
Vanessa Medeiros
Em O Céu de Suely (2006), Karim Aïnouz retrata a jornada silenciosa de Hermila, uma jovem que retorna
ao sertão nordestino depois de uma vida breve e frustrada no Sudeste. O filme, embora minimalista na
ação, é profundo no que revela sobre o corpo e o desejo feminino em um contexto de imobilidade
social e afetiva.
A câmera de Aïnouz é cúmplice de Hermila: observa sem julgar, acompanha seus gestos, sua espera e o peso da repetição dos dias. A paisagem árida de Iguatu funciona como extensão da própria personagem — um espaço de confinamento e de desejo. Quando Hermila cria o alter ego “Suely” e decide rifar “uma noite no paraíso”, o gesto não é apenas uma provocação ou fuga econômica, mas uma ação simbólica de autonomia. É como se, diante de um mundo que a reduz, ela decidisse se reinventar, atribuindo novo sentido ao próprio corpo e à própria história.
A travessia de Hermila/Suely é também a travessia de muitas mulheres brasileiras que tentam afirmar-se num espaço de opressão e ausência de futuro. O Céu de Suely fala sobre a coragem de desejar, sobre o preço da liberdade e sobre a delicada força que nasce da solidão. O filme é belo em sua secura, e mesmo quando parece vazio, é nesse silêncio que pulsa a resistência de uma personagem que se recusa a aceitar o destino que lhe impuseram.
Nenhum comentário:
Postar um comentário