terça-feira, 26 de julho de 2022

The Crown

 As narrativas por trás de um episódio protagonizado pelas duas mulheres mais poderosas de sua época

Yasmim Helleen Cunha

Rainha Elizabeth II, o marido, o ex-presidente dos EUA Kennedy e sua esposa Jackie Kennedy.


A série The Crown conta uma narrativa crônica da vida da Rainha Elizabeth II dos 1940 até os dias atuais, atualmente ela já tem quatro temporadas lançadas e quinta com previsão de lançamento ainda para o segundo semestre de 2022.

A trama conta em ordem cronológica as histórias, as intrigas, os romances, os acontecimentos históricos, as rivalidades políticas e a vida da Rainha que ajudaram a moldar e mostrar para o mundo o seu reinado no século XX.

Criada por Peter Morgan, ela teve seu primeiro episódio em 04 de novembro de 2016, transmitida pela Netflix (emissora original), atualmente a trama conta com 40 episódios, e cada dura cerca de 47-61 minutos.

The Crown já foi premiada mais de 20 vezes e a cada temporada consegue surpreender de forma positiva seu público, tanto os amantes de dramas televisivos quanto os críticos audiovisuais e pesquisadores da história mundial.

Com personalidades marcantes da história mundial durante o século XX, a séria se destaca ainda mais por narrar acontecimentos que impactam a nossa vida até os dias de hoje.

Ao longo das mais de sete décadas de reinado de Elizabeth II ela acompanhou mias de 20 mandatos de primeiros-ministros do Reino Unido, de Winston Churchill até Margareth Thatcher, a série mostra como era a relação da monarca com cada um e como isso influenciava nas decisões da sua vida pessoal e do governo.

Um exemplo disso era que enquanto a sua relação com Churchill era sólida e amigável por conta de ele ter acompanhado a rainha desde o início do seu mandato enquanto ela ainda era jovem, e por sua importante atuação durante Segunda Guerra Mundial e quando o pai de Elizabeth faleceu, o rei George VI. Ele só se afastou do cargo anos depois e apenas por problemas de saúde, mas em uma carta a rainha menciona que nenhum político poderia ocupar o lugar de Churchill, tanto por conta dos seus grandes feitos como primeiro-ministro, quanto por a orientação que ele concedeu a ela e ao marido nos anos iniciais do seu reinado.

Outro mandato polêmico foi o de Margareth Thatcher, apesar de ter uma personalidade importante no governo, a séria mostra que os encontros de Elizabeth com Thatcher não era algo que ela gostasse, inclusive o apelido de ‘’Dama de Ferro’’ fazia jus ao seu comportamento, sempre firme e dura em suas decisões, mas ambas nunca falaram ou mostraram de forma proposital seu relacionamento ‘’frio’’ para o público.

Seguindo na análise desse texto, ainda na segunda temporada Lilibeth, como era carinhosamente chamada pelo marido, a rainha viveu um dos dramas marcantes em seu governo e na política mundial, o episódio com os Kennedys.

‘’Dear Mrs. Kennedy’’

O oitavo episódio da segunda temporada é marcado pelo encontro entre três grandes figuras públicas e políticas do mundo: Elizabeth II, a mulher do ex-presidente dos Estados Unidos, a senhora Kennedy e o próprio Kennedy, apesar dos episódios que envolviam negociações políticas sempre parecerem de teor tenso e caótico, nesse em especifico a trama trouxe leveza, além de trazer uma reflexão poderosa acerca do papel das mulheres no poder.

Contando um pouco de geopolítica internacional até a intimidade dos Kennedys, o episódio narra a visita de um líder de Gana, Kwane Nkumanh, e as articulações de países africanos tentando uma aproximação política com a União Sovietica, o então representante opta por sair da zona de influência e pede diretamente para que conveça a Kennedy intervir na questão.

