terça-feira, 6 de dezembro de 2022

wandinha

 


Miguel Gomes da Silva Neto 


Wandinha é a nova série da Netflix, spin off da Família Addams, lançada em 2022 com direção do Tim Burton nos quatro primeiros episódios e Gandja Monteiro e James Marshall nos quatro últimos. Com humor mórbido, estilização gótica e brilhante atuação da personagem principal feita pela atriz Jenna Ortega, a série vem ganhando bastante atenção de fãs no Brasil e no mundo. Wandinha ou Wednesday na versão em inglês nos apresenta um mundo onde após a filha mais velha da família Addams vingar-se de forma cruel de alguns garotos, jogando na piscina da escola dela piranhas para devorá-los, acaba tendo que ser transferida para a escola em que seus pais também estudaram, um internato chamado Nunca Mais. Aqui é interessante frisar que esse internato é destinado a crianças que possuem algumas habilidades distintas, são vampiros, lobisomens, sereias, górgonas e que eram retratados como monstros passivos de todo tipo de julgamento e preconceito proferidos por esses colonos. A escola foi justamente construída visando proteger essas pessoas, os “excluídos” dos peregrinos, que são fundamentalistas religiosos que praticam perseguições contra aqueles que eles veem como aberrações, e por isso infligem todo tipo de perseguição. 

É possível fazer até uma analogia entre os movimentos fundamentalistas de extrema direita e a forma como se apresenta essa perseguição das ditas “pessoas normais” para com os excluídos, através de um tom quase lovecraftiano de perseguição, onde quando antigamente eram fogueiras hoje se transforma em outras formas de violência sistêmica, um dos destaques dos primeiros episódios é justamente entre a tensão que existe entre a escola e os moradores locais.

Tim Burton é um diretor que uma das grandes cartadas dele é fazer nos entendermos através dos nossos medos, monstros internos, mas de uma forma doce, com uma certa ternura e assim mostrar a beleza e as qualidades do ser humano através daquilo que pode ser considerado como defeito, e isso mais uma vez aparece em Wandinha (a série e a personagem), pois é através das obsessões que a faz ser excluída dos demais é que ela pode exercer sua individualidade, seus sentimentos e ser excepcional para resolver esses crimes.

Nesse mundo reimaginado por Tim Burton existe um pouco de tudo daquilo que o consagrou como um grande diretor de filmes de temática sombria, o sarcasmo com as convenções sociais, o humor mórbido, a estilização gótica -dessa vez um pouco mais sóbria que os trabalhos anteriores dele, mas que funciona muito bem-, entretanto com um a mais: A atuação vibrante da Jenna Ortega junto do clima de mistério em torno dos assassinatos em série que ocorrem logo após ela chegar na escola faz com que o público vá se envolvendo cada vez mais com a história, no sentido de desconfiarmos a todo momento de quase todos os personagens. 

Entretanto após esses quatro primeiros episódios dirigidos por ele e com todas as bases da história prontas se perde um pouco do ritmo da história e ela toma alguns rumos questionáveis no sentido da forma como os personagens se relacionavam até então e o próprio ritmo da contação da história acaba perdendo esse ritmo mais fluido da primeira metade dos oito episódios, mas que mesmo assim não nos faz perder o gosto pela história que se segue.

O que vejo afinal é uma série que reúne muita coisa boa: Familia Addams, Tim Burton, atores afiados, literatura clássica, filosofias existencialistas, psicanalise, arte, humor, investigação, monstros bizarros, temáticas da juventude, assuntos relevantes e atuais e que funciona muito bem. A Netflix realmente faz uma aposta de risco, pois se trata de uma série aclamada, com diversos produtos audiovisuais já lançados, e a depender dessa aceitação do grande público. Por isso, talvez essa necessidade de mudar a direção e agradar diversos públicos diferentes, desde os fãs mais antigos até novas parcelas que nunca tiveram contato com a franquia. Contudo acho que podemos esperar por uma segunda temporada mais segura e sem precisar utilizar de alguns clichês, que mesmo bem utilizados no enredo e brincando com a nossa percepção e imprevisibilidade, ainda nos passa uma sensação de algo que precisou ser encaixado por questões mercadológicas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário