Existe uma crença por aí de que você só conhece o verdadeiro eu das pessoas quando elas estão com raiva. De que o ser humano só mostra a sua real face quando é colocado em situações de pressão, quando a sua paciência é posta à prova. Será mesmo? Para Damian Szifron, diretor de "Relatos Selvagens", parece que sim.
Em uma coletânea de seis histórias independentes, o filme nos apresenta pessoas em cenários que testam as suas sanidades mentais. Em um empréstimo do filme do Almodóvar, penso que outro nome possível para a obra seria "Pessoas à beira de um ataque de nervos". No primeiro curta – particularmente meu favorito e que aparentemente viralizou graças à fala "Mais alguém aqui conhece Gabriel Pasternak?" –, um homem frustrado reúne todas as pessoas que já o decepcionaram em um avião que está em queda livre em direção ao lar de seus pais, os maiores culpados pela sua vida miserável. Mais à frente, uma ultrapassagem no trânsito leva dois homens a brigarem até a morte em uma disputa de masculinidade que termina com os cadáveres de ambos agarradinhos no meio do fogo, fazendo com que quem veja a cena pense que se trata de um crime passional.
Sendo, essencialmente, uma investigação sobre os limites da civilidade humana, um dos maiores méritos de "Relatos Selvagens" é fazer com que a gente pense "O que eu faria se isso acontecesse comigo?". Por exemplo, se o filho bêbado do seu chefe ricasso atropelasse uma mulher grávida e lhe fosse oferecida a oportunidade de se entregar no lugar dele, você aceitaria? Provavelmente não. Mas e se te prometessem em troca meio milhão de dólares? Aí estamos conversando. Szifron esfrega nas nossas caras a fragilidade das estruturas aparentemente tão sólidas das nossas morais, apresentando sem grandes maneirismos técnicos cenários tão absurdos que se tornam completamente possíveis, como se utilizasse do efeito brechtiano do distanciamento para nos lembrar da besta que mora dentro de nós.
Tratando-se de uma antologia, é natural que nem todos os contos sejam igualmente potentes. A segunda história, "As Ratas", e até mesmo "Bombita", um dos segmentos mais elogiados pela crítica, me parecem um pouco arrasatados – embora seja inegável de que é muito satisfatório ver o Ricardo Darín se tornando um revolucionário contra a burocracia estatal e explodindo tudo no equivalente argentino do DETRAN. Nesse sentido, o todo é maior que a soma das partes. Mesmo com essa barriguinha, se é que podemos chamá-la assim, o filme não é prejudicado de forma alguma. Muito pelo contrário: cada uma das seis histórias acrescenta uma informação sobre a psiquê humana, seja falando de vingança, da nossa relação com o capitalismo ou sobre os preconceitos enraizados na nossa mente que vem à tona em momentos de fúria.
Se só é possível saber quem alguém é de fato quando entramos em contato com a sua pior versão, eu não sei dizer. Mas o que "Relatos Selvagens" mostra com o seu roteiro impecável é que, se tem algo que una as oito bilhões de pessoas desse mundo, é que, dentro das circunstâncias certas, todos estamos a um passo de perder as nossas cabeças. Afinal, que atire a primeira pedra quem nunca surtou ao descobrir que a amante do seu esposo está na sua festa de casamento.

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