domingo, 4 de dezembro de 2022

Jibaro

 


Kirllyan Souza


“Jibaro”, traduzido para português brasileiro como “Fazendeiro” (tradução que te faz ter que pesquisar na internet o que esses dois tem a ver), é o último episódio lançado até então da série “Love, Death & Robots”. Produção original Netflix de animação e antológica, com quase nenhuma continuação entre os episódios, fazendo com que tenhamos que nos adentrar a cada episódio em mundos completamente novos.

A série foi criada por Tim Miller e esse episódio em específico foi roteirizado e dirigido pelo espanhol Alberto Mielgo. É contada uma história sem diálogos, onde o contexto tem que ser retirado de nosso próprio conhecimento de mundo e imaginação. Um soldado de armadura sobrevivente de um “massacre” e a sereia, ou siren, coberta de ouro e pedras preciosas e que matou todos seus companheiros e que agora se interessa por aquele que não foi tentado por sua voz.

Começamos a narrativa seguindo quem acreditamos ser Jibaro, um soldado surdo e que faz parte de uma frota muito maior de indivíduos preparados para lutar, que não parecem pertencer a aquele contexto, de floresta, e que estão para se encontrarem com figuras religiosas. Isso é tudo que temos de início e, sinceramente, é suficiente.

Provavelmente se tratariam de colonos, fazendo reconhecimento de campo e tentando tirar o máximo que podem daquele local. Mesmo com isso colocando o protagonista numa situação a qual nos faria normalmente desgostar deles, damos o braço a torcer por levar em conta o que ele está a passar. Perdeu todos o que estavam viajando com ele, ficando apenas com a companhia dos cavalos e tendo que encontrar seu caminho de volta sem conseguir ouvir se algo está o espreitando. Nesse caso, a sereia.

Por causa da condição do protagonista e da solidão pela qual ele passa, não temos diálogos falados durante todo o percurso do curta, mas isso não faz falta para conseguirmos aproveitar o processo. As coreografias de dança, executadas principalmente pela sereia, são majestosas e seduzem o olhar. A trilha sonora é envolvente e te faz ficar alerta a todo momento, com medo do que possa vir a acontecer. A maneira como o diretor trabalhou o rosto dos personagens, que parecem semi-realistas, sempre nos fazendo focar em seus olhares e expressões faciais, faz com que fiquemos nos perguntando o que está passando pela cabeça deles a todo momento.

Tim Miller realmente conseguiu fazer algo especial, pois, a jornada dos dois personagens, é cativante e te faz ficar dividido sobre para quem você, o telespectador, deveria “torcer”. Não existe uma clara distinção entre o bem e o mal aqui e isso só deixa tudo mais interessante. É uma daquelas histórias que, mesmo você assistindo várias vezes, como eu mesmo fiz, sempre sai algo novo da experiência, e ele fica pregado na sua cabeça, como um sonho cheio de significados, mas que você nunca consegue explicar por completo.

A animação desse curta não tem nem o que se dizer sobre. É majestosa. Os cenários te fazem questionar se isso tudo não fora gravado em algum local de verdade de tão bem feitos que são. O design de personagens também é extremamente interessante, te fazendo querer saber mais sobre de onde eles vieram, como vivem e como eles são de verdade, quando não estão correndo perigo.

O ponto forte do roteiro sem dúvida nenhuma é a relação do soldado Jibaro com a sereia sem nome. Não fica claro de cara quais são as intenções de cada um, apenas pistas. Interesse e curiosidade, por parte da sereia. Ambição e desejo, por parte do soldado. O olhar que a sereia dá ao grupo no início da narrativa, antes que eles sejam capazes de fazer qualquer coisa. Assim como a atenção que o Jibaro deu à pedra preciosa que ele achara no rio. Aos poucos vai se montando o que esses dois realmente almejam. Enquanto não sabemos como nos sentir em relação a isso tudo.

O final é avassalador. Não quero entregar completamente a história, pois acredito que ela deva ser aproveitada devidamente para que seja retirado o máximo dela. São apenas 17 minutos e que valem muito a pena. Só digamos que, sem dúvida, ele tira você da sua zona de conforto. Depois da maneira que o soldado e a sereia se despedem, uma cena que sem dúvida pode chocar, temos o desfecho que se procede. A própria natureza se tratando de cuidar de tudo. Como lutar contra o próprio chão no qual você pisa? Contra a água que você bebe?

O final tem, realmente, um belo paralelo com o começo, que te faz sentir que talvez tenha entendido qual é a mensagem do curta. Sobre confiança, traição e amores enganosos. É possível que você veja tudo apenas como uma alegoria a colonização, principalmente levando-se em conta o contexto por de trás da produção, como a origem do nome Jibaro e a nacionalidade do criador do episódio, assim como é possível ver tudo isso como uma alegoria a relacionamentos tóxicos, fadados a destruição de ambas as partes.

O que importa de verdade é que, não importa a sua conclusão do que tudo isso realmente significa, é tudo lindíssimo. A animação é primorosa e o jeito que trabalham com som durante todo o percurso também é sublime. Assisti esse episódio mais de 3 vezes e pretendo continuar o revendo de tempos em tempos. Foi um dos que mais me marcou de toda a série e com certeza vale a pena conferir, não importa se você é fã de fantasia ou não.

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