, contribuindo para o engajamento de novas gerações e para a ressignificação do universo dos dragões. Em termos narrativos, o filme mantém a estrutura clássica da jornada do herói, porém investe em simbologias visuais e na expansão do mundo ficcional, articulando tecnologia digital de ponta com um discurso sensível e inclusivo.

Do ponto de vista midiático, a obra é reflexo de uma tendência consolidada em Hollywood: a reelaboração de narrativas consagradas sob novas linguagens para fins de atualização cultural e expansão de mercado. A campanha de divulgação do filme foi marcada por forte presença digital, com trailers viralizados nas redes e ativações em plataformas de streaming, o que reforça o papel da indústria cinematográfica na construção de produtos transmídia e na renovação do capital simbólico de franquias consolidadas.

Por fim, “Como Treinar o Seu Dragão” (2025) se apresenta não apenas como um espetáculo visual, mas como um objeto cultural relevante, capaz de mobilizar valores afetivos, éticos e políticos junto a públicos diversos. Ao equilibrar nostalgia, inovação tecnológica e pertinência temática, o longa reafirma a potência narrativa do cinema juvenil e sua importância como campo de estudo no jornalismo cultural e nas análises da indústria do entretenimento.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

GAROTA EXEMPLAR

  


LARISSA BEZERRA DA SILVA


Garota Exemplar (Gone Girl, 2014), dirigido por David Fincher e baseado no romance homônimo de Gillian Flynn, é daqueles filmes que nos prendem pelo enredo, mas nos marcam pela inquietação que deixam ao final. O longa apresenta uma construção meticulosa do suspense e da narrativa, com um roteiro afiado e uma estética fria que reforça o distanciamento emocional dos personagens – marcas características de Fincher.

A trama acompanha Nick Dunne (Ben Affleck), um marido aparentemente comum cuja vida vira de cabeça para baixo quando sua esposa Amy (Rosamund Pike) desaparece no dia do aniversário de casamento. A partir daí, o filme desenvolve não apenas uma investigação policial, mas uma profunda análise sobre aparências dentro de um relacionamento, com reviravoltas imprevisíveis que mantêm o espectador em constante estado de alerta.

Do ponto de vista técnico, Garota Exemplar é muito bem-feito. A montagem das sequências é brilhante, unindo passado e presente de forma natural, mas ainda assim surpreendente. A trilha sonora também se destaca: discreta, porém extremamente eficaz — ora silenciosa e tensa, ora inquieta e quase hipnotizante, especialmente nas cenas conduzidas pela narrativa de Amy.

Além dos aspectos técnicos, as atuações merecem atenção especial. Ben Affleck, com sua expressão contida, combina perfeitamente com a ambiguidade do personagem Nick. Já Rosamund Pike rouba a cena com uma atuação complexa, misteriosa e ameaçadora — um desempenho marcante, que a coloca facilmente entre as grandes personagens femininas do cinema atual.

Apesar de toda essa excelência, o final deixou um gosto agridoce. A construção do enredo cria uma expectativa de um desfecho mais explosivo ou conclusivo, e o que recebemos é, na verdade, um encerramento que parece inconcluso. Não por falta de resolução, mas pela sensação de que o filme caminha para algo mais grandioso, apenas para parar e nos deixar no desconforto. Pode-se argumentar que essa era a intenção – mostrar o aprisionamento emocional e psicológico de um casal cuja relação virou um campo de batalha silenciosa –, mas, na realidade, causa um sentimento de que faltou um passo a mais. O filme parece flertar com a ideia de uma continuação, mesmo que talvez não tenha sido essa a proposta original.

Mesmo com esse desfecho, Garota Exemplar é um filme envolvente, elegante e incômodo — uma combinação que contribui significativamente para seu impacto. É impossível ignorar o brilhantismo técnico e a densidade temática da obra, que vai muito além do mistério do desaparecimento. Trata-se de um thriller psicológico de alto nível, uma dissecação brutal — e estilizada — do que significa compartilhar a vida com alguém.

The Big Bang Theory


 Entre os dois mundos

 

Por Tiago Eneas

 

Em The Big Bang Theory (2007 - 2019, criada por Chuck Lorre e Bill Prady), acompanhamos o cotidiano de Sheldon Cooper (Jim Parsons) e Leonard Hofstadter (Johnny Galecki), dois brilhantes físicos que conseguem solucionar os mais sofisticados problemas da ciência, mas que ainda não desvendaram uma grande questão: como socializar adequadamente. Além dos dois personagens principais, o astrofísico Rajesh Koothrappali (Kunal Nayyar) e o engenheiro Howard Wolowitz (Simon Helberg) também são dois elementos essenciais para a história.

O cotidiano dos quatro altera-se profundamente quando Penny (Kaley Cuoco), uma garçonete aspirante à atriz, muda-se para o apartamento ao lado de Sheldon e Leonard. Ela é sociável, popular e descontraída, diferindo fortemente dos quatro cientistas desajustados. As personalidades distintas e complementares desse grupo proporcionam um núcleo cômico que orbita entre a inclinação acadêmica – e ao mundo nerd –  e uma vida social mais agitada. A posterior inserção de Amy Farrah Fowler (Mayim Bialik) e Bernadette Rostenkowski (Melissa Rauch) também contribuem diretamente para essa lógica.

