domingo, 4 de dezembro de 2022

gamificação

LUDOCOMUNICAÇÃO E O SEU PROCESSO CRIATIVO

Antônio Marcos da Silva

Ao ler a tese de doutorado de Tadeu Rodrigues, que discute sobre a Ludocomunicação e a sua relação com a gamification (aplicação de elementos de um jogo em um contexto que não é de fato um jogo, usado com o objetivo de enriquecer esses contextos, influenciar no comportamento e incentivar resultados mais atrativos), nos leva a pensar sobre uma diferente perspectiva comunicacional a partir de uma prática lúdica. 

Para melhor compreensão, entende-se Comunicação, dentro do contexto social, como criadora de comunidades, companheirismo, de comum, mas também de vínculo. Destarte, observo este termo como talvez o de maior papel neste trabalho.

Fugindo do aspecto subjetivo, o jogo é sinônimo de brincar, e este permite a criatividade muito além de uma limitação ligada ao devaneio e a fantasia. Permite também a ousadia da descoberta e da experimentação do indivíduo sobre si mesmo e a percepção do outro quanto à ele. Tadeu diz que a criatividade para McGonigal (2012) se trata de uma maneira de atingir uma meta, sendo assim, ele troca o termo para inovação por achar mais adequado. E aqui, para ir em direção a seus pensamentos, faremos o mesmo, pois “é no brincar, e apenas no brincar, que a criança ou o adulto conseguem ser criativos e utilizar toda a sua personalidade” (WINNICOTT, 2019, p. 92-93).

Gostaria de tratar deste trabalho sobre a série Fleabag, um dos maiores sucessos de comédia dramática e um belíssimo exemplo do uso da criatividade e da personalidade que vão para além de uma personagem. Fleabag é uma série que aborda a complexidade narrativa, um modelo de storytelling que se opõe às formas convencionais que são características da TV estadunidense. Fleabag ganhou seis Emmys. A história se desenvolve nos dilemas da protagonista, de mesmo nome. Sua narrativa perpassa pelos sentimentos que alguém pode ter ao lidar com o luto, a solidão, expectativas de futuro, ideais de sucesso e relacionamentos amorosos.

Phoebe Waller-Bridge, autora e protagonista da série, nos transporta para a mente de uma mulher inteligente, sagaz, inquieta, sexual, engraçada, entre outros diversos adjetivos. Grande parte dessa trajetória acontece pelo grande destaque da série, além do roteiro e da escrita impecáveis: a quebra da quarta parede. Essa quebra não é algo recente em produções, mas o olhar de Fleabag para a câmera se tornou um grande ícone, e por meio deste a personagem dialoga com o público e transmite um sentimento, ao mesmo tempo que com apenas um olhar nos incentiva a criar camadas e camadas interpretativas sobre o que está acontecendo. Em determinado momento estas interações já nem são mais características da série, elas acontecem de forma natural. A personagem vira cúmplice do telespectador e nós viramos o da personagem, que há muito já se identificou diversas vezes com ela e as situações da sua vida.

Os diálogos rápidos e os olhares para a câmera despertam o sentimento de identificação do público com os personagens e os acontecimentos, como se ele mesmo estivesse passando por tudo aquilo. Por meio deste, Fleabag consegue nos fazer compreender seus sentimentos e pensamentos. É uma ligação que ela cria com a audiência no primeiro momento da série. E não poderia ser melhor.

Não apenas neste aspecto, mas só assistindo a série para entender melhor, Phoebe Waller-Bridge e/ou Fleabag consegue brincar com o público para gerar um vínculo que geralmente seria usado para nos tirar da posição de conforto, mas aqui, ao contrário, ele é o que proporciona esse sentimento.

Poderíamos dizer que esse é o ponto principal pelo qual a série fez e faz tanto sucesso ainda nos dias de hoje, mas tudo isso é um conjunto de processos chamativos capaz de fazer o espectador a interpretar sinais, a respondê-los, abrindo espaço para a ambiguidade, mistério, conclusões, e para a criatividade. Pois é a partir desta que se pauta o esforço analítico para o entendimento da história. Fleabag consegue em toda a narrativa promover diálogos que geram discussões e reflexões sobre questões de valores e ideologias importantes para a sociedade, e junto a ela, esse é um dos papéis da Ludocomunicação e da Comunicação como um todo.

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