sexta-feira, 28 de novembro de 2025

“Pecadores” (2025)

 


João Carlos Justino do Nascimento


E se os maiores fantasmas não viessem do sobrenatural, mas das próprias memórias e culpas que carregamos? Superficialmente, este é o enredo explorado em Pecadores (2025), mais novo filme do diretor de Pantera Negra e Creed, Ryan Coogler. Aqui, o diretor aposta em um território híbrido: terror gótico, drama de época e mitologia musical. Ambientado em 1932 no Delta do Mississippi, o filme traz Michael B. Jordan no papel duplo dos temidos irmãos gêmeos Fumaça e fuligem, que ao retornarem para casa, decidem inaugurar um bar para o povo negro celebrar suas tradições e músicas clássicas, mas acabam confrontados por forças sobrenaturais antigas, encarnados na figura de vampiros.

Para além do nome mais badalado do filme, a história também nos apresenta outra figura importantíssima para o desenrolar da trama: Sammie, ou, “pastorzinho” – apelido dado por conta de seu pai, pastor da cidade. O jovem ,de origem humilde, vive uma realidade dividida entre a religião – advinda do seu pai – e a sua paixão pelo blues, que parece ser algo intrínseco à sua gênese, um talento quase que místico. Misticismo esse que não é novidade para os adeptos à história do blues, uma vez que o personagem Sammie, como comentado pelo próprio diretor, bebe muito da lenda de Robert Johnson, que foi um famoso cantor de blues que supostamente vendeu sua alma ao diabo em troca de talento musical.

Dentre os vilões, um dos maiores mistérios é acerca dos vampiros, que na figura de seu líder: Remmick, inicialmente vemos um vilão estereotipado e sem muito desenvolvimento, mas que esconde um passado de muita relevância para o contexto impresso na obra. E é a partir da origem irlandesa do personagem que o filme ganha mais uma camada em seu subtexto, uma vez que, por ser um vampiro e irlandês, Remmick esteve presente em diversos períodos da história, dentre eles, o período de repressão e apropriação cultural praticada pela Grã-Bretanha contra o seu povo. No filme, o processo acontece de forma semelhante, ao criar-se um momento de empatia dos vilões com o os negros que estavam na inaguração do bar. Os vampiros chegam a comentar a real intenção dos donos do galpão em que estavam e que, na verdade, pela manhã, eles seriam abatidos pelos integrantes da Ku Klux Klan. A ideia era, através do encanto pela música do jovem Sammie, convertê-lo e usá-lo como porta de acesso aos seus ancestrais, representando a apropriação cultural sofrida pelos próprios irlandeses e, mais explicitamente, pelos negros nos EUA.

Pecadores vende-se como um filme do gênero terror, mas isso é apenas a camada superficial da trama, que recheia seu subtexto de crítica social, música tradicional (blues) e horror simbólico para explorar racismo, legado, culpa e trauma de um modo visceral. O filme não esconde, em momento algum, a importância da música como forma de resistência de uma cultura, transformando a trilha sonora do filme em uma experiência à parte e quase personificando o blues, que é colocado como um gênero musical ancestral, capaz de rasgar o tecido do tempo e transportar a cultura de seu povo.

Entre os “poréns”, é possível notar uma certa lentidão inicial — a primeira parte do filme demora a engatar no terror propriamente dito, focando mais no estabelecimento do ambiente e dos personagens. Além disso, a fusão de gêneros e símbolos — mitologia, obrenatural, musical — funciona como força motriz, mas corre o risco de dispersar quemprefere narrativas mais clássicas de terror sem camadas simbólicas ou envolvimentos culturais mais densos.

Por fim, a obra é um espetáculo visual, uma experiência digna de IMAX, dando ainda mais profundidade estética e sonora para o produto. Aborda diversos temas relevantes como a resistência, o legado e o racismo, além de conjugar emoção, crítica e entretenimento num gênero que, tradicionalmente, favorece sustos antes de reflexão. Pecadores é, para além dos seus feitos técnicos, um manifesto de resistência da cultura negra e das demais culturas, que, de alguma forma, lutam pela sua existência.

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