quinta-feira, 14 de julho de 2022

xeque mate

 

Resenha "Xeque Mate - A experiência de aprender, produzir e realizar um programa de entrevista na TV Universitária RN"

Danielle Carvalho Rebouças


O Xeque Mate é um programa inteiramente produzido e realizado por estudantes, que assumem papel de entrevistadores sob a orientação de parte do corpo docente do Departamento de Comunicação Social, por intermédio da Televisão Universitária, uma emissora de televisão em sinal aberto, em operação a quase 5 décadas.

O programa é considerado um produto midiático e jornalístico de natureza acadêmica, visto que está vinculado a uma disciplina ofertada nos cursos de Comunicação e ao mesmo tempo é exibido como parte da programação para uma audiência externa há 20 anos. Além disso, é importante destacar seu eixo extensionista. Pode-se dizer que essa é uma experiência inovadora de ensino e da prática do jornalismo potiguar.

Dividida em duas partes, a presente obra foi produzida por alunos, professoras e mestrandos em docência assistida do Programa de Pós-Graduação em estudos da Mídia (PPGEM) da UFRN. Na primeira parte estão o início da trajetória do programa em sua versão audiovisual, com inserção na programação da TVU e reflexões teórico-práticas de membros participantes. Em seguida, é possível conferir a seleção de 18 entrevistas realizadas e exibidas no primeiro semestre de 2018. O programa, dessa forma, ainda cumpre papel na promoção e registro da memória histórica, como observa Diógenes da Cunha Lima.

Por meio da transcrição de alguns dos episódios exibidos, é possível notar como acontece a construção das pautas, a escolha das perguntas e a interação do entrevistado (da) com os discentes. É importante inclusive observarmos as oportunidades de aprendizagem a partir das diversas personalidades escolhidas, com diferentes perfis e histórias.

Na origem do programa em 1972, quando surgiu na antiga Faculdade Eloy de Souza, idealizada por Jorge Batista e João Bezerra da Silva, ambos do Diretório Acadêmico, o programa acontecia em moldes diferentes do que vemos hoje, mas mesmo assim mantinha sua característica e importância laboratorial, sobretudo acerca da entrevista jornalística.

Ao longo dos anos o projeto foi sendo atualizado de acordo com a necessidade e mudanças no campo da Comunicação, mas essência do projeto, pela busca de uma verdade dialética, construção de saberes, escuta, percepção e conhecimento do outro por meio da entrevista permaneceu o mesmo.

A presente obra é de vasto conhecimento para aqueles que gostariam de entender e aprender mais sobre o processo da entrevista, com dicas e observações sobre como os entrevistadores devem estar atentos ao seus modos de escuta, as formas de perguntar, interferir e como estabelecem sua relação com o entrevistado, de modo que sejam evitadas respostas pré-elaboradas ou com certa superficialidade.

É durante a prática da entrevista que o jornalista pode ter a oportunidade de conhecer as histórias e desejos, aproximando-se da veracidade dos fatos, leis e estudos. Partindo disto, o Xeque Mate, sendo um programa de TV de produção regional, dedicado exclusivamente a entrevista, constrói um espaço de experiências em estúdio, aproximando prática e teoria, identificando e questionando caminhos para conversas televisionadas, rompendo barreira e permitindo um ambiente de expressão bilateral de ideias e interações.

Em 1970, nas dependências da Faculdade Eloy de Sousa, no pátio da Fundação José Augusto, o Jornalismo dava seus primeiros passos no estado com o surgimento do programa Xeque Mate. Nessa época ainda não era televisionado, consistindo em uma entrevista de auditório em formato de arena. O ano de 2002 marcou a história do programa, passando de experiência a programa, exibido ao vivo, na TV Universitária professor Emanoel Barreto. Inclusive, esse primeiro programa na TVU teve como sua primeira entrevistada Fátima Bezerra. Parece que o provérbio dito por Barreto vingou e o programa segue ate hoje germinando as sementes que foram plantadas por tantos profissionais ao longo dos anos.

Muitas personalidades da política, da cultura, economia, das artes, passaram pelo programa, que nunca deixou de contar com a influência da jovialidade, bom humor e liberdade na construção de cada entrevista.

Em duas décadas de Xeque Mate, diferentes professores foram apresentadores do programa. Ao longo do tempo foram sendo reformuladas as estratégias pensadas inicialmente, uma delas a de tornar o programa parte da grade obrigatória dos cursos de Jornalismo e algumas habilitações de Comunicação Social a partir de 2019. Tal medida foi tomada para conseguir manter a produção nada fácil de um programa semanal, ao vivo, ao longo dessas décadas e gerações de jornalistas que já passaram pelo Decom.

Os estudantes ganharam, assim, a prática da entrevista coletiva, técnicas de produção de matérias e atividades de assessoria de comunicação, além do exercício da capacitação profissional e vivencia da rotina da profissão e a possibilidade de integração entre as três habilitações da Comunicação Social.

Na reformulação do programa em 2018, foi inclusa uma etapa inicial de treinamento/oficinas de pauta, entrevista, reportagem e edição para os alunos, que posteriormente poderiam colocar em prática na produção do programa e planejamento para o semestre.

Em seguida, a outra etapa da disciplina estabelecia um cronograma de gravação, montagem e realização de cada episódio. As equipes eram divididas e se revezavam entre pré-produção, realização, produção, transmídia e assessoria.

Nas oficinas ofertadas aos alunos o objetivo era estabelecer uma conexão entre a teoria e a prática, refletindo sobre questões técnicas, considerando sempre o elo entre relação profissional e a comunicação, ou diálogo possível, entre pessoas, como explicitado por Medina (1986) quando falou sobre a relação eu-tu e não eu-isto. Por esse motivo a entrevista não deve ser encarada como uma simples técnica. Para a autora, o ideal é quando essa entrevista assemelha-se a um diálogo que atinge um nível de interação. 

Yorke (1998), ao ressaltar alguns pontos relevantes para a condução da entrevista, descreve esse momento quando a conversa de perguntas e respostas flui, extraindo o melhor do entrevistado e cobrindo o assunto proposto. O autor ainda estabelece uma lista de indicações do que fazer ou não na entrevista televisiva, indo de questões técnicas, até de postura pessoal e estética. Para ele, o entrevistador precisa ter consciência da sua responsabilidade na representação que sua figura exerce sobre o público.

Entre as estratégias de ampliação comunicacional, na reformulação do Xeque Mate foi criada uma equipe de transmídia, com objetivo de atuação sobretudo nas redes sociais do programa. Os programas no primeiro semestre de 2018, além de sua exibição, contavam com momentos de reprise. Além de servir como experiência prática, pelos episódios estarem no canal do Youtube do programa, ainda serve como arquivo digital, portfólio para os estudantes e meio de experimentação de novas tecnologias (redes sociais digitais) de um programa televisivo. 

No decorrer do período, pode-se observar que essa criação e envolvimento em atividades práticas resultaram em um maior engajamento dos estudantes e potencialização das atividades estudantis. A entrega de um produto midiático semanal causou um amadurecimento dos envolvidos e fortalecimento das questões éticas e profissionais de toda a equipe.

Para os mestrandos também, com a experiência da docência, realização das oficinas, vivencia em sala de aula e coordenação de atividades dos grupos de trabalho. Portanto, as atividades práticas e teóricas se complementam, havendo a necessidade na verdade de equilíbrio, pois a falta de alguma parte de ambas interfere diretamente no resultado. Pode-se aprender fazendo, mas segundo Dewey (1978) a educação é um processo de reconstrução e de reorganização das experiências adquiridas, que influenciarão experiências futuras.

Para entender a influência da experiência de programa televisivo, dentro da Universidade, na formação dos estudantes é preciso levar em consideração a percepção individual de cada um sobre as etapas de produção, como pautas, agendamento de entrevistas, gravação no estúdio, direção, edição etc.

De fato, a realização do Xeque Mate, como dito pelos próprios participantes, fez os alunos adquirirem um novo olhar sobre o jornalismo, a partir deste quase processo de imersão.

Nesse processo de experiência e aprendizagem, é importante observar o impacto do Xeque Mate na experiência dos mestrandos em estágio docência, que participaram como condutores dos alunos da graduação, orientados pela profa. Valquíria Kneipp.

Essa participação só aconteceu em 2018, com a reformulação do projeto.

Houve o desenvolvimento de uma observação participante por parte desse grupo, isto é, o envolvimento e partilha como forma de técnica de investigação social. O trabalho docente é um “processo que envolve um conjunto de pessoas na construção de saberes”, e nisso, considerava-se uma didática que buscasse não limitar e sim construir um produto midiático plural e diverso.

Durante essa observação participante, os mestrandos procuraram transmitir a sua própria experiência do campo profissional para os estudantes, preparando-os para as rotinas de pauta, pesquisa, planejamento de entrevistas e produção em telejornalismo.

Ao final do processo, também houve o aprendizado mútuo e de troca de saberes sobre nuances do cotidiano jornalístico e novos hábitos de consumo de uma geração que já nasceu marcada pelo avanço tecnológico no campo da comunicação.

Para os mestrandos, essa experiência significou o desenvolvimento de uma visão crítico-reflexiva que complementou a teoria estudada dentro das salas do PPGeM. 

A primeira versão do Xeque Mate, em 1972, surgiu ainda na Faculdade Eloy de Souza, que funcionava na antiga Fundação José Augusto. Na época, o programa, que não era televisionado, consistia em uma entrevista coletiva pelos alunos de jornalismo que acontecia de modo semanal.

Um ponto a ser destacado da história do programa é que ele nasceu em um momento de efervescência política no estado e no país. Muitas personalidades políticas da época chegaram a ser entrevistados, e, por isso, teve uma grande repercussão no meio universitário e jornalístico.

Tratando deste ponto de repercussão universitária, o Xeque Mate inclusive deu força ao movimento da federalização do curso de Jornalismo, vindo a ser agregado à UFRN no ano de 1973. Neri (2018) observa que o programa foi percursor do Roda Viva da TV Cultura, considerando as suas diferenças e peculiaridades. Para ele, o Xeque Mate era até mais livre e criativo, pois não se limitava a determinados pensamentos políticos, qualquer assunto era livre para ser debatido, desde que observada alguns aspectos da importância jornalística do fato e interesse público.

Após a federalização do curso o programa deixou de ser realizado e só foi retomado em 2002, já adaptado para o formato televisivo e frequência semanal. Em 2018, nos 60 anos da UFRN houve uma nova reformulação, fruto de objeto de extensão, coordenado pela profa. Valquíria. Esta troca de experiências e saberes entre alunos e mestrandos durou 4 meses.

É indiscutível a contribuição do programa, pelo seu espírito revolucionário ao longo do tempo, passando por adaptações, reformulações, mas sendo capaz de manter-se resistindo enquanto espaço de debate ao longo do tempo, mesmo em tempos de censura. Televisionado ou não, o Xeque Mate é um marco no ensino universitário e do jornalismo potiguar


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