quarta-feira, 28 de junho de 2023

the flash


Matheus Wagner e Silva de Medeiros 


O filme The Flash, de 2023, produzido como parte do DC Extended Universe (DCEU), dirigido pelo diretor argentino Andy Muschietti, e roteirizado pela britânica Christina Hodson, é estrelado pelo americano Ezra Miller no papel de Barry Allen/ The Flash. Antes de estrelar no filme, Miller já aparecera como o herói icônico da DC Comics nos filmes Batman v Superman: A Origem da Justiça (2016), Esquadrão Suicida (2016), Liga da Justiça (2017), Liga da Justiça de Zack Snyder (2021), e fizera participações especiais como o personagem nas séries Arrow (num episódio de 2020) e Peacemaker (Pacificador, num episódio de 2022). 

Controvérsias da vida pessoal do ator à parte, estes dados indicam que Miller já era conhecido do público bem antes de estrelar seu filme-solo do Velocista Escarlate da editora de HQs rival da Marvel Comics em solo estadunidense e, num mundo globalizado como o nosso, também nos demais países, com as duas empresas agora também presentes massivamente no campo de outras mídias, tais quais o cinema e a televisão. Uma das cenas do Liga da Justiça de Zack Snyder (também conhecido como Snyder Cut), estrelada exatamente por Miller (especificamente a cena em que o Flash adentra pela primeira vez na Speed Force, o que eventualmente se torna um ponto essencial que leva ao eventual clímax do filme), recebeu um prêmio do público no Oscar 2022 como a “Cena Favorita dos Fãs” dentre as produções lançadas em 2021, considerando tanto filmes de streaming (caso do Snyder Cut) quanto filmes lançados nos cinemas tradicionais. 

Essa teórica familiaridade do público com Miller teria então, funcionado a favor para a performance de crítica, receptividade do público e bilheteria conquistados pelo filme? Até o presente momento, a resposta mais precisa, ironicamente, poderia ser: mais ou menos. 

Com cerca de duas semanas de exibição para o grande público nas telonas, The Flash pode não ser um fiasco total, mas é fato que ficou longe de atender as expectativas dos executivos da DC e sua “parent company”, a Warner Bros. Discovery. É sabido desde meados de 2022 que a franquia cinematográfica da DC passaria por uma mega reformulação encabeçada por James Gunn, conhecido, dentre outros trabalhos, por dirigir os aplaudidos 3 filmes de Guardiões da Galáxia, pela Marvel/ Disney, e dirigir o reboot/ sequência O Esquadrão Suicida, em 2021, pela própria DC/ Warner, além de seu spin-off, o seriado de TV Pacificador, também igualmente elogiados. O que não se sabia era o posicionamento definitivo de The Flash, tanto em termos da história contada pelo filme e como ela reverberaria mais adiante, quanto pelo seu desempenho diante de público e crítica. O filme foi desde o início concebido como uma aventura “multiversal” que funcionaria para resetar o universo DC nos cinemas. Se o Velocista Escarlate continuará na principal escalação do novo universo futuramente, só o tempo nos dirá; contudo, é possível traçar algumas conclusões acerca disso com base no que nos foi mostrado pelo filme, tanto por sua história quanto por seu desempenho. 

Talvez o filme não encha os olhos de todo o público. Com uma pontuação mediana de apenas 65% no Rotten Tomatoes (média de 6.3 numa escala de 0 a 10), e contando com uma média 56 no outro grande site de crítica especializada de cinema, o Metacritic, é evidente que o filme tem suas falhas e não agradou totalmente. Contudo, o site PostTrak registrou que 77% dos espectadores do filme o consideraram positivo, e 59% dizendo que o recomendariam a outros. Fatores que podem ter causado a bilheteria do filme, atualmente estimada em um pouco mais de 210 milhões de dólares (valores que seriam altos para um filme padrão, mas modestos quando comparados com outros tantos do gênero de super herói que foram lançados nos últimos anos), a não ter decolado tanto, incluem, além das controvérsias envolvendo a vida pessoal de Miller, o conhecimento prévio do público de que a DC passará por um reboot (que já havia afetado, alguns meses antes, a bilheteria dos filmes Black Adam, e Shazam: Fury of the Gods), o excesso de filmes de super heróis sendo lançados em anos recentes, inclusive o recente Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (que, por ter sido lançado em uma data próxima, pode ter servido como competidor direto para The Flash e servido para “roubar” parte de seu possível ou eventual público), e a divulgação de que as críticas ao filme haviam sido mistas ou medianas no geral. 

A premissa do filme, contudo, é bastante ambiciosa. Mesmo consciente de que um reboot se aproxima e de que é preciso entregar um novo universo para que a nova cronologia de histórias cinematográficas possa ser contada, adequadamente, desde o começo, The Flash tem uma história específica para contar, com começo, meio e fim. Barry Allen, agora já um membro estabelecido da Liga da Justiça devido aos eventos dos já mencionados filmes anteriores do DCEU, concilia sua rotina como CSI da Polícia de Central City, com a vida de super herói velocista. Auxilia Bruce Wayne e Diana Prince, respectivamente Batman e Mulher-Maravilha, no início do longa a frustrar os planos de uma gangue de criminosos em Gotham City. Apesar disso, Barry já demonstra certas frustações próprias, como, quando conversa com o mordomo do Homem Morcego, Alfred, de que se sente o “faxineiro” da Liga e que só foi chamado porque Superman e outros heróis estavam indisponíveis para o serviço. Outra de suas frustrações é a de não conseguir provar a inocência de seu pai, Henry Allen, preso na penitenciária Iron Heights sob a condenação de que teria assassinado sua esposa, Nora, a mãe de Barry; o velocista adentrou no trabalho de CSI junto à polícia para tentar justamente provar a inocência do pai de dentro do sistema. Bruce consegue para ele uma gravação que mostra o pai de Barry fazendo compras na mercearia no momento do crime; porém, a filmagem é inútil para o julgamento de recurso pois Henry permanece de cabeça baixa e de boné durante todo o vídeo, ocultando assim sua face e tornando impossível provar que ele estava lá e não na própria residência no momento em que o crime ocorreu. 

Barry também passa por momentos atribulados no trabalho, no qual é constantemente caçoado pelos colegas Albert Desmond e Patty Spivot, e é frequentemente cobrado por seu chefe, David Singh, de que não se atrase mais para chegar ao trabalho (a cena mostra que Barry se atrasou pois havia ido ajudar Batman e a Mulher-Maravilha a deter os criminosos mais cedo) e que comece a entregar os relatórios mais vezes dentro do prazo. Uma visita de Bruce e, depois, de sua antiga colega de faculdade e paixão secreta da juventude, Iris West, acabam inspirando Barry, depois de descobrir que pode usar a Speed Force para voltar no tempo, a se aventurar no passado e tentar impedir que sua mãe venha a falecer, alterando um pequeno detalhe da ida que ele e a mãe tiveram ao mercado mais cedo naquele mesmo dia e que, na linha do tempo original, causou mais tarde a ida do pai ao mercado para pegar algo que eles haviam esquecido, justamente no momento em que o assassino (cuja identidade o filme não revela) adentrou a casa e matou Nora. Deixar a identidade do assassino em incógnita pode ter sido uma deixa para uma eventual continuação, mas, conforme já foi dito antes, uma continuação provavelmente só aconteceria se o filme atingisse ou superasse as expectativas do estúdio. 

A partir daí, quando Barry volta ao “presente”, ele encontra a mãe viva, mas, em compensação, diversas alterações na linha do tempo começam a ser fazer sentir diante dele. Albert e Patty agora são amigos do Barry dessa realidade e dividem um apartamento com ele, além de estarem romanticamente envolvidos; o Barry dessa realidade ainda não ganhou poderes; o filme De Volta para o Futuro (que claramente serviu de inspiração para este filme) foi estrelado por Eric Stoltz e não mais por Michael J. Fox (Stoltz era o intérprete original de Marty McFly nas gravações do longa até que foi substituído por Fox devido a, dentre outros motivos, seu relacionamento ruim com o restante do elenco e da equipe do filme); Aquaman (Arthur Curry) nunca nasceu; Barry não encontra indícios de que Diana Prince esteja operando como a Mulher-Maravilha nessa realidade ou de que sequer exista; Victor Stone está ainda vivo, mas não sofreu o acidente que eventualmente o levaria a se tornar o Cyborg como ocorreu na linha do tempo original de Barry; a cápsula do Superman nunca chegou ao planeta Terra (Barry acaba conhecendo, mais adiante, a prima do herói, Kara Zor-El/ Supergirl, que acaba essencialmente assumindo o papel dele nessa nova realidade); o Batman dessa realidade não conhece Barry, está mais velho e deixou de operar como vigilante de Gotham, além de ser interpretado por Michael Keaton (que viveu o herói em dois longas lançados em 1989 e 1992) e não mais por Ben Affleck (que vive o personagem no DCEU desde 2016) como nas cenas iniciais do longa; e como Barry veio parar numa versão alternativa do ano de 2013 (também o ano em que Barry originalmente ganhou seus poderes), ao invés de voltar ao seu presente, o planeta está sendo “novamente” atacado pela nave do General Zod (repetindo o plot do filme Man of Steel, lançado justamente em 2013 e que deu início ao DCEU), o que aumenta os temores de Barry já que dessa vez o mundo não conta com um Superman, um Batman, uma Mulher-Maravilha ou algum dos outros heróis que ele conhecia, para protege-lo. 

A partir daí o filme se lança nos empenhos do Barry original e do Barry de 2013 em tentar montar uma ofensiva contra Zod. Além disso, o filme traz diversas homenagens, referências e participações especiais, inclusive de alguns atores já falecidos, possibilitadas pelo uso de inteligência artificial e do deepfaking, que enchem os olhos dos fãs mais antigos ou “raiz” da DC, incluindo aí: Christopher Reeve, dos filmes do Superman lançados entre 1978 e 1987; Helen Slater, a Supergirl do filme homônimo de 1984; Adam West, como o Batman do filme de 1966 e da série homônima que foi exibida originalmente entre 1966 e 1968; George Reeves, do filme Superman and the Mole Men (1951) e da série As Aventuras do Superman (1952 a 1958); a voz de Cesar Romero, o Coringa da série de 1966-1968; a voz de Jack Nicholson, o Coringa do filme de 1989; Teddy Sears, interpretando uma versão alternativa de Jay Garrick, uma versão do Flash anterior a Barry Allen nas HQs, e reprisando seu papel da segunda temporada da série The Flash exibida pelo canal CW entre 2014 e 2023; e Nicolas Cage, aparecendo como uma versão alternativa do Superman, que ele iria interpretar originalmente no filme “Superman Lives” de Tim Burton e Kevin Smith, que acabou não sendo realizado e que esteve em diversos estágios de produção entre o fim dos anos 1990 e início dos 2000. Henry Cavill, que interpretou o Superman no DCEU entre 2013 e 2022, aparece brevemente no começo do filme em uma montagem no papel do herói para explicar sua ausência enquanto os outros heróis lidam com os criminosos em Gotham; Cavill havia filmado também outras cenas para o filme, mas que foram cortadas quando a nova direção do universo cinematográfico DC decidiu não continuar com ele para o papel. 

Com boas doses de saudosismo e nostalgia, o filme pode agradar e até emocionar fãs antigos e atuais do trabalho da DC. Os efeitos visuais do filme, enquanto complexos, conseguem atrair a atenção do espectador, mesmo com as afirmações do diretor Andy Muschietti (um fã de infância da DC que cresceu assistindo ao seriado de 1966-1968 do Batman de Adam West, que estava sendo reprisado na Argentina nos anos 1970) de que sua intenção era de que os efeitos visuais, especialmente de quando Barry está correndo pela Speed Force e de quando as versões alternativas de personagens consagrados da DC aparecem de universos diferentes, parecessem realmente confusos para o público. Mesmo fãs do Flash e da DC que se acostumaram com as animações clássicas do personagem ou com a versão interpretada por Grant Gustin no seriado de TV entre 2014 e 2023, poderão apreciar as nuances e pontos de destaque da obra. O humor e a performance do elenco (principalmente de Keaton, do polêmico Miller e até mesmo de Affleck) foram pontos fortes, apesar de o roteiro, especialmente no que se refere ao terceiro ato, a conclusão do enredo do filme, ter deixado a desejar em certos pontos. O retorno de Michael Keaton foi particularmente espetacular, com a volta de diversos elementos visuais fortes, como o seu traje do Batman, a trilha sonora de seus filmes anteriores do personagem, as cenas de ação que o envolveram e que pareciam diretamente trazidas dos dois filmes dirigidos por Tim Burton envolvendo o Morcego; Keaton originalmente estava previsto para reprisar o papel em Batgirl (o filme foi eventualmente cancelado mesmo depois de já ter sido totalmente filmado), em Batman Beyond (o filme foi inicialmente suspenso, mas ao assumir a direção da DC Films, James Gunn afirmou que ainda há possibilidade de um filme sobre o Batman de Keaton acontecer), e em Aquaman and the Lost Kingdom, previsto para o final de 2023 (neste último caso, Keaton gravou cenas para o filme, mas ainda não se sabe se as cenas serão mantidas no corte final do longa ou se serão cortadas), tamanha foi a repercussão positiva com o retorno dele ao papel. Quer o filme The Flash influencie de fato nos novos planos da DC para seu futuro nos cinemas, quer ele acabe esquecido dentre outros projetos cinematográficos da empresa, configurou-se de fato numa grande oportunidade para os fãs de poder prestigiar alguns de seus personagens preferidos do cânone da DC sob uma nova perspectiva, adaptando uma história clássica dos quadrinhos da DC (Flashpoint), trazendo um team-up entre diferentes gerações de personagens do lore da DC e da Liga da Justiça, e fazendo o Flash se juntar à legião de heróis que enfim ganharam uma adaptação cinematográfica solo no século XXI. Mesmo que divida opiniões, The Flash sem dúvida representa um marco na história da contação de enredos de longa-metragem de super heróis.

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