“O Beijo no Asfalto”, dirigido por Bruno Barreto, é baseado numa peça teatral de mesmo nome escrita por Nelson Rodrigues em 1960. No filme, acompanhamos a saga trágica de Arandir (Ney Latorraca), que, ao testemunhar um atropelamento fatal, responde ao pedido da vítima e beija o homem agonizante na boca em um último ato de compaixão absoluta. Amado (Daniel Filho), um jornalista sensacionalista, se utiliza do acontecido para alavancar sua carreira e limpar a imagem de Cunha (Oswaldo Loureiro), um delegado corrupto e truculento.
Ainda nos créditos iniciais, uma criança que observa a cena quebra a 4ª parede e dirige o olhar à câmera como se perguntasse à audiência: “E você, o que acha? O que você faria no lugar dele?”. Somos convidados pelo diretor a ler o filme de forma íntima e honesta, sem o distanciamento e impessoalidade que podemos estar acostumados.
Um beijo entre dois homens dá início a uma história de perseguição midiática, humilhação pública, violência policial e manipulação de narrativas. De quantas formas a irresponsabilidade da mídia, aliada à instituições corruptas, pode destruir a vida de um homem inocente? “Beijo é Crime!”, diz a manchete dos jornais, enquanto Arandir se encontra fugindo pelo crime de amar o próximo em uma sociedade homofóbica e individualista.
A família do acusado também sofre as consequências desses ataques. A casa é vandalizada, a esposa Selminha (Christiane Torloni) recebe xingamentos pelo telefone e é abusada sexualmente pelos responsáveis pela perseguição. No meio disso tudo, a cunhada Dália (Lídia Brondi) busca maneiras de apoiar Arandir enquanto reconhece em si mesma um desejo proibido pelo próprio cunhado. O sogro Aprígio (Tarcísio Meira) age como um mediador na maior parte do filme, sem deixar transparecer suas motivações e emoções até o ápice da história.
O texto atemporal de Nelson Rodrigues, brilhantemente adaptado para o cinema, se utiliza de todo tipo de sacanagem, tabu e polêmica para contar uma história cortante e tão atual em 2025 quanto em 1981 ou 1960. “O Beijo no Asfalto” é sobre violência, abuso, homofobia e corrupção, sim. Mas também é sobre desejos reprimidos, compaixão, amor, cumplicidade e confiança. O filme é humano, demasiado humano, e nos mostra um drama próximo, cujas motivações e encaminhamentos estão parcialmente presentes em todos nós e ao nosso redor, em maior ou menor grau. É uma tragédia banhada por sangue vermelho-neon em frente a um hotel barato.
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