quinta-feira, 3 de julho de 2025

Maligno

CARTA DE AMOR AO TERROR

Felipe Renier

Em 2021, Maligno marcou o retorno do James Wan ao terror após um longo período dedicado à direção de Aquaman. Durante a divulgação, o diretor, conhecido por dirigir o primeiro 'Jogos Mortais' e comandar a franquia 'Invocação do Mal', revelou que este seria o seu projeto mais ousado, do tipo que só poderia ser feito uma vez na carreira. A declaração despertou curiosidade, já que o material promocional apontava para a fórmula usual de sua filmografia: o uso de cores frias para retratar uma trama sobrenatural repleta de entidades demoníacas saltando sob a tela.

De fato, todos os elementos característicos do James Wan estão presentes aqui, mas o diretor vai além. O que ele faz em Maligno é um exercício de gênero que só poderia ser realizado por alguém que conhece profundamente o cinema de horror, como uma espécie de carta de amor ao estilo que o consagrou.

Na trama, a enfermeira Madison Mitchell (Annabelle Wallis) passa a ter visões terríveis de assassinatos cometidos por uma misteriosa e amedrontadora figura de cabelos longos. A princípio, a jovem acredita que essas visões são apenas pesadelos, mas logo percebe estar testemunhando eventos reais. Atormentada, ela descobre que esses crimes têm relação com Gabriel, seu amigo imaginário de infância, que por algum motivo retornou para assombrá-la.

O roteiro, assinado por Akela Cooper a partir de uma ideia de Wan e Ingrid Bisu, é muito competente em brincar com a expectativa e prender a atenção através dos mistérios do enredo. Com ritmo frenético e repleto de reviravoltas, o filme começa como um terror sobrenatural, depois incorpora o thriller policial, passeia pelo slasher, flerta com o giallo, até que em seu terceiro ato abraça o absurdo através de um body horror magnífico capaz de deixar o espectador boquiaberto, tamanha reviravolta deliciosamente absurda da história, que contém ecos do cinema de Frank Henenlotter, conhecido pelo uso de efeitos práticos para criar o horror grotesco.

Uma das principais forças de Maligno é a direção habilidosa de James Wan. Ele demonstra total domínio ao construir uma atmosfera crescente de suspense e tensão, entregando cenas visualmente marcantes, como as que retratam as visões de Madison, feitas com recursos visuais inventivos. O diretor também retoma técnicas características de sua filmografia, como o engenhoso movimento de câmera que percorre os cenários de forma criativa. Um dos grandes destaques é o plano-sequência visto de cima, que acompanha a protagonista correndo pelos cômodos da casa em uma perseguição eletrizante. Ao mesmo tempo, Wan prestahomenagem a mestres do gênero, como Sam Raimi, ao adotar a técnica de filmagem shaky cam, criada pelo diretor no clássico Uma Noite Alucinante (Evil Dead, 1981).

A trilha sonora de Joseph Bishara colabora para a atmosfera onírica da história. A fotografia de Michael Burgess e o design de produção de Desma Murphy enriquecem a estética, com referências visuais aos thrillers italianos dos anos 70, como Suspiria, o clássico de Dario Argento, influência clara de Wan na elaboração o projeto, perceptível no uso do contraste entre vermelho neon e azul-esverdeado em determinadas cenas.

O elenco é competente, com destaque para a protagonista Annabelle Wallis, que transmite a vulnerabilidade e o medo que seu personagem exige. George Young e Michole Briana White também brilham como os intérpretes da dinâmica dupla de detetives responsáveis pelo alívio cômico do filme.

Ao subir os créditos finais, é possível entender o porquê James Wan considera Maligno’ como o seu projeto mais ousado. Trata-se de um filme ambicioso, que só pôde ser realizado e lançado em amplo circuito comercial graças ao prestígio que o diretor obteve ao longo dos últimos anos. Ainda bem. Caso contrário, seríamos privados de prestigiar um dos mais brilhantemente ultrajantes exemplares do gênero nos últimos anos e, talvez, a obra mais autoral do diretor. É uma fita feita por um fã de terror para fãs de terror.

Diferente de Invocação do Mal, que foi unanimemente bem recebido pela crítica e público, ‘Maligno’ foge do convencional, e o resultado é um filme que certamente divide opiniões. Isso se deve, principalmente, ao fato de exigir uma suspensão de descrença que nem todos estão dispostos a ceder. Ainda assim, é altamente recomendável, principalmente aos fãs fervorosos do gênero. Ao fim da sessão, dificilmente o espectador sairá indiferente à experiência. É exatamente por isso que ele merece ser visto.

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