Os cenários principais da série são o apartamento de Sheldon e Leonard e a Universidade em que trabalham (a Caltech). Não há qualquer trilha sonora, com exceção da tradicional abertura, fazendo com que o principal som sejam as risadas da plateia, o que indica, de certa forma, os momentos humorísticos no episódio (como é típico de sitcoms). As filmagens evitam ângulos muito subjetivos e conservam, normalmente, uma certa neutralidade.

Inicialmente, cada personagem parte de um estereótipo mais ou menos explicitado: Sheldon é o gênio apático, totalmente alheio ao sentimento dos outros; Leonard é um cara boa praça, mas sem muito jeito; Howard é o “engraçadão” e pretenso mulherengo; Raj é o nerd incapaz de falar com mulheres e Penny é a loira burra. O que, em princípio, parece unidimensional, é rapidamente superado em virtude da profundidade e das características únicas de cada um deles.

A produção conta com um vocabulário simples e acessível mesmo quando aborda conceitos ou definições científicas – com exceção de Sheldon, que intencionalmente possui um linguajar complexo e até mesmo caricatural – , algo que facilita a compreensão e imersão do espectador. As cenas dramáticas e os arcos de romance adicionam uma carga adequada de drama, contribuindo para uma narrativa mais densa.

A jocosidade se constitui, principalmente, com base nas piadas e nas interações incomuns dos personagens. Vale ressaltar, contudo, que muitas dessas tiradas, como as de Howard, poderiam não ser bem vistas hoje, principalmente pelo teor machista e misógino – mesmo que isso seja uma etapa necessária para a desconstrução do personagem que, como mencionamos, parte de um arquétipo.

 No que tange à mudança dos personagens, é inevitável destacar o fato de que Raj não amadurece tanto como os outros três. Sheldon se torna muito menos robótico, mais empático e menos egoísta; Howard – o que mais muda dentre os quatro – torna-se alguém completamente diferente, abandonando suas piadas problemáticas e atingindo um grau mais elevado de independência emocional; Leonard consegue, de certa maneira, trabalhar seus traumas emocionais e consolidar seu relacionamento com Penny. Koothrappali, por sua vez, parece lidar com os mesmos problemas do início ao fim, sem muito progresso. É um fato que ele consegue falar com mulheres, mas mostra uma imaturidade característica do personagem que também era na primeira temporada. Não consegue estabelecer um relacionamento por essa falta.

Por fim, pode-se dizer que The Big Bang Theory é apaixonante, tanto em relação aos erros quanto aos acertos. O que em princípio poderia ser nichado, agradável somente aos “nerds”, furou a bolha. Por meio de personagens cativantes e complexos, a série aborda conflitos humanos de uma maneira palatável para todos os públicos.

Os Incompreendidos

 


Pedro de Luna

Em Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, 1959), François Truffaut não apenas estreia como diretor, ele inaugura uma nova forma de fazer cinema. Marco inaugural da Nouvelle Vague, o filme é, antes de tudo, uma declaração pessoal: autobiográfico em essência, político em subtexto e profundamente poético na forma. Por meio de Antoine Doinel, seu alter ego interpretado por Jean-Pierre Léaud, Truffaut dá voz a uma geração de crianças invisíveis, aquelas que crescem sem escuta, sem espaço, sem direção.

Antoine é um menino comum, mas essa é justamente a tragédia. Porque ser “comum” numa sociedade que exige submissão e não escuta as angústias da infância é uma condenação silenciosa. O menin iva colaboram para um realismo poético que rompe com o cinema clássico e aproxima o espectador da verdade emocional do personagem. A Paris filmada por Truffaut não é idealizada, é fria, indiferente, melancólica. A cidade grande, com seus becos e muros altos, funciona quase como uma prisão simbólica para aquele que só quer correr, brincar, pertencer. A atuação de Jean-Pierre Léaud é um dos maiores trunfos do filme. Ele não interpreta Antoine; ele é Antoine. Seu olhar não tem a malícia dos atores infantis moldados por Hollywood, mas carrega uma autenticidade desconcertante. Em sua revolta, há fragilidade.

Em sua fuga, há desespero. Em seu silêncio, há perguntas sem resposta.

A cena final é uma das mais célebres da história do cinema. Antoine foge do reformatório e corre até o mar, que, até então, ele nunca havia visto. A câmera o acompanha numa longa sequência, até que ele para e olha diretamente para nós. Truffaut congela a imagem, nos forçando a encarar aquele olhar. É um momento de suspensão, onde tempo e narrativa se interrompem, e tudo o que resta é uma pergunta muda: e agora? A fuga foi real, mas a liberdade é possível?

Os Incompreendidos não oferece soluções. Tampouco tenta redimir a dor com algum tipo de final feliz. O que ele faz, com delicadeza e força, é nos convidar a escutar o que normalmente ignoramos: as dores invisíveis, os gritos abafados, a solidão cotidiana de umainfância que amadurece cedo demais. O filme não julga Antoine. Julga o mundo ao redor dele.

Mais do que um clássico da Nouvelle Vague, Os Incompreendidos é uma aula de empatia e um espelho desconfortável. Truffaut nos mostra que crescer, em muitos casos, é aprender a sobreviver aos adultos. E que, se quisermos realmente compreender a juventude, talvez devêssemos começar por calar um pouco, e ouvir de verdade