O que ganha a atenção no episodio é que todo o brilho da situação acaba se voltando para a senhora Kennedy, a primeira-dama, Jackie Kennedy, que naquela época representou a personificação do novo, em outras palavras, Jackie mostrava um lado mais humano, empático para o poder, e acaba por ofuscar o marido, ao tempo em que dava destaque a representatividade feminina. Outro ponto do encontro entre a rainha e a primeira-dama dos EUA, era o encontro de duas estrelas do poder completamente diferentes, o que causou um certo desconforto, enquanto a rainha segui o protocolo de forma tênue, Jackie passeava pelos holofotes e queria chamar a atenção, o que gerou desconforto para Elizabeth, que além do desconforto da situação em si, ainda se sentiu ‘’apagada’’ diante da senhora Kennedy, que era mais jovem, se mostrava mais alegre e espontânea, quebrando protocolos e encantando a todos. O que interim do episodio é a reviravolta que ocorre, apesar da possível rivalidade feminina explicita, tudo muda quando a rainha descobre que na verdade Jackie só estava sendo usada como uma marionete para promover os interesses do marido, e logo ocorre uma espécie de psicologia reversa, quando ainda no mesmo episódio a rainha decide quebrar o protocolo e tirar o representante de Gana para dançar, deixando as críticas de ser uma pessoa sem graça e séria demais para trás, e chamando a atenção de todos, e ao mesmo tempo mostrando sororidade quando se encontra com a senhora Kennedy em particular, o que na época, representava o encontro entre as mulheres mais poderosas do mundo, a rainha se solidariza e se comove com as fragilidades da senhora Kennedy, e juntas ambas descobrem que apesar de diferentes, têm muito em comum: ‘’tudo possuem e nada têm. Estamos cercadas o tempo todo, mas sempre sozinhas’’. O que logo em seguida toma ainda mais força quando o marido, Kennedy é assinado e e Jacquie fica reconhecida por ter o vestido sujo com o sangue do marido, e isso trás a maior reflexão do episodio que é durante a Guerra Fria a série proporcionar um olhar narrativo que vai além traz à tona a reflexão do papel de duas mulheres com o poder em suas mãos, diante de decisões que decidiriam o futuro do mundo.

Como Greimas (2008) aborda sobre semiótica narrativa na série é possível identificar a forma de expressão composta por uma linguagem discursiva com um conjunto de enunciados, que atrai diretamente para o conteúdo, tudo é milimetricamente pensado para criar uma narrativa que faça sentido ao acontecimento do episódio em questão é como se em 60 minutos fossem retratados semanas de histórias, mas Motta é quem define melhor as narrativas presentes na série, fica claro em apenas um episódio todos os setes movimentos citados por Motta: a intriga, entre a rainha e primeira-dama dos EUA, os paradigmas que se criam em torno da séries de acontecimentos. Os vários conflitos dramáticos que ocorrem ao longo de pouco mais de uma hora de trama: o jantar caótico, as atitudes inesperadas da rainha, a viagem a África, os embates entre os EUA e a União Soviética, a disputa entre Elizabeth e Jackie Kennedy e a forma como cada personagem foi caracterizado para dar sentindo as estratégias argumentativas presentes no episódio. Aliás se tem algo que pode definira intriga desse episódio é a quantidade de plot presentes.

O episódio apesar de isolado segue a linha cronológica de acontecimentos da história mundial e consegue transmitir a realidade em tudo: nos planos de ações, na composição dos personagens de forma geral, na fotografia e na sinestesia que a escolha dos cenários, músicas, e temporalidade juntos causam.

The Crown como um todo é um belo exemplo de como a arte pode imitar a vida e vice-versa, já que após décadas a séria ainda tem muita história para narrar da vida real que segue acontecendo, principalmente porque a sua estrela segue viva e fazendo história: a rainha Elizabeth.

Mesmo após tantos anos de reinado a rainha ainda consegue ser símbolo de força, luta e resiliência e principalmente de protagonismo feminino, já que ela é um exemplo de que o poder em mãos femininas flui de forma positiva.

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