sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Frankenstein 3


 Hannah Carneiro



Na mitologia grega, a ambição de conceder mais dons à espécie humana levou Prometeu a roubar o fogo dos deuses e ser punido para a eternidade pelo mais poderoso deles: Zeus. Qual é o preço para quem desafia as leis da natureza? Quanto paga o criador e quanto paga a vítima? Em todas as formas e adaptações de Frankenstein, ou o Prometeu Moderno, clássico da ficção científica e da literatura gótica, escrito por Mary Shelley, esses são questionamentos que perduram. 


Do meio da neve surge uma criatura robusta e assustadora, determinada em dominar o destino de seu próprio inventor. A partir daí, como no livro original, Frankenstein (2025), dirigido por Guillermo del Toro, acompanha a odisséia de Victor Frankenstein e de seu monstro, desde o princípio de seus traumas geracionais. Distante da realidade literária, em que Victor tem uma infância colorida por amor e acolhimento, o filme ilustra um período marcado pela rigidez e frieza vinda de seu pai, o que colabora para uma melhor compreensão do seu amadurecer apático, voltado para o seu orgulho de superar as habilidades da figura paterna e desafiar a organicidade da vida.


Em contraste com sua ambição, surge Elizabeth Lavenza, vivida com sensibilidade e perspicácia pela atriz Mia Goth, que encontra na apreciação de pequenas formas de vida a maior beleza. O que, vale ressaltar, é meticulosamente transposto nos seus figurinos em cores e padrões que remetem a besouros, líquens e até mesmo um raio-x, idealizados pela diretora de arte Tamara Deverell. Dessa forma, em justaposição, sua personalidade destaca a vaidade e orgulho de Frankenstein, um homem movido pela sede de de alcançar um poder que compense o que a vida não lhe cedeu: amor.


Victor torna-se, então, o espelho de seu próprio pai: que gerou a vida, mas não a acolheu. Entre a vaidade que eleva o homem ao papel de deus e o abandono que o torna monstro, nasce o drama mais humano da obra: um filho que deseja ser inteiro, um pai feito de soberba incapaz de amar o que criou. E nessa ausência de amor, o horror deixa de ser sobrenatural — ele se torna profundamente humano.

Nesse cenário, a atuação do ator australiano Jacob Elordi merece destaque. Longe de interpretações caricaturais do seu passado, Elordi entrega uma Criatura crua e que transborda humanidade, prometendo sucesso em seus próximos trabalhos cinematográficos. Em um tom diferente, mais maniqueísta e infantil, se aproxima da curiosidade e ingenuidade perante o mundo transmitidas pela atriz Emma Stone, como Bella Baxter em “Pobres Criaturas” (2023), de Yorgos Lanthimos. A criatura de Del Toro é imponente, retalhada com partes escolhidas a dedo pela vaidade de Frankenstein, mas o olhar é frágil, quase infantil. Elordi compreende que o monstro não reside em sua aparência, mas na forma como o mundo o vê.

Apesar disso, pode-se observar que Del Toro escolheu aproximar sua Criatura da bondade e menos da dubiedade, o que é construído na obra de Mary Shelley de forma mais equilibrada: enquanto demonstra empatia para com certos indivíduos, também é cheio de violência e sentimento de vingança, o que torna a leitura do público mais próxima da compreensão da subjetividade humana e menos de um maniqueísmo que oprime a reflexão e entrega de bandeja o bem e o mal.

No que tange as forças inegáveis do filme, não se pode deixar de elogiar a direção de arte, que impressiona com seu caráter estonteante e demonstra consonância com os trabalhadores anteriores de Del Toro, conhecido por sua estética gótica e pela fusão entre o fantástico e o orgânico (A Forma da Água, O Labirinto do Fauno). O universo visual é híbrido: vestuários e cenários remetem ao século XIX, mas dispositivos tecnológicos e máquinas improváveis insinuam um futuro que jamais existiu. O filme se instala nesse paradoxo, refletindo a própria essência de Frankenstein, que sempre se tratou de fronteiras rompidas. 

Por isso, pode-se dizer que Frankenstein de Guillermo del Toro é uma obra que merece ser apreciada pela sua beleza estética e pela sensibilidade que o diretor extrai da literatura para as telas. Entretanto, não se pode deixar de questionar até onde vamos abrir mão da subjetividade da linguagem para tornar uma narrativa cada vez mais verborrágica e unilateral.



Nenhum comentário:

Postar um comentário