sábado, 26 de novembro de 2022

Drive (2011)

 

Flávio Pantoja Monteiro

A narrativa do motorista calado e solitário que vive uma vida monótona até se interessar por uma mulher é bastante corriqueiro dentro do cinema. É possível ver enredos que se encaixem nesse “esqueleto” em filmes como Taxi Driver, Baby Driver, Teoria da Conspiração, entre outros. E Drive, do dinamarquês Nicolas Winding Refn, é mais um que estrutura sua história em torno desta premissa.

Na trama, acompanhamos a história de um motorista sem nome alternando entre seus trabalhos como dublê, mecânico e motorista de fuga para assaltos. Mesmo que pareça uma vida emocionante em um primeiro olhar, não demora a percebermos como a existência do protagonista é maçante, tediosa. Isso se altera a partir do momento em que ele se envolve com Irene, sua vizinha, e com o filho dela, Benicio.

O protagonista cria rapidamente um forte laço com os dois, que é perturbado pela chegada do marido de Irene, Gabriel. A partir desse momento, o que temos é um frenesi de violência e vingança que dá o tom dos dois terços finais da obra.

Drive passa longe de ser um filme original, isso é obvio. Os clichês de ação estão presentes durante a obra inteira, desde o bad-ass caladão até a dama em perigo, passando pelo mentor assassinado e por mafiosos sem escrúpulos ou profundidade. Ainda assim, a produção é extremamente marcante. Mas por que?

Em um cinema que cada vez mais se propõe a ser inventivo e original, se afastando – e muitas vezes até desprezando – o que se entende como “cinema comercial”, o filme de Refn vai pelo caminho contrário: ele abraça totalmente o seu lado comercial. E isso passa longe de ser algo ruim.

Durante diversas cenas da película, a impressão é de estar vendo um filme estereotipado, daqueles que aparecem dentro de outros filmes. A sequência inicial é extremamente padrão, com um motorista solitário na noite enquanto a trilha sonora de rock alternativo toca e o titulo em rosa neon surgindo em tela. Mas mesmo assim, é extremamente marcante.

A impressão que se dá, é que mesmo sem apresentar uma estrutura narrativa-técnica original, Refn tem um sucesso enorme na construção de seu filme por fazer tudo de maneira impecável. Em muitas formas, é como se Drive acertasse no tom de todos os aspectos que procura apresentar ao expectador: A violência é bastante gráfica e marcante, mas sem ser apelativa. As sequencias automobilísticas são excitantes, mas sem cair no padrão de “carro disparando em alta velocidade enquanto corta o trânsito”. Até os atos de vingança cometidos pelo protagonista são no tom certo, entregando satisfação pela “punição aos vilões”, mas mantendo uma certa “classe”.

Outro ponto a se ressaltar é a profundidade da relação entre o protagonista e Irene. Diferente do que se vê comumente no gênero, não há ênfase no aspecto sexual aqui. O filme não possuí cenas de sexo, e o contato mais próximo que o casal tem é a cena do beijo no elevador. Ainda que isso aparente um certo “puritanismo” do diretor, para mim a questão é um pouco mais complexa.

O motorista silencioso não se interessa por Irene por pura e simples atração. Claro, a atração está lá, mas não é o ponto principal. Ao meu ver, o que ele encontra na vizinha e no filho pequeno da mesma, é uma resposta para o vazio que ele sente em sua existência. Ele não sente somente desejo por Irene, ele se atrai majoritariamente pela sensação de afeto mutuo que se constrói naquela relação.

É possível entender isso a partir da análise da relação entre o protagonista e Gabriel, marido de Irene. No momento em que se conhecem, fica claro que há

um interesse compartilhado pelos dois em relação a mesma mulher. Uma situação como essa precederia um conflito em outras narrativas, mas não aqui. Em Drive, o que se tem é uma “aproximação” de ambos por causa de Irene. O protagonista tem os meios e a capacidade de afastar Gabriel da família, já que o mesmo os coloca em risco devido a seu passado. Essa ação, inclusive, seria mais interessante para o motorista silencioso, caso a sua motivação fosse de fato, simplesmente estabelecer uma relação com Irene. Mas não é esse o caso aqui.

O que o protagonista realmente deseja é o bem estar de Irene e de Benício, e a presença de Gabriel é importante para que esse objetivo seja alcançado. Benício provavelmente ama o pai (ainda que não haja um desenvolvimento disso na obra), e Irene, mesmo estando interessada no motorista silencioso, ainda sente afeto por Gabriel. Dessa forma, por se importar com ambos, o protagonista também passa a se preocupar com os problemas de Gabriel.

A cena dos quatro na mesa de jantar talvez simbolize melhor do que qualquer outra a natureza daquela relação. Enquanto todos os presentes na cena estão em uma convivência “feliz”, é possível perceber que o protagonista está satisfeito com aquela situação. Não há incomodo por não ser o par romântico de Irene naquele momento, já que Gabriel ainda é o marido dela, e nada aponta uma mudança desse cenário em um futuro ideal. Na verdade, o motorista silencioso se sente confortável em seu papel como “protetor”. Tudo o que ele quer, após anos de uma existência tediosa e maçante, é se sentir necessário e amado. Ele não quer fazer parte da vida de Irene por pura atração física. Ele quer pertencer e ter sua presença desejada naquele lugar.

Entretanto, quando há a possibilidade de permanecerem juntos, após todos os antagonistas serem derrotados, o motorista opta por seguir adiante e deixar Irene para trás. Por que? Bem, para mim, novamente há uma opção pelo bem estar dela e da criança. Entendo que nesse momento, após um ciclo de violência que se estabeleceu como consequência de uma aproximação afetiva, o protagonista entenda que a sua presença ao lado de Irene traria mais malefícios do que benefícios para a mesma. E dessa forma, decide se afastar.

De muitas formas, Drive é um filme simples, mas com nuances complexas. Ele é relativamente curto, com menos de duas horas de duração, mas bastante marcante. O expectador facilmente se insere dentro do enredo, ainda que talvez não entenda alguns aspectos narrativos presentes na produção. Não é uma obra de arte, mas facilmente se tornou um de meus filmes favoritos.